Créditos: Agência Brasil
Pesquisadores e analistas destacaram a relevância e a
influência, nas eleições deste ano, da disseminação de notícias falsas (ou fake
news, no termo em inglês popularizado no Brasil) pelas redes sociais.
Segundo o consultor em direitos digitais que atuou no
Conselho Consultivo do TSE sobre Internet e Eleições, Danilo Doneda, as redes
sociais e a disseminação de notícias falsas tiveram maior relevância do que se
esperava. “Alguns indicativos são o volume de material que pode ser
classificado como desinformação, que foi extremamente relevante”, avalia.
Para o pesquisador Marco Konopacki, do Instituto de
Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), entidade que elaborou
relatórios sobre a desinformação nas eleições, um ponto importante no Brasil
foi a migração do uso das redes sociais de plataformas públicas ou
semi-públicas, como Facebook e Twitter, para serviços de mensagem, em especial
o WhatsApp. Essa movimentação não ocorreu em outros países, como os Estados
Unidos.
WhatsApp
O WhatsApp é usado por mais de 120 milhões de
brasileiros – quase a totalidade dos usuários de internet no país. Segundo o
Relatório de Notícias Digitais do Instituto Reuters, um dos mais notórios do
mundo, o Brasil é um dos países onde o aplicativo é mais popular, atrás apenas
da Malásia.
A três dias do 2º turno das eleições, o Instituto
Datafolha divulgou pesquisa destacando que metade das pessoas entrevistadas
disse acreditar nas mensagens recebidas. Outra metade relatou desconfiança.
Levantamento anterior apontou que 46% dos eleitores disseram se informar pelo
WhatsApp.
Para a pesquisadora do instituto Internetlab Mariana
Valente, o Whatsapp foi o “grande diferencial” dessas eleições e teve um papel
proeminente, especialmente na reta final. No caso da candidatura do presidente
eleito Jair Bolsonaro (PSL), ela destaca que houve uma articulação de redes
multi-plataformas construída desde 2013, envolvendo também redes sociais como
Facebook e YouTube, mas que teve grande atuação dentro do Whatsapp.
A campanha do candidato do PSL, conforme levantamento do
instituto, não gastou nada com impulsionamento de conteúdos em plataformas como
Facebook e Google, recurso permitido pela primeira vez nessas eleições. De
acordo com a pesquisadora, no entanto, é difícil saber o alcance do WhatsApp
dado o caráter privado do aplicativo.
Danilo Doneda destaca que essa natureza da plataforma,
originalmente de comunicação interpessoal, foi subvertida para outros usos
nessas eleições. Campanhas aproveitaram redes orgânicas, formadas
anteriormente, mas utilizaram também permissões do aplicativo, como a
possibilidade de 9.999 grupos por uma mesma conta, listas de transmissão com
até 256 destinos por conta e a funcionalidade de enviar mensagens a quaisquer
números, não apenas aqueles salvos na agenda do telefone.
Segundo o consultor, esse conjunto de recursos abriu
espaço para envios em massa, muito além da comunicação somente entre pessoas e
pequenos círculos. “O Whatsapp parece ferramenta insuspeita de ser um grande
veículo de difusão de informação. Mas ao mesmo tempo tem esse vetor de grandes
grupos que não são compatíveis de uso para mensagem interpessoal”, pontua.
O ITS acompanhou centenas de grupos públicos do WhatsApp
nessas eleições e identificou tanto uma articulação para envios em massa como a
presença de contas automatizadas, os chamados robôs (ou bots, no termo
popularizado em inglês). Segundo Marco Konopacki, um dos autores do estudo,
foram identificados dois elementos.
O primeiro é o fato de perfis inscritos em vários grupos
com função de difusão das notícias. Eles enviaram 25 vezes mais mensagens do
que a média dos demais integrantes do grupo. “Existia distribuição estratégia
desses usuários. Um deles com perfil de envio massivo em cada grupo analisado”,
relata.
Mariana Valente afirma que será preciso muita pesquisa
para compreender o fenômeno das notícias falsas mais profundamente. Pesquisas
como as realizadas por instituto de pesquisa sobre consumo e influência de
conteúdos enganosos devem ser vistas com cuidado. “O entrevistado não quer
dizer que foi influenciado, pois você nunca acha que foi influenciado. Estamos
falando de comportamento eleitoral, que é complexo”, comenta.
Memória
No meio do 2º turno das eleições deste ano, em 17 de
outubro, a agência de checagem de informações Lupa realizou levantamento em
conjunto com os professores Pablo Ortellado (USP) e Fabrício Benvenuto (UFMG)
em que mapeou as imagens mais compartilhadas em um uma amostra de 347 grupos e
descobriu que 8% apenas eram verdadeiras.
No dia 26, às vésperas da votação do 2º turno, pesquisa
do instituto Atlas Político divulgada pelo jornal Valor Econômico apontou que
duas notícias desmentidas por agências de checagem teriam alcançado cerca de
1/3 do eleitorado: a de que o candidato Fernando Haddad (PT) teria criado um
“kit gay” e a de que o jornal Folha de São Paulo teria sido “comprada pelo PT”.
Após o resultado do pleito, a agência de checagem Aos
Fatos divulgou balanço segundo o qual 113 notícias falsas verificadas por ela
chegaram a 3,84 milhões de pessoas no Facebook e no Twitter. Apenas no fim de
semana do 2º turno, 19 conteúdos enganosos desmentidos pelo site tiveram 290
mil compartilhamentos. O projeto do Grupo Globo Fato ou Fake relatou ter
checado mais de 200 boatos ao longo das eleições.
O fenômeno de disseminação de fake news já preocupava
entidades da sociedade civil, autoridades e partidos antes do início da
campanha e foi apontado pela missão internacional que acompanhou a disputa no
Brasil como um fenômeno “sem precedentes”.
O tema entrou no centro da disputa com a denúncia pelo
jornal Folha de S.Paulo de que empresas teriam financiado serviços de disparo
em massa no pleito, o que foi objeto de ações judiciais junto ao Tribunal
Superior Eleitoral e de investigação da Polícia Federal a pedido da
Procuradoria-Geral da República.
*Agência Brasil
Rádio Uirapuru | Passo
Fundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário