Pracinha das crianças fica bem na zona de confronto entre quadrilhasFoto: Luiz Armando Vaz / Agencia RBS
É irônico, mas na
Travessa da Amizade não se veem sorrisos ou apertos de mão fraternais. A praça,
com um campinho de futebol e brinquedos para os pequenos, mesmo em dias de sol,
fica quase deserta. Aquele é o único espaço de lazer em meio às ruas esburacadas
e quase intransitáveis tomadas de mato e esgoto a céu aberto no Rincão da
Madalena, em Gravataí.
Mas lugar de
criançada hoje é dentro de casa para não correrem o risco de levar uma bala
perdida.
- Aqui, quando não dá
nenhum tiro durante o dia, vamos deitar apreensivos, esperando pelo que vem à
noite - comenta uma moradora de 33 anos.
Ao menos desde o
final do ano passado, a região é palco de uma guerra entre aliados das duas
facções mais poderosas do tráfico da Região Metropolitana na atualidade: Bala
na Cara x Os Manos. Conforme a polícia, pelo menos seis já foram mortos no
conflito. Outras duas pessoas - incluindo uma menina de sete anos - ficaram
feridas.
Vida na fronteira da zona de guerra
A dona de casa, com o
marido e os dois filhos pequenos - de dez e oito anos - vive ali há dez anos. A
Travessa da Amizade está exatamente na fronteira invisível do confronto. Ela já
tentou vender a casinha de madeira, mas não tem como responder à frequente
pergunta dos eventuais interessados:
- Eles perguntam por
que comprariam a casa. Para passar o dia de colete à prova de balas?
Moradores pedem pela BM
O Rincão da Madalena,
geograficamente, fica na área central de Gravataí. Porém, a distância
institucional parece bem maior. É considerado um Território da Paz pela Brigada
Militar, mas o posto dedicado ao projeto fica do outro lado do bairro. A
reportagem do DG passou toda a manhã na região e nenhuma viatura passou pela
fronteira dos traficantes.
- Aqui a Brigada só
vem depois que alguém é baleado. Quando veem que quem morreu é bandido, nem dão
bola. E quando acertarem uma criança, como vai ser? - critica um morador de 55
anos.
Tiroteios viraram rotina no Rincão
Conforme a 1ª DP de
Gravataí, os dois bandos contam com armamento pesado. Azar de quem vive no meio
dos conflitos. Há cerca de seis meses, a casa de uma moradora, de 21 anos,
virou alvo.
A parede de madeira
ainda tem os furos de calibre 12. Os tiros vararam a sala onde a família
costumava se reunir para ouvir música nos finais de semana, ao lado de um fogão
a lenha. Uma das balas ficou alojada em um quadro.
- Por sorte, não
estávamos ali no dia - comenta a moradora.
Poderia ser ainda pior. Naquele domingo, além do filho de
seis anos dela, estavam conversando, na área em frente à casa, duas vizinhas
com seus bebês de menos de um ano. Só deu tempo de correr para os fundos.
Depois do episódio,
guardaram silêncio. É a única forma de continuar levando a vida. Na última
semana, por exemplo, um casal de idosos foi expulso de casa com a filha e os
dois netos pelos traficantes aliados aos Manos, na Travessa Presidente Vargas.
Ninguém sabe para onde foram, mas suspeitam que eles haviam denunciado uma boca
de fumo.
Na manhã do sábado, 27/04,
José Ricardo Bueno da Silva, conhecido como Amarelo, supostamente envolvido no
tráfico, foi executado na mesma travessa. No dia seguinte, a praça foi palco de
um novo tiroteio, com um ferido. Tudo rotina, como confirmam os moradores.
O confronto
- Combatentes: Os
Bala na Cara (herdeiros de Bico Fino, um traficante, já morto, que dominava o
Rincão da Madalena. Estariam aliados e municiados pelo Bairro Bom Jesus)
enfrentam Os Manos (remanescentes dos antigos patrões do tráfico no Loteamento
Princesas, aliados com traficantes do Vale do Sinos).
- O alvo: dominar uma
rota clandestina de tráfico, na área de mata fechada que separa as zonas
central e norte de Gravataí.
- As baixas: seis
mortos este ano.
Domínio da rota é o obetivo da guerra
A ponta do Rincão da
Madalena é um dos territórios delicados dessa guerra. A outra é o Bairro
Itatiaia. São os limites do objetivo das duas quadrilhas. O "Vietnã",
como é chamada, é uma área de mata fechada nos arredores do Arroio Demétrio,
próximo ao Rincão, que separa as zonas central e norte de Gravataí.
Moradores relatam que
diversas trilhas foram abertas naquela área pelos traficantes. Serviriam de
cenário para negociações dignas da máfia. A suspeita é de que grupos armados
saiam do Rincão e do Loteamento Princesas para acertar negociações de drogas e
armas longe de qualquer olhar suspeito, em meio à mata fechada.
As informações ainda
são apuradas pela polícia, mas o chefe de investigação da 1ª DP de Gravataí,
Jair Gonçalves, admite que os conflitos vão além da simples disputa por pontos
de tráfico. Trata-se do domínio de uma rota.
A Travessa da Amizade
marcaria o final do território sob domínio dos Bala, que almejam o
"Vietnã", hoje dominado pelos Manos. Por isso, ao anoitecer, os
soldados supostamente ligados aos Bala, que ambicionam a rota, ficariam de
emboscada na esquina que dá vista para a entrada do matagal.
- Eles se posicionam
ali e ficam cuidando qualquer movimento do outro lado. Se passa alguém, atiram.
Não importa se é bandido ou não - comenta um morador de 55 anos.
A vítima inocente
A briga para
controlar o corredor no Bairro Itatiaia deixou, no começo da última semana a
menina Amanda Ritieli da Rosa Duarte, de sete anos, ferida gravemente. Ela foi
baleada na madrugada da última segunda quando criminosos, supostamente ligados
aos Manos, alvejaram a casa de madeira onde a menina dormia com os pais e as
duas irmãs. Até sexta, a menina permanecia em estado grave na UTI Pediátrica do
HPS.
Conforme a polícia,
foram pelo menos 30 disparos de calibres 12 e .380. A suspeita é de que os
traficantes do Loteamento Princesas tentavam eliminar uma suposta boca de fumo
aliada aos Bala na Cara, do Rincão.
No cenário da guerra,
aquele ponto seria estratégico para cortar a rota da droga que passa pelo
"Vietnã".
Princesas é dos manos
O front dos Manos em
Gravataí já foi mais tenso. Atualmente, conforme a polícia, os traficantes que
estariam dando as ordens no Loteamento Princesas seriam todos jovens que
tomaram o lugar dos criminosos veteranos. A turma antiga foi presa, na sua
maioria, em 2011, depois de três anos de terror para as 248 famílias
reassentadas na região.
Desde a transferência
das famílias, que moravam antes às margens do Arroio Barnabé, a prática de
expulsar os moradores das casas populares se tornou comum. O Demhab de Gravataí
fez pelo menos dois recadastramentos na região entre 2009 e 2011, quando foi
desencadeada uma operação policial que resultou em mais de 20 presos.
Agora, comprovando
que seguem o estilo de domínio dos Manos, o bando estaria adotando a mesma
prática contra as famílias da ponta do Rincão da Madalena, à beira do
"Vietnã".
Fonte:
Eduardo Torres | DIÁRIO GAÚCHO
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