quarta-feira, 29 de maio de 2013

Guerra Silenciosa: O desafio de mudar a atitude no trânsito

Projetos de educação buscam evitar acidentes e mortes

   Luciana e Tatiane destacam trabalho contínuo da EPTC nas escolas (Crédito: André Ávila)


Atravessar na faixa de segurança, não dirigir alcoolizado, não ultrapassar a velocidade permitida e respeitar o semáforo. Esses são gestos que basicamente todos aprendem desde criança. E é exatamente o descumprimento dessas regras que provocam a maior parte das ocorrências de trânsito. As ações de educação e de mudança de atitude no trânsito são os enfoques da última reportagem da série Guerra Silenciosa, publicada desde domingo no Correio do Povo.

"Os acidentes são uma imprudência malsucedida. Se todos respeitassem as regras, eles não aconteceriam e vidas seriam poupadas", aponta a agente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e integrante do Projeto de Educação para o Trânsito Luciana Pereira. Para tentar frear os tristes e crescentes dados da violência nas ruas, o grupo aposta na educação dos futuros condutores e, mais do que isso, na criatividade para abordar o assunto, considerado por muitos repetitivo e banal. "Independentemente de sermos pedestres, motoristas ou passageiros, temos de começar a perceber que todos somos responsáveis pelo trânsito e pelas suas consequências", explica.
 

Também agente da EPTC, Tatiane Fontoura observa que, para abranger essa diversidade de "personagens", é preciso elaborar materiais específicos a cada grupo. Em 2012, por exemplo, surgiu o personagem 'Pezito', em homenagem ao Dia do Pedestre, celebrado em 8 de agosto.

Agora, para efetivar os resultados, elas reconhecem que apenas uma ação não é suficiente. Há necessidade de um trabalho contínuo. Isso vale especialmente para as atividades desenvolvidas nas escolas, onde o Grupo de Educação para o Trânsito incentiva a promoção de diversas ações sobre o assunto, fazendo com que a percepção seja diferente por parte dos alunos e professores. Para educadores, são promovidas palestras e, para estudantes, atividades mais lúdicas, variando com a idade. "É importante a discussão do assunto no âmbito escolar de outras maneiras, por meio de abordagens em sala de aula em algumas disciplinas", diz Tatiane.

Um exemplo de sucesso desse trabalho continuado é o do Colégio São Judas Tadeu, em Porto Alegre. Há seis anos, a instituição desenvolve atividades de conscientização dos alunos para a temática do trânsito. Tanto que no ano passado o colégio recebeu uma homenagem da EPTC pela grande quantidade de projetos na área. Segundo a diretora Graziela Loureiro, a educação é o caminho de formação dos jovens, e em relação ao trânsito não é diferente. "Se almejamos um trânsito mais humanizado e consciente, nossa tarefa deve se iniciar com as crianças e jovens, a ideia de que o motorista de amanhã começa a sua formação hoje", afirma Graziela.

O assunto é abordado nas suas mais diversas frentes. "O tema faz parte da realidade dos jovens e de suas famílias, despertando interesse. Tanto que sempre os alunos têm algum exemplo para trazer à escola. É uma troca", conta a diretora.

Um trabalho para salvar vidas

Você consegue ter a dimensão do que são 453 pessoas? Para se ter uma representação mais simples, 453 é quase a totalidade dos estudantes da educação básica do Colégio São Judas Tadeu, em Porto Alegre. Ao mesmo tempo, esse número simboliza a quantidade de vidas que foram ceifadas no trânsito apenas nos três primeiros meses deste ano, segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran/RS).

Para dar essa visão melhor do que significa esse número, os estudantes do Colégio São Judas Tadeu se reuniram e, lado a lado, quase lotaram uma quadra inteira de esporte da instituição. Ao avaliar o projeto de educação para o trânsito na instituição, a diretora Graziela Loureiro resume: "Trabalhamos para reverter esse número. Para que sejam de vidas salvas e não perdidas nessa guerra".

O sonho de um dia fechar a fundação

Há pouco mais de 17 anos, Diza Gonzaga inaugurou a Fundação Thiago Gonzaga. Num sentimento de abandono social e apunhalada pela violência do trânsito, naquele momento a morte do filho que dá nome à instituição completava um ano. Ele perdeu a vida em um acidente de carro após uma festa em Porto Alegre. "Naquele momento eu queria contar para as mães que elas poderiam perder os filhos para uma guerra silenciosa: o trânsito", lembra Diza. 

Hoje, depois de milhares de ações de conscientização promovidas pela entidade, que tem seu trabalho reconhecido internacionalmente, seu maior desejo é encerrar as atividades de conscientização para o trânsito, como palestras, blitze e ações lúdicas com jovens. 

Ela recorda que há 17 anos as informações eram mais difíceis. Apesar da ampla divulgação dos fatores que provocam os acidentes e a carnificina no trânsito, Diza cobra uma atuação mais forte das autoridades. "Campanhas apenas na véspera do feriado são importantes, mas não vão resolver o problema. É preciso que o trabalho seja mais efetivo", sentencia. 

Para concretizar o sonho de fechar a fundação, ela acredita que é preciso um tripé: educação, punição e engenharia. Segundo Diza, somente por meio da educação será possível mudar o comportamento dos motoristas. "Escuto muitas pessoas dizerem que dirigem com excesso de velocidade porque sabem que não dá nada. Isso tem que mudar. Depois que se aprende não se volta a cometer o mesmo erro." Associado à mudança de comportamento, ela acredita ser fundamental um rigor maior na fiscalização e na punição. "Matar no trânsito é um crime."

Alta velocidade é principal causa

As rodovias federais no Rio Grande do Sul acumulam 60% dos acidentes com morte. Uma das primeiras causas das ocorrências é o excesso de velocidade. O chefe da Comunicação da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Alessandro Castro, explica que esse grande percentual está ligado ao chamado "jeitinho" de motoristas que acham que poderão sair impunes se cometerem algum tipo de delito. "O excesso de velocidade é um fator decisivo no trânsito. Os limites são determinados de maneira que o condutor, ao precisar frear bruscamente ou fazer alguma manobra diferenciada, tenha condições. Se o carro estiver em alta velocidade, isso é praticamente impossível", explica. Outro fator do grande número de acidentes são as ultrapassagens. "Os motoristas não calculam que não será possível passar o veículo da frente, e acabam não conseguindo voltar, provocando as colisões, que representam a principal causa de morte."

Acompanhando as operações de fiscalização, Castro cita que muitos motoristas cometem as imprudências porque têm certeza de que não serão prejudicados. "O princípio básico é que a lei serve para todo mundo, menos para eles", comenta.


Fonte: Mauren Xavier / Correio do Povo

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