Foto: Luiz Armando Vaz / Agencia RBS
Bocas que movimentam pelo menos R$ 1,2
milhão por mês (R$ 300 mil por semana, segundo o Ministério Público) e o ponto
privilegiado encravado numa área importante do desenvolvimento de Porto Alegre.
Esses dois fatores explicam a guerra que envolve lideranças do tráfico da Vila
Maria da Conceição, no Bairro Partenon.
A área, cercada por avenidas que ligam as
zonas Leste e Sul da Capital, representa um mercado nobre para os traficantes.
Usuários entram com facilidade e são atendidos nas vias. Estima-se que até 50
bocas de fumo funcionem na Conceição.
As vias urbanizadas protegem vielas,
casebres e áreas ainda não regularizadas nas quais se criou, há pelo menos três
décadas, um império do tráfico, até agora comandado por Paulo Ricardo Santos da
Silva, o Paulão da Conceição. Mesmo preso na Penitenciária de Alta Segurança de
Charqueadas, ele comanda traficantes e quase tudo o que afeta a vida dos cerca
de 15 mil moradores da vila.
Desde o início deste mês, esse império
começou a rachar e está sendo disputado a bala. Foram mortos pelo menos três
homens ligados a Paulão. E o medo dominou a comunidade.
Ruas,
festas e escolas vazias
Entre os dias 9 e 17 de maio, houve toque
de recolher, decidido pelos próprios moradores. Creches e escolas liberaram os
alunos mais cedo, estudantes do turno da noite não foram à aula, as festas de
Dia das Mães foram suspensas. Até uma missa foi cancelada.
- Só neste mês, as mães tiveram que
recolher os filhos da pracinha cinco vezes por conta das trocas de tiros
durante o dia. As crianças estão traumatizadas porque havia tempos não ocorria
algo assim - conta uma mãe, que pediu para não ser identificada.
Soou o
sinal de alarme
Há dez dias, a 1ª Companhia do 19º BPM
decidiu reforçar o patrulhamento e as abordagens na região. Segundo o
comandante, major Marco Antônio dos Santos Amaral, o principal motivo foi o
assassinato de um sobrinho de Paulão. Carlos Maurício Silva Rabelini, o
Boquinha, 21 anos, tombou atingido com mais de dez tiros em 8 de maio, numa
residência na Rua João do Rio.
- A casa invadida pertence ao Paulão.
Quando isso ocorreu, soou o sinal de que uma guerra estava iniciando. Invadir a
casa do líder é confronto na certa - explica o oficial.
Um
exército sem fim
Quatro dias depois da morte de Boquinha,
mais equipes se juntaram às duas viaturas da BM que percorrem a vila 24 horas.
Barreiras e abordagens são feitas nos entornos à tarde e à noite. Pelo menos 20
prisões por tráfico são feitas todo mês na vila.
O detalhe nessas prisões revela uma das
maiores dificuldades para a polícia. O delegado do Denarc Rodrigo Zucco diz que
praticamente todos os presos este ano não tinham antecedentes por tráfico.
- A mão de obra lá dentro é infinita. São
usuários que, para sustentar o vício, entram para o tráfico. Geralmente, são
pegos com pequenas quantidades e logo voltam às ruas como novos soldados da
quadrilha - explica.
Em 2011, em ação na Rua Paulino Azurenha -
onde se concentram as principais bocas de maconha e crack da vila -, o delegado
fez uma declaração ousada:
- Agora, terminamos com o tráfico na
Paulino Azurenha.
Não terminou. Nem é de se admirar.
Conforme o Ministério Público, que na última década já formulou ao menos duas
grandes denúncias contra a quadrilha, a cada três minutos são vendidas dez
buchas de cocaína nas bocas da região.
Por
enquanto, o "abafa" continua
A Brigada Militar garante que continuará
com as ações para "abafar o tráfico". O Denarc promete manter ações
em duas frentes: repressão e sufocamento dos bens dos traficantes. Em uma
operação no ano passado, por exemplo, o departamento sequestrou em torno de R$
1,5 milhão em bens do enteado de Paulão, Carlos Alberto Silveira Drey, o Beto
Drey.
Mas o próprio diretor de investigações do
Denarc, delegado Heliomar Franco, admite que apenas o trabalho policial é
insuficiente. O major Marco Antônio dos Santos Amaral, do 19º BPM, concorda:
- O grande filé que sustenta o tráfico não
é a comunidade. São as classes mais abastadas da Capital que vão até a vila
buscar drogas para a diversão com os amigos.
Região é
foco da construção civil
Para o delegado Heliomar Franco, só ações
policiais não conseguirão eliminar o domínio do tráfico na Conceição.
- É preciso urbanizar por completo aquela
área. Hoje, o traficante tem duas vantagens fundamentais, que são o terreno,
com as vielas de difícil acesso às autoridades, e a falta de alternativas mais
dignas aos jovens da localidade - aponta.
Se dependesse dos setores da construção
civil, isso já teria acontecido. Desde 2011, o Bairro Partenon figura, segundo
as entidades imobiliárias e da construção, entre os mais atraentes para
investimentos. A importância cresceu com as obras da Copa - o viaduto da
Terceira Perimetral e o corredor do BRT, ambas na Bento.
Desvios
dificultam abordagens
Mas, até nesse aspecto, os criminosos
foram mais rápidos do que as autoridades públicas. Um dos motivos da cobiça
pelo império está exatamente no novo boom da construção. E ainda tem a
malandragem para driblar o policiamento.
- Antes dos desvios na Bento Gonçalves
(devido às obras), sabíamos diferenciar exatamente quem estava apenas cruzando
as ruas, como a Barão do Amazonas e a Paulino Azurenha, e quem vinha buscar
droga. Agora, fica difícil porque todos estão passando por aqui - diz o major
Marco.
Crime
cruel confirma disputa na vila
Se a morte do sobrinho do Paulão chamou a
atenção da polícia para a guerra na vila, não foi menos chocante a forma como
um dos supostos gerentes do tráfico foi executado.
No dia 10 de maio, um corpo foi achado
enrolado em um papelão no Bairro Nonoai, na Zona Sul. O homem levara pelo menos
cinco tiros no rosto e teve um dos olhos arrancado. O DML confirmou se tratar
de Rafael Pereira Santiago, 37 anos.
Era a confirmação do que os moradores
falavam nas ruas da vila. Sabiam que havia um terceiro corpo nessa guerra, mas
ninguém sabia onde ele estava. O caso é apurado pela 4ª DHPP.
Polícia
mantém investigações em sigilo
Encravada no coração da vila, em um prédio
na Rua Barão do Amazonas, a 1ª DHPP investiga os outros dois assassinatos
relacionados ao conflito. Todas as informações são mantidas em sigilo. A
polícia confirma apenas que os crimes têm relação com a disputa pelas bocas até
então dominadas por Paulão.
O cenário
da guerra
O que está
em jogo:
- São mais de 50 bocas de fumo que
movimentam mais de R$ 1,2 milhão por mês.
- A vila fica em meio ao bairro de maior
densidade demográfica da Capital, com 7,5 mil hab/km². Porto Alegre tem 2,8 mil
hab/km².
- Em 2011, o Bairro Partenon foi apontado
pelo Sinduscon entre os seis de maior oferta de imóveis em construção. Em abril
de 2013, foi considerado pelo Secovi como o sexto em oferta de imóveis para
venda. É o terceiro em número de unidades habitacionais para aluguel.
- O novo chefão - Um antigo homem de
confiança de Paulão, conhecido como Xu, estaria aproveitando a saúde debilitada
do traficante para se aliar com criminosos de fora da Vila Maria da Conceição e
tomar o poder. A polícia investiga a hipótese de o tal aliado ser a facção dos
Bala na Cara, do Bairro Bom Jesus. Eles seriam os responsáveis pelas primeiras
mortes nos confrontos.
- Durante os anos 1990, Paulão fez a
divisão territorial dos seus domínios. Na parte alta da vila, ficam as bocas de
cocaína. Na baixa, onde fica a Rua Paulino Azurenha, são vendidos maconha e
crack. De acordo com a Brigada Militar, porém, hoje a divisão das regiões já
não existe mais.
- Quando Paulão foi preso, em 2010, ele
próprio teria delegado o domínio da parte baixa da Conceição ao enteado Beto
Drey. A parte alta era gerenciada pelo braço direito do traficante, conhecido
como Xu e um comparsa, Juvenil Marques de Souza Júnior, morto no ano passado.
Todos deveriam responder a Paulão.
- Os herdeiros - Comandados por Beto Drey,
o enteado de Paulão, seriam um grupo de remanescentes da vila e que, até então,
detinha o poder herdado pelo patrão. Conhecido por seus métodos violentos de
impor dominação, o suposto líder, atualmente na cadeia, estaria prestes a
receber o benefício da progressão para o regime semiaberto. Na vila, os
comentários são de que o grupo organiza uma violenta reação armada.
- Os aliados - A polícia apura uma aliança
que teria surgido dentro da penitenciária de Charqueadas. Paulão, com problemas
de saúde e com o comando reduzido, teria formado uma parceria com o traficante
conhecido como Primo - um dos líderes do tráfico na Restinga - para restituir a
"ordem" nas bocas da Maria da Conceição. A ordem seria fazer uma
"limpeza" na área e restabelecer o império que tornou a vila um dos
pontos de tráfico mais famosos da cidade.
Conceição
é o último grande império da droga
RENATO
DORNELLES
A guerra na Vila Maria da Conceição segue
uma tendência do mercado varejista de drogas, iniciada ainda nos anos 90, no
Rio de Janeiro: a fragmentação dos grandes impérios.
Aliás, em Porto Alegre, a Conceição pode
ser considerada o último império, daqueles cujo um único líder ou um pequeno
grupo domina uma grande área - tal qual foi, por exemplo, o de Anão e de
Carioca, no Morro da Cruz, nos anos 70 e 80.
O modelo seguido pelos traficantes Anão e
Carioca, e até então existente na Conceição, foi criado no Rio de Janeiro, nos
primórdios das grandes organizações criminosas (Falange Vermelha, Comando
Vermelho, Terceiro Comando...): um líder, oriundo da própria comunidade, era,
ao mesmo tempo, o chefe do tráfico no local e um "benfeitor."
Em sua estratégia de dominação, esse líder
ocupava as brechas deixadas pelo Estado, fazendo assistencialismo e, à sua
maneira, garantindo até a segurança dos moradores. Com isso, conquistava a
simpatia de parte deles.
A partir dos anos 90, porém, o tráfico
cada vez mais lucrativo gerou a ganância que, por sua vez, pôs fim à lealdade e
à confiança antes existentes. As lideranças passaram a ser questionadas,
principalmente pelos traficantes mais jovens, que sonhavam com os supostos
benefícios do comando: dinheiro e poder. As consequências foram e são as
disputas sangrentas pelos pontos de vendas de drogas. No tráfico pós-impérios,
os líderes não mais fazem assistencialismo: impõem-se perante as comunidades na
base da violência e das ameaças.
As
primeiras baixas
- 5/5 - Bruno Bicca, 22 anos, foi morto
com três tiros na cabeça na frente de casa, no Beco da Bruxinha, na Rua Paulino
Azurenha. Bruno era conhecido na vila por ser afilhado de Paulão. Nas festas da
comunidade, costumava contribuir com doces para as crianças, mas não
participava dos eventos.
- 8/5 - Carlos Maurício Silva Rabelini, o
Boquinha, 21 anos, foi morto com mais de dez tiros por dois homens que
invadiram a casa onde ele estava com a irmã, na Rua João do Rio. Boquinha era
sobrinho e aliado de Paulão, e tornou-se inimigo de Beto Drey. Era considerado
um dos líderes da quadrilha. Cabia a Boquinha o controle do dinheiro do bando e
da distribuição de drogas entre as bocas.
- 10/5 - Rafael Pereira Santiago, 37 anos,
foi encontrado morto com pelo menos cinco tiros na cabeça. O corpo foi
abandonado no Bairro Nonoai. Era considerado um dos antigos gerentes do tráfico
na vila, um cargo de confiança do patrão.
Fonte:
Aline Custódio │ Eduardo Torres | DIÁRIO GAÚCHO
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