Crianças de 12 a 14 anos já representam 11% dos
menores apreendidos em Porto Alegre e 5% dos internos da Fundação de
Atendimento Socioeducativo (Fase)
Menino de 13 anos que vendia drogas é uma das 46 crianças internadas na FaseFoto: Mateus Bruxel / Agencia RBS
Eles são pequenos. Mal alcançam os pés no chão. Trocaram os
brinquedos pelo crime: tráfico, furto, roubo. São crianças e adolescentes que
não têm mais do que 14 anos e formam uma mão de obra muito assediada por
traficantes e criminosos. Estão entrando cada vez mais cedo no crime, e
exercendo papéis importantes em pontos de tráfico aos 12, 13 e 14 anos.
Nos primeiros quatro meses de 2013, 47 adolescentes, com idade
entre 12 e 14 anos, foram apreendidos pela Brigada Militar. Ao todo, a BM levou
às autoridades 426 menores envolvidos com todo o tipo de ato infracional. O
mais frequente é o tráfico de drogas.
- A gente vê que esse sistema está falhando, porque eles estão
entrando tão mais cedo. Tu aprendes com a comunidade com a qual tu vives. E a
pena ele já vê gente cumprindo - diz o doutor em Direito Penal e professor de
Direito Penal da Unisinos, André Luís Callegari.
Hoje, os adolescentes de 12 a 14 anos já representam 11% dos
menores apreendidos em Porto Alegre e 5% dos internos da Fundação de
Atendimento Socioeducativo (Fase).
Não há estatísticas de quantas crianças com menos de 12 anos
estão envolvidas em crimes - como não podem ser responsabilizadas penalmente,
não constam dos registros policiais. A percepção das autoridades (BM, Conselho
Tutelar, Deca e Ciaca), porém, é de que esse número cresce todos os dias.
Traficantes lideram assédio
O titular da 1º Delegacia de Polícia para o Adolescente Infrator
(DPai) do Deca, delegado Christian Nedel, tem a sensação de que cresceu a
incidência de crianças e adolescentes mais jovens em ocorrências,
principalmente as ligadas ao tráfico. Para o delegado, o assédio tem sido maior
e começado cada vez mais cedo.
- Esses casos, como de meninos de dez anos, chegam a nosso
conhecimento, mas são encaminhados ao Conselho Tutelar, que é quem os acompanha
- explica.
Nas invasões, vilas e bolsões de miséria da Capital, o tráfico
fascina os garotos. A tentação de mostrar status, roupas de grife, poder e
dinheiro é um dos obstáculos que os conselheiros tutelares precisam driblar para
tentar resgatar os pequenos. Um deles, de 13 anos, a quem foi oferecido um
trabalho educativo com uma bolsa de R$ 100 mensais, recusou a oferta.
- Ele me disse que recebia R$ 400 por semana na boca de fumo e
que iria dispensar - lembra um conselheiro.
Nos primeiros 120 dias do ano:
A BM apreendeu 426 adolescentes*. Destes, 47 têm entre 12 e 14
anos.
Ou seja, por semana, 25 adolescentes foram apreendidos em Porto
Alegre.
Três em cada 25 têm entre 12 e 14 anos.
Na Fase, 44 meninos e duas meninas, com idade entre 12 e 14
anos, cumprem medidas socioeducativas.
* Dados fornecidos pelos 1º, 9º, 11º, 19º e 21º BPMs. Apenas o 20º BPM não forneceu estatísticas.
* Dados fornecidos pelos 1º, 9º, 11º, 19º e 21º BPMs. Apenas o 20º BPM não forneceu estatísticas.
Menino promete não "incomodar"
Os traços, os trejeitos, a estatura e o sorriso são de um menino
de 13 anos. O olhar e as frases são de um cara maduro, que já viu e viveu
muitas histórias numa boca de fumo. Filho do meio, o garoto tem três irmãos que
estão reclusos. O mais velho, de 20 anos, está no Presídio Central, e os de 16
e 14 anos também estão em unidades da Fase. Os caçulas, de 12, dez e sete anos
estão na casa de tios desde o início de maio, quando a mãe deles morreu, por
problemas de saúde.
As mãos do menino que faz origamis para passar o tempo são as
mesmas que há menos de um mês serviam ao tráfico. E, se depender dele, não
servirão mais:
- Quero mostrar que eu presto pra alguma coisa que não só vender
droga. Eu não queria estar aqui. É ruim ficar trancado - disse o guri.
Em abril, o garoto que sonha em ganhar na Tele-Sena e um dia
poder trabalhar num supermercado, foi apreendido pela quarta vez em 2013. É a
quinta apreensão desde o ano passado. Havia 28 dias que estava em liberdade,
depois de passar por uma internação provisória na Fase, iniciada em fevereiro.
Agora, está de volta à Unidade Carlos Santos.
Lá dentro, o tempo parece não passar. Ele espera pelas visitas
da cunhada, que traz notícias dos irmãos e as folhas coloridas, transformadas
pelo ele em bonecas e cisnes. A rotina é bem diferente da de quando vendia
drogas em um beco de um bairro da Zona Sul. Levantava de manhã e ia para a boca
de fumo. E lá passava o dia.
- Foi um cara que chamou meus irmãos para ir para lá. Depois
eles me convidaram também - conta.
Embora vendesse, não usava crack.
- Vi meu pai usar e o que aconteceu com ele. Só usei maconha -
ressalta o guri, que tem tamanho e peso compatível com a idade.
Mas, mesmo assim, o garoto com fala de adulto tem a exata noção
do que não viveu, do que deixou para trás, do que perdeu.
- Perdi minha infância - diz, ao lembrar do desgosto da mãe
quando ele ia para a boca de fumo.
O menino arredio, que não conversava com os agentes da Fase, já
sorri. Cumprimenta os "seus" e as "donas", embora ainda
brigue para se defender. Um líder nato, está tendo a oportunidade de recomeçar.
De voltar a ser criança já na adolescência.
- Sereno - repete ele ao fim de uma frase sim e outra não - não
quero mais incomodar.
A busca por ídolos
É nesta primeira fase da adolescência que os meninos e meninas
buscam descobrir quem são eles. Se o adolescente mora ou convive numa
comunidade violenta na qual as referências, os exemplos, são ligadas ao
universo da violência, ele pode se espelhar neles. Porém, segundo a psicóloga e
coordenadora da pós-graduação em Psicologia da Unisinos, Denise Falcke, não é
um fator determinante.
- Se os exemplos são esses, se ele convive num meio que existe
muita violência, é esse o modelo que ele vai levar para a vida. Mas não
significa que será um criminoso, pois ele pode ter uma personalidade mais forte
ou se mirar em exemplos mais saudáveis - explica.
A fase dos 12 aos 14 anos:
É a fase da busca da identidade
Eles procuram por ídolos, exemplos, modelos
Exemplos saudáveis são aqueles que dão atenção, respeito e
cuidado
Vidas na miséria
É na sala de audiência da Justiça Instantânea, no Centro
Integrado de Atendimento à Criança e ao Adolescente (Ciaca) que o juiz Ângelo
Furian Pontes ouve os relatos dos menores envolvidos em atos infracionais. Por
dia, são de 15 a 20 audiências com menores envolvidos em tráfico de drogas,
roubos, homicídios, brigas em escolas e bullying. E nem todos são encaminhados
para a Fase. Alguns cumprem medidas socioeducativas como trabalhos comunitários
em liberdade. Nos casos mais graves, a internação se faz necessária.
- Quem frequenta a jurisdição criminal? É a pessoa que vive num
abismo social, num bolsão de miséria - analisa o juiz.
"Temos é que educá-los"
Para o professor de Direito Penal da Unisinos André Luís
Callegari, o meio em que esses adolescentes convivem e a falta de atenção do
Estado a essas comunidades acabam influenciando, e muito, na escolha dos
menores pelo mundo do crime. Famílias desregradas, pais presos ou ausentes,
falta de condições financeiras são alguns dos pontos que fragilizam esses adolescentes
frente ao assédio dos traficantes e criminosos.
- Muitas vezes, esses jovens nem foram socializados, então, não
podemos falar em ressocialização. Temos é que educá-los para que possam
aprender a conviver - explica André Luís.
Saiba mais
Como crianças (todo aquele que tem menos de 12 anos) não podem
ser penalizadas, não há dados sobre o envolvimento delas com atos infracionais.
Segundo o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a
Lei, 2.361 adolescentes cumprem medidas socioeducativas hoje no RS. Sejam elas
de internação, de semiliberdade ou em liberdade.
Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca), é criança
quem tem até 12 anos incompletos, e adolescente, de 12 anos até 18 anos
incompletos.
No tráfico, aos dez anos
É ainda desconhecido o número de crianças (menores de 12 anos)
envolvidas no crime. Isso porque, justo por serem crianças, elas não são
responsabilizadas penalmente, não respondem a Procedimentos por Ato Infracional
(inquérito) e nem entram na Fase. E, por esses mesmos motivos, estão sendo
assediadas, principalmente por traficantes, e iniciadas no crime cada vez mais
jovens.
Quando um menor de 12 anos é apreendido, geralmente pela Brigada
Militar, o Conselho Tutelar assume o caso. Em poucos minutos de conversa, os
conselheiros tutelares de três microrregiões de Porto Alegre fizeram uma lista
dos atendimentos realizados nos primeiros quatro meses deste ano em que
crianças estavam envolvidas com atos infracionais. Na Restinga, os conselheiros
lembram de dois casos. Em um deles, o menino de dez anos trafica ao lado dos
familiares em uma boca de fumo.
- Para eles, é normal, como se fosse um negócio de família -
observou uma conselheira.
Em outra pasta, mostram os dados de um garoto da mesma idade que
está envolvido em furtos.
Na Vila Maria da Conceição, outro caso semelhante. Em abril, um
garoto de dez anos foi flagrado pela Brigada Militar traficando numa das bocas
da vila e levado ao Deca.
Na Lomba do Pinheiro, os conselheiros encontraram um menino que,
aos oito anos, era "aviãozinho" em uma boca de fumo. A mãe o teria
colocado para trabalhar no tráfico. Depois de várias medidas protetivas, a
pedido do Ministério Público, a Justiça determinou que o garoto fosse afastado
da mãe e levado para um abrigo.
Esta semana, no mesmo conselho, a mãe de uma menina de nove anos
foi pedir ajuda. A guria tem furtado objetos em casas, da mãe e da avó, e,
agora, passou a furtar coisas da bolsa da professora.
- A gente encaminha esses casos para atendimento psicológico,
mas a espera pode chegar a um ano pela primeira consulta - contou a
conselheira.
Fonte: Carolina Rocha |
DIÁRIO GAÚCHO
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