segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Moro pede veto de nove artigos da Lei de Abuso à Bolsonaro

Ministro mostrou ressalvas em relação ao projeto em encontro com o presidente no Palácio do Planalto, na manhã desta segunda-feira

Ministro e presidente se reuniram nesta manhã
   Ministro e presidente se reuniram nesta manhã 

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, sugeriu em encontro com o presidente Jair Bolsonaro na manhã desta segunda-feira o veto de nove artigos do projeto de Lei de Abuso, aprovado na Câmara de Deputados na última quarta-feira. Antes mesmo da votação da semana passada, a Pasta emitiu parecer contrário ao texto, analisando 11 artigos do PL 7.596/2017. O ministério se manifestou pela rejeição de alguns itens e sugeriu aos parlamentares novas redações para outros. O documento alerta que diversos pontos do texto "podem, mesmo sem intenção, inviabilizar tanto a atividade jurisdicional do Ministério Público e da polícia, quanto as investigações que lhe precedem".

O texto aprovado pela Casa Legislativa, no entanto, sofreu alterações do relator, deputado Ricardo Barros (PP/PR), que assina a redação final do texto submetido à sanção do presidente Jair Bolsonaro. O parecer levado aos deputados antes da votação foi preparado pela Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares do Ministério da Justiça. A Assessoria acompanha a tramitação legislativa dos projetos de interesse da Pasta.

A manifestação contrária ao PL foi aprovada pela coordenadora-geral de Atos Normativos em Matéria Penal, Fernanda Regina Vilares, e pelo Assessor Especial de Assuntos Legislavos, Vladimir Passos de Freitas O documento foi assinado eletronicamente às 13h39 da quarta, antes de a sessão legislativa ter início, às 18h55.

Rejeição e supressão


O artigo 9º do texto original do PL — decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais — é um dos primeiros que foi analisado no parecer no Ministério. A Assessoria Especial argumenta que o texto eliminaria "a discricionariedade do magistrado na exegese normativa", ou seja, a margem de decisão do juiz na interpretação da norma.

O documento ressalta que o texto não traz "balizas" para o que se pode considerar "desconformidade com as hipóteses legais", o que acentuaria a limitação ao exercício da função jurisdicional, segundo a Pasta. O Ministério se posiciona pela rejeição do artigo 16 do projeto, que trata da necessidade de identificação, por parte da autoridade para o preso, no momento da captura ou durante a detenção.

O parecer indica que a obrigatoriedade de identificação nominal do policial pode colocar em risco a segurança do agente e da sua família, e assinala que o registro do agente sempre estará disponível para a direção da instituição e então, em caso de ato ilícito, seria viabilizado para responsabilizar o agente. Um dos pontos mais debatidos do projeto, o artigo 17, que trata do uso de algemas, também é analisado pelo Ministério, que indica que o texto ignora as nuances dos diferentes casos em que o policial avalia a necessidade do equipamento.

O relatório argumenta que, desta maneira, o dispositivo "coloca em risco a capacidade de levar a cabo o aprisionamento, a integridade física do policial e, a segurança pública". Com relação ao artigo 22, que trata da atuação de autoridades, sem determinação judicial ou demais hipóteses previstas em lei, o Ministério da Justiça pede a supressão apenas do inciso II, que trata da "mobilização de veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva e desproporcional para expor o investigado a situação de vexame".

Segundo a Assessoria Especial, o inciso tem conceitos "indeterminados e subjetivos" e sua manutenção prejudicaria o próprio tipo penal. O parecer pede a supressão do artigo 26 — "induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei". Segundo a Pasta, a criminalização proposta "pode afetar negativamente a atividade investigativa, em razão de a autoridade investigada atuar, muitas vezes, em uma zona cinzenta na distinção entre flagrante preparado e flagrante esperado".

Violação de prerrogativa de advogado


O Ministério indica ainda que o artigo 43 da Lei de Abuso deveria ser excluído. O dispositivo insere um novo artigo na Lei 8.906, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. O texto configura como crime violar alguns direitos e prerrogativas dos advogados previstos em tal norma, sob pena de detenção de três meses a um ano, e multa. Para a Assessoria Especial do Ministério de Justiça, o dispositivo geraria "um fortalecimento extremo do Ministério Público e um enfraquecimento do juiz, que perderia a sua imparcialidade". 

Tipos que já estão no Código Penal


A Assessoria Especial registra que algumas das previsões da Lei do Abuso já existem no Código Penal Brasileiro. Entre elas estaria o artigo 3, que versa sobre o oferecimento de denúncias. O documento indica que o dispositivo "apenas repete o que é norma geral no artigo 29 do Código de Processo Penal". O Ministério ressalta o artigo 30 — "dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrava sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente" — que, segundo a Pasta, já é abarcado pelo crime de denunciação caluniosa.

O artigo 34, que tipifica a conduta de "deixar de corrigir erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento" também é avaliado. O parecer argumenta que o crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal, já abarcaria as hipóteses mais graves de omissão na prática de atos de ofício pelo servidor público. A pasta alega que o artigo cria uma responsabilidade "extremamente ampla" ao agente público que seria "impossível" cumpri-la na prática. O parecer destaca ainda: "o conceito de "erro relevante", extremamente amplo, pode abarcar situações diversas, a depender do referencial".

Novas redações


O parecer do Ministério da Justiça indica novas redações para dois artigos do texto original do Projeto de Lei de Abuso, o 13º artigo e o 20º.

O primeiro tipifica como crime, passível de punição com 1 ano a 4 de detenção, "constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro".

Na avaliação da Assessoria Especial, há forte carga subjetiva na redação do item, como na expressão "redução de sua capacidade de resistência", o que poderia prejudicar o exercício da atividade policial. O parecer indica que o inciso III é impreciso e então sugere que o termo "ilegalmente" seja incluído no texto: "constranger ilegalmente o preso ou o detento […]".

Já o artigo 20º, que dispõe sobre o impedimento, sem justa causa a entrevista pessoal e reservada do preso com advogado, a Pasta caracteriza como "louvável iniciativa", mas diz que é importante restringir o alcance penal para "evitar a investigação de intervenções em casos nos quais o advogado integra a organização criminosa". O documento sugeriu que o artigo seja redigido da seguinte maneira: "Impedir, sem justa causa, autorização legal ou judicial, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado."


Por AE
Correio do Povo

Nenhum comentário:

Postar um comentário