Diretor do Inpe diz que Bolsonaro faz ataques
inaceitáveis e que não vai se demitir
Acusado pelo presidente Jair Bolsonaro de estar
agindo "a serviço de alguma ONG", o diretor do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Magnus Osório Galvão, disse em entrevista
ao jornal O Estado de S. Paulo que ficou
escandalizado com as declarações que, para ele, parecem mais "conversa de
botequim". Galvão, que dirige o instituto desde setembro de 2016, se
manifestou na manhã deste sábado sobre os comentários feitos na sexta por
Bolsonaro em café da manhã com a imprensa estrangeira. Na ocasião, o presidente
questionou os dados fornecidos pelo Inpe sobre as taxas de desmatamento da
Amazônia e disse que eles são mentirosos.
"Fiquei realmente aborrecido, porque na
minha opinião ele fez comigo o mesmo jogo que fez com Joaquim Levy (que pediu
demissão do BNDES após também ser criticado em público por Bolsonaro). Ele
tomou uma atitude pusilânime, covarde, de fazer uma declaração em público
talvez esperando que peça demissão, mas eu não vou fazer isso. Eu espero que
ele me chame a Brasília para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de
repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos", continuou o engenheiro,
que iniciou a carreira no Inpe em 1970, fez doutorado em Física de Plasmas
Aplicada pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e é livre-docente em
Física Experimental na USP desde 1983.
Galvão optou por não responder na própria sexta
para primeiro "arrefecer o estado de ânimos", mas hoje deu sua
posição. "A primeira coisa que eu posso dizer é que o sr. Jair Bolsonaro
precisa entender que um presidente da República não pode falar em público,
principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se estivesse em
uma conversa de botequim. Ele fez comentários impróprios e sem nenhum
embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas que
trabalham pela ciência desse País", afirmou. "Ele disse estar
convicto de que os dados do Inpe são mentirosos. Mais do que ofensivo a mim,
isso foi muito ofensivo à instituição", afirmou.
Essa não foi a primeira vez que os dados do Inpe
foram questionados. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já tinha dado
declarações assim no começo do ano. "Eles nunca fizeram uma crítica
objetiva apresentando dados. Eu entendia que o ministro Salles fazia essas
críticas por falta de conhecimento. Há três semanas mandei um ofício para o
Ministério da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, falando que polêmicas
não ajudavam em nada o Brasil, inclusive com relação à repercussão
internacional, e propus abrir um canal de comunicação com o ministro Salles,
com a ministra Tereza Cristina e com o general Augusto Heleno para explicar o
que fazemos, oferecer ferramentas para entenderem melhor os nossos dados e
tentar arrefecer esse clima de disputa que havia", explicou.
As declarações do presidente ocorreram um dia
depois de a imprensa destacar que dados do sistema Deter-B, do Inpe, que faz
alertas em tempo real de focos de desmatamento para orientar a fiscalização,
mostraram que a área perdida de floresta até meados deste mês já é a segunda
maior da série histórica, medida desde 2015. Na quinta, os alertas indicavam um
desmatamento de 981 km neste mês de julho.
Nessa sexta, às 19h, o número já tinha saltado
para 1.209 km e atingiu o valor mais alto de perda em um mês desde 2015. É
também 102% maior do que o observado em julho do ano passado, que viu uma perda
de 596,6 km. Os alertas dispararam nos últimos meses. Em junho, a perda, de
acordo com o Deter, foi de 932,1 km?, contra 488,4 km? em junho do ano passado.
Em maio já tinha sido de 738, 4 km, contra 550 km em maio de 2018.
"O resultado deste mês de julho sim
surpreendeu, mas lembre-se que o desmatamento da Amazônia é sempre mais intenso
na época seca. Agora, naturalmente, o que aconteceu com declarações do
presidente Bolsonaro, ainda na campanha e depois que assumiu, passaram uma
mensagem de que não vai mais ter punição. Aí as pessoas estão reagindo com base
nessa mensagem que ele claramente passou", avaliou Galvão.
De acordo com o diretor, o Inpe
permitiu ao País ser o terceiro país do mundo a receber imagens de satélite
para monitoramento de desmatamento, do Landsat. "Começamos isso em meados
da década de 70. Íamos a reuniões internacionais que só tinham Brasil, Canadá e
Estados Unidos. O Inpe tem credibilidade internacional inatacável. O presidente
Bolsonaro não entende que não somos nós que fornecemos os nossos dados para a
imprensa. Os nossos alertas de desmatamento são fornecidos ao Ibama. Isso
começou ainda na gestão da ministra Marina Silva (2003-2008) por demanda do
próprio Ministério do Meio Ambiente. Os dados são acessados pelo Ibama na nossa
página na internet. Estão abertos para todo mundo, todo mundo pode verificar.
São publicados em revistas científicas internacionais", analisou.
Ainda de acordo com Galvão, chamar os dados de
manipulação é uma ofensa inaceitável. "Mais do que o ataque que ele me
fez, eu me sinto muito chateado pelos colegas do Inpe, que sempre teve
pesquisadores de renome internacional, como o professor Carlos Nobre, que em
2016 ganhou o prêmio internacional Volvo pela defesa da Amazônia. Este ano, em
junho, o doutor Antonio Divino Moura, coordenador do Centro de Previsão do
Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Inpe, ganhou o equivalente ao prêmio
Nobel de meteorologia da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Não teve uma
carta de congratulações nem do presidente nem do ministro de Ciência e
Tecnologia. O presidente não tem noção da respeitabilidade que os dados do Inpe
e que os pesquisadores do Inpe têm. É uma ofensa o que ele fez".
Por AE
Correio do Povo
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