sábado, 20 de julho de 2019

Bolsonaro tomou atitude covarde, diz diretor do Inpe sobre crítica a dados sobre desmatamento

Presidente questionou os dados fornecidos pelo Instituto sobre as taxas de desmatamento da Amazônia e disse que são mentirosos

Diretor do Inpe diz que Bolsonaro faz ataques inaceitáveis e que não vai se demitir
   Diretor do Inpe diz que Bolsonaro faz ataques inaceitáveis e que não vai se demitir

Acusado pelo presidente Jair Bolsonaro de estar agindo "a serviço de alguma ONG", o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Magnus Osório Galvão, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que ficou escandalizado com as declarações que, para ele, parecem mais "conversa de botequim". Galvão, que dirige o instituto desde setembro de 2016, se manifestou na manhã deste sábado sobre os comentários feitos na sexta por Bolsonaro em café da manhã com a imprensa estrangeira. Na ocasião, o presidente questionou os dados fornecidos pelo Inpe sobre as taxas de desmatamento da Amazônia e disse que eles são mentirosos.

"Fiquei realmente aborrecido, porque na minha opinião ele fez comigo o mesmo jogo que fez com Joaquim Levy (que pediu demissão do BNDES após também ser criticado em público por Bolsonaro). Ele tomou uma atitude pusilânime, covarde, de fazer uma declaração em público talvez esperando que peça demissão, mas eu não vou fazer isso. Eu espero que ele me chame a Brasília para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos", continuou o engenheiro, que iniciou a carreira no Inpe em 1970, fez doutorado em Física de Plasmas Aplicada pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e é livre-docente em Física Experimental na USP desde 1983.

Galvão optou por não responder na própria sexta para primeiro "arrefecer o estado de ânimos", mas hoje deu sua posição. "A primeira coisa que eu posso dizer é que o sr. Jair Bolsonaro precisa entender que um presidente da República não pode falar em público, principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se estivesse em uma conversa de botequim. Ele fez comentários impróprios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ciência desse País", afirmou. "Ele disse estar convicto de que os dados do Inpe são mentirosos. Mais do que ofensivo a mim, isso foi muito ofensivo à instituição", afirmou.

Essa não foi a primeira vez que os dados do Inpe foram questionados. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já tinha dado declarações assim no começo do ano. "Eles nunca fizeram uma crítica objetiva apresentando dados. Eu entendia que o ministro Salles fazia essas críticas por falta de conhecimento. Há três semanas mandei um ofício para o Ministério da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, falando que polêmicas não ajudavam em nada o Brasil, inclusive com relação à repercussão internacional, e propus abrir um canal de comunicação com o ministro Salles, com a ministra Tereza Cristina e com o general Augusto Heleno para explicar o que fazemos, oferecer ferramentas para entenderem melhor os nossos dados e tentar arrefecer esse clima de disputa que havia", explicou.

As declarações do presidente ocorreram um dia depois de a imprensa destacar que dados do sistema Deter-B, do Inpe, que faz alertas em tempo real de focos de desmatamento para orientar a fiscalização, mostraram que a área perdida de floresta até meados deste mês já é a segunda maior da série histórica, medida desde 2015. Na quinta, os alertas indicavam um desmatamento de 981 km neste mês de julho.

Nessa sexta, às 19h, o número já tinha saltado para 1.209 km e atingiu o valor mais alto de perda em um mês desde 2015. É também 102% maior do que o observado em julho do ano passado, que viu uma perda de 596,6 km. Os alertas dispararam nos últimos meses. Em junho, a perda, de acordo com o Deter, foi de 932,1 km?, contra 488,4 km? em junho do ano passado. Em maio já tinha sido de 738, 4 km, contra 550 km em maio de 2018.

"O resultado deste mês de julho sim surpreendeu, mas lembre-se que o desmatamento da Amazônia é sempre mais intenso na época seca. Agora, naturalmente, o que aconteceu com declarações do presidente Bolsonaro, ainda na campanha e depois que assumiu, passaram uma mensagem de que não vai mais ter punição. Aí as pessoas estão reagindo com base nessa mensagem que ele claramente passou", avaliou Galvão.

De acordo com o diretor,  o Inpe permitiu ao País ser o terceiro país do mundo a receber imagens de satélite para monitoramento de desmatamento, do Landsat. "Começamos isso em meados da década de 70. Íamos a reuniões internacionais que só tinham Brasil, Canadá e Estados Unidos. O Inpe tem credibilidade internacional inatacável. O presidente Bolsonaro não entende que não somos nós que fornecemos os nossos dados para a imprensa. Os nossos alertas de desmatamento são fornecidos ao Ibama. Isso começou ainda na gestão da ministra Marina Silva (2003-2008) por demanda do próprio Ministério do Meio Ambiente. Os dados são acessados pelo Ibama na nossa página na internet. Estão abertos para todo mundo, todo mundo pode verificar. São publicados em revistas científicas internacionais", analisou.

Ainda de acordo com Galvão, chamar os dados de manipulação é uma ofensa inaceitável. "Mais do que o ataque que ele me fez, eu me sinto muito chateado pelos colegas do Inpe, que sempre teve pesquisadores de renome internacional, como o professor Carlos Nobre, que em 2016 ganhou o prêmio internacional Volvo pela defesa da Amazônia. Este ano, em junho, o doutor Antonio Divino Moura, coordenador do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Inpe, ganhou o equivalente ao prêmio Nobel de meteorologia da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Não teve uma carta de congratulações nem do presidente nem do ministro de Ciência e Tecnologia. O presidente não tem noção da respeitabilidade que os dados do Inpe e que os pesquisadores do Inpe têm. É uma ofensa o que ele fez".


Por AE
Correio do Povo

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