domingo, 27 de maio de 2018

Único sobrevivente a incêndio que matou 9 em centro para menores de Goiânia está sedado e respira por aparelhos, diz hospital

IML informou que já liberou todos os corpos. Adolescentes atearam fogo a colchão, dizem bombeiros; Polícia Civil investiga.

Alojamento ficou destruído após incêndio, em Goiânia, Goiás (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
   Alojamento ficou destruído após incêndio, em Goiânia, Goiás (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)

Continua em estado grave o jovem que sobreviveu ao incêndio que matou nove adolescentes do Centro de Internação Provisório para menores do 7º Batalhão da Polícia Militar, no Jardim Europa, em Goiânia. De acordo com o Hospital de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol), o rapaz está sedado e respirando com ajuda de aparelhos.

O último boletim é das 7h01 deste domingo (27). As causas do fogo são apuradas pela Delegacia de Investigação de Homicídios (DIH).

Os corpos das nove vítimas foram liberados para as famílias pelo Instituto Médico Legal (IML) ao longo deste sábado. O incêndio aconteceu no final da manhã de sexta-feira (26) e, segundo informações preliminares, teria sido provocado pelos próprios adolescentes.

Equipes do Corpo de Bombeiros durante combate a incêndio no Centro de Internação Provisório (CIP) do 7º Batalhão da Polícia Militar, em Goiânia, onde nove jovens morreram (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
Equipes do Corpo de Bombeiros durante combate a incêndio no Centro de Internação Provisório (CIP) do 7º Batalhão da Polícia Militar, em Goiânia, onde nove jovens morreram (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)

O Corpo de Bombeiros disse que eles atearam fogo a um colchão que estava entrelaçado às grades do alojamento. Isso, aponta, dificultou o resgate.

Em nota, a Secretaria Cidadã informou que divulgou os nomes dos jovens primeiramente às famílias para protege-las de “constrangimento”, seguindo o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A pasta também rebateu relatórios que apontam que o centro de internação não tem estrutura adequada e estava superlotado.

Instituto Médico Legal de Goiânia (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
   Instituto Médico Legal de Goiânia (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)

“Assim como em outras unidades, o CIP em questão funciona bem. Apesar de trágico, o fato desta sexta-feira foi um caso isolado. Historicamente não há problemas nas unidades. No CIP do 7° Batalhão, os menores assistem aulas com conteúdo didático das escolas da Rede Estadual, realizam trabalhos manuais como artesanato, são estimulados a frequentar a biblioteca da unidade, possuem local para praticar esportes”, disse.

“De acordo com o Gecria [Grupo Executivo de Apoio a Crianças e Adolescentes], os jovens recebem (opcionalmente) visitas de grupos religiosos de vários credos e também de seus familiares, com frequência semanal. Também são assistidos por uma equipe da Secretaria Municipal de Saúde a partir de demandas médicas, odontológicas e farmacêuticas, exatamente como determinam as leis que tratam o assunto. Nestes casos médicos, sempre monitorados pelo governo de Goiás”, completou.

Avô de uma das vítimas, o funcionário público Luiz Lopes resumiu o sentimento: “revolta”.

O funcionário público Luiz Lopes, avô de uma das vítimas de incêndio que matou nove no Centro de Internação Provisório para menores, em Goiânia (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
O funcionário público Luiz Lopes, avô de uma das vítimas de incêndio que matou nove no Centro de Internação Provisório para menores, em Goiânia (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)

Já uma mãe ouvida pela TV Anhanguera, que preferiu não se identificar, questionou as circunstâncias do incêndio.

“Só mãe que sabe o que eu tô sentindo. Eu queria saber onde eles acharam fogo, se lá não podia entar fogo”, declarou.

Mãe que perdeu filho em incêndio que matou nove jovens no Centro de Internação Provisório (CIP), em Goiânia (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
Mãe que perdeu filho em incêndio que matou nove jovens no Centro de Internação Provisório (CIP), em Goiânia (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)

Também sem se identificar, um agente contou que não havia extintor de incêndio e que o alojamento tinha capacidade apenas para seis internos, embora houvessem dez no momento. A Secretaria Cidadã negou que essa fosse a limitação do espaço e que faltassem equipamentos.

"Lá não tem EPI [equipamento de proteção individual] nenhum para combater incêndio. Nunca tivemos treinamento para combater incêndio. Lá não tinha extintores", afirmou o agente.

Mãe de um dos nove adolescentes que morreram no incêndio, uma dona de casa que preferiu não se identificar contou ao G1 que soube da tragédia ao assistir a uma reportagem. Em seguida, ela correu até o 7º Batalhão da Polícia Militar, no Jardim Europa, em busca de informações sobre o filho, de 16 anos.

7º Batalhão da Polícia Militar, em Goiânia (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
   7º Batalhão da Polícia Militar, em Goiânia (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)

Fui correndo para lá na esperança de ele estar bem, mas não falaram o nome dele na lista dos que estavam bem. Não consigo comer, nem pensar, estou destruída, não sei como vou viver sem meu filho”, disse.

A mulher contou que o adolescente era o mais velho dos quatro filhos. Segundo a mãe, ele estava no centro de internação há seis meses, após ser apreendido por roubo, e estava arrependido.

A última vez que a dona de casa viu o filho foi na quarta-feira (24), quando ele disse que estava bem. Conforme a mãe, o adolescente gostava de entregar cartas para a família.

"Ele me entregou uma carta falando que estava tudo bem, que eu não precisava me preocupar, que estava com saudade da gente", disse a mãe.

Desativação do centro


A falta de estrutura da unidade também é defendida pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO). Os promotores pedem a desativação do Centro de Internação Provisória do 7º Batalhão da Polícia Militar em Goiânia desde 2012.

Conforme um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado na época, o órgão cobrava a construção de um novo centro de internação na capital e a desativação da antiga unidade. O órgão informou que, como os termos do documento não foram cumpridos, entrou com uma ação no Poder Judiciário. O MP-GO deu à causa valor de mais de R$ 9 milhões.

Por meio de nota, o governo de Goiás informou que o TAC “está sendo cumprido”. Ainda conforme o texto, “houve atraso em algumas obras e há um esforço constante para dar mais celeridade aos processos e execuções”.

Superlotação


Um documento, de quarta-feira (23), assinado pela diretoria geral do Grupo Executivo de Apoio à Criança e ao Adolescente (Gecria), mostra que a unidade abrigava 80 internos e tinha capacidade para 52. Ainda assim, nota divulgada nesta sexta-feira (25) pelo governo estadual afirma que “não há superlotação na unidade”, que teria capacidade para 80 adolescentes.

Conforme outro documento obtido pela TV Anhanguera, a capacidade máxima de 52 já seria considerada acima do indicado pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que aconselha até 40 internos por centro de internação.

O coordenador do Centro de Apoio à Criança e ao Adolescente do MP-GO, Publius Rocha, destacou que o incêndio que ocorreu nesta sexta-feira foi uma “tragédia anunciada”.

“O MP já tinha chamado a atenção do Poder Executivo e do Poder Judiciário provocando formalmente através de processo. Estamos aguardando um posicionamento não só sobre a inadequação desta unidade, mas de outras unidades pelo estado”, disse o promotor.

Incêndio


Segundo o Corpo de Bombeiros, os adolescentes atearam fogo a um colchão enrolado na grade de um dos alojamentos da Ala A. O Corpo de Bombeiros informou que foi acionado às 11h27 e enviou quatro caminhões para apagar as chamas e resgatar feridos.

O defensor público Tiago Gregório Fernandes esteve no local do incêndio e informou que não havia ventilação nos alojamentos e que o fogo teria sido provocado pelos próprios internos.

“O que a gente ouviu é que os adolescente protestavam contra uma possível transferência e em relação a insalubridade do alojamento”, afirmou.

O presidente do Conselho Estadual de Direito da Criança e do Adolescente, Eduardo Mota, informou que o local não tinha estrutura adequada para receber os 11 adolescentes que estavam abrigados lá.

“Na cela cabem 4 adolescente e tinha 11. Por sorte, um dos adolescentes que estava lá dentro havia deixado a cela, se não seria mais um morto. Não havia extintores disponíveis na hora”, declarou.

Por meio de nota, o governo disse que o alojamento não estava superlotado, que o espaço tem capacidade para 10 internos e havia exatamente este número de adolescentes no local. Ainda segundo o posicionamento, o incêndio foi apagado com ajuda de um hidrante que estava a cinco metros de distância do fogo, no corredor.

Em nota, o Governo de Goiás lamentou as mortes e disse apurar o ocorrido (veja íntegra abaixo).

Nota do governo de Goiás


O Governo de Goiás informa que não houve rebelião no centro de internação que abriga menores infratores no 7º Batalhão da Polícia Militar. Trata-se de ato isolado, feito pelos próprios internos. A motivação do movimento está sendo apurada, uma vez que não houve o menor indício de que poderia haver o incidente. Todas as forças policias estão envolvidas na apuração.

Por vota de 11h30, foi colocado fogo em um colchão no corredor da unidade. Na parte interna da cela, os menores ergueram outro para impedir a entrada da fumaça, mas que acabou pegando fogo e causando as mortes.

O Corpo de Bombeiros atuou de forma imediata no combate ao incêndio, o que evitou danos ainda maiores. O local conta com extintores e todos os equipamentos internos necessários.

Nove internos morreram no incêndio. Um ficou ferido e foi levado ao Hospital de Urgências Otávio Lage de Siqueira (Hugol). Outro menor também está hospitalizado, mas não há nenhuma relação com o incidente. Os demais 69 internos não ficaram feridos

Todas as famílias que procuraram a unidade foram recebidas. Uma equipe composta por assistentes sociais e psicólogos atenderam aos parentes das vítimas. Toda a assistência necessária está sendo dada às famílias dos adolescente

Os corpos foram retirados após os procedimentos legais. A Superintendência de Política Técnico-Científica coletou materiais e elementos que vão subsidiar os laudos técnicos. A Polícia Civil, por meio da Delegacia Estadual de Investigação de Homicídios (DIH) e Delegacia de Apuração de Atos Infracionais (Depais), esteve no local para as providências iniciais. A conclusão dos trabalhos será apresentada oportunamente.

Vale ressaltar que não há superlotação na unidade. No alojamento onde estavam as dez vítimas, a capacidade é de 10 vagas. O Termo de Ajustamento e Conduta (TAC), firmado em 2012, está sendo cumprido. Houve atraso em algumas obras e há um esforço constante para dar mais celeridade aos processos e execuções.

O Governo de Goiás reforça, ainda, que segue com o planejamento de construir novas unidades no Estado, como o Case de Anápolis, que já está em funcionamento. Goiás, cabe ressaltar, é único estado brasileiro a construir unidades socioeducativas, mesmo com o cenário de crise econômica nacional. No total, serão 10 novas unidades.

Somente na capital, os investimentos são de R$ 4.351.753,14 em adequação, ampliação e reforma do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Goiânia e na construção de duas Casas de Semiliberdade, que terão a capacidade acrescida em 140 novas vagas.

Todas as unidades do Socioeducativo dispõem de contrato com empresa de reparos e manutenção de estruturas físicas. As novas unidades permitiram a desativação de duas unidades que funcionavam em pavilhões de batalhões da Polícia Militar.

Mais uma vez, o Governo de Goiás lamenta o ocorrido, externa sua total solidariedade e se coloca à disposição dos familiares dos adolescentes.


Por Raquel Morais, G1 GO

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