Estado
não acompanha melhorias sociais e concentra municípios com menor renda
Leonencio Nossa/Estadão
Perto de completar meio século sob o domínio do
grupo do senador José Sarney (PMDB-AP), com poucos intervalos de governos
opositores, o Maranhão não teve fôlego para acompanhar os demais Estados na
melhoria dos índices sociais. O Atlas do Desenvolvimento Humano da ONU mostrou
que, das 50 cidades brasileiras com menor renda per capita, 28 são maranhenses.
Nas últimas três
décadas, a expectativa de vida na terra da oligarquia mais antiga em atividade
passou de 54 para 68 anos, mas o crescimento foi menor que no restante do País.
Nesse ranking do IBGE, o Estado caiu de 23.º para o último lugar, ocupando
espaço que antes era de Alagoas, terra da seca e pistolagem.
Um dos exemplos mais
dramáticos da situação do Estado está em Fernando Falcão, a 542 km de São Luís.
A cada oito dias, moradores fazem "vaquinha" para comprar e matar um
boi. Esse "luxo" não é compartilhado por quem vive em situação ainda
pior nos casebres de palha afastados do interior, que não podem contar nem
mesmo com serviços temporários e de baixa remuneração da prefeitura. Para a
maioria dos 9 mil habitantes do município que aparece em segundo lugar no
ranking de pior renda per capita do País, o único alimento possível no prato é
a fava. A vagem que garante proteína é comum na região.
O município só perde
em renda para Melgaço, no Pará, e ocupa ainda a segunda pior colocação no
Índice de Desenvolvimento Humano nacional, atrás de Marajá do Sena, também no
Maranhão.
A lavradora Laiane
Alves Lima, de 22 anos, se queixa da falta de um pediatra no município. Quando
a filha Adriele, de 1 ano, passa mal, ela tem dificuldades de levar a criança
ao hospital de Barra do Corda, a 95 km de estrada de chão - Fernando Falcão não
tem acesso por asfalto. "Aqui, quando adoece, o posto médico não dá
remédio. Não tem uma pomada para micose", relata. Laiane prepara a comida,
geralmente uma mistura de fava, num fogão improvisado em uma lata de tinta.
Ostentação. A política
maranhense está longe de recorrer ao crime de mando como outros Estados do
Norte e do Nordeste, mas a miséria de um lugar de mata de cocais e chuvas
amazônicas, a ostentação de riqueza e poder e as suspeitas de corrupção, temas
dos discursos da primeira campanha de Sarney ao governo estadual, em 1965,
estão por toda a parte. Dados do Portal da Transparência do Estado mostram que
o governo de Roseana Sarney (PMDB), filha do senador, gastou no ano passado R$
17,8 milhões com aluguel de helicópteros. Só para comparar o uso do dinheiro
público a um exemplo recriminado nas ruas, o governo do Rio, comandado por
Sérgio Cabral (PMDB), gastou no mesmo período R$ 9,5 milhões com o uso
dessas aeronaves.
Nos 216 municípios
maranhenses sobram denúncias de convênios irregulares. Ao longo de 2013, o
governo pagou a uma associação comunitária R$ 3,5 milhões para melhorar as
estradas de acesso ao povoado de Trecho, no município de Raposa, Região
Metropolitana de São Luís. O povoado não existe. "Houve um equívoco do sistema,
que foi corrigido", explica o secretário de Desenvolvimento Social e
Agricultura Familiar, Fernando Fialho, responsável pela licitação.
Quem sentiu a sensação
de estar fora do mapa político foi a comunidade de Pirangi, um povoado real do
município de Humberto de Campos. No começo do ano passado, Neide Saboya,
candidata do PMDB e do clã Sarney à prefeitura, apareceu no lugarejo para
recolher assinaturas e prometer a construção de banheiros em 57 casas. Mesmo
com a derrota da aliada no município, o governo estadual repassou R$ 300 mil
para construir fossas, chuveiros e vasos sanitários. Os moradores esperam até
hoje pelo início das obras.
Desde os anos 1970, o
grupo de Sarney se sustenta com anúncios de obras "salvadoras" da
economia. Foi assim com a construção dos trilhos do Complexo de Carajás, a
fábrica de alumínio da Alcoa e a base espacial de Alcântara. "Os projetos
não agregaram valor nem garantiram a diversificação da cadeia produtiva. O
Maranhão é um rico que virou miserável", observa o presidente da Embratur,
Flávio Dino.
Principal nome da
oposição ao grupo de Sarney, ele observa que, na primeira metade do século 20,
o Maranhão contou com os ciclos do algodão e das fábricas de tecido, do arroz,
e do babaçu. "A economia tradicional foi desestruturada. Essa modernização
não deu certo e explica esses indicadores sociais vergonhosos", afirma.
Aliança. Em 2010,
Roseana e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançaram a pedra fundamental
da refinaria Premium da Petrobrás, em Rosário, a 40 km da capital. A previsão
era iniciar a primeira etapa de produção agora em 2013. Roseana foi reeleita, a
candidata de Lula ao Planalto, Dilma Rousseff, teve a maioria dos votos do
Estado e associações de garimpeiros e quilombolas ligados à família Sarney e ao
ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, receberam recursos públicos para
capacitar os "operários" de uma refinaria que ficou no discurso.
Num Estado onde mais
da metade da população vive em pequenos municípios, o grupo de Sarney é acusado
de fazer convênios de obras fantasmas com prefeituras comandadas por aliados ou
associações formadas por correligionários derrotados. O Tribunal de Contas do
Estado, que analisa a distribuição de verbas, tem seis dos sete conselheiros
ligados ao clã. Para empresários locais, o grupo sufocou a economia do Maranhão
a ponto de investidores e industriais optarem por negócios em outros Estados, o
que explicaria avanços sociais obtidos por Piauí e Rio Grande do Norte.
Atraso. As cidades
dependem exclusivamente do Fundo de Participação dos Municípios, do benefício
dos aposentados e do Bolsa Família. O programa de transferência de renda do
governo federal despeja na economia local R$ 173 milhões por mês. O secretário
adjunto de Educação do Maranhão, Tadeu Lima, inclui entre as causas do atraso do
Estado a vinda de migrantes da seca. "De 1960 para cá, a nossa população
passou de 1,5 milhão para 6,5 milhões. Já no Piauí, que melhorou os índices
sociais, o número de habitantes cresceu de 1,2 milhão para 3 milhões",
avalia.
Fonte:
LEONENCIO NOSSA,
ENVIADO ESPECIAL, SÃO LUÍS (MA) | O Estado de S.Paulo
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