Titular do Ministério do Meio Ambiente, Ricardo
Salles já declarou considerar secundária a discussão sobre as mudanças
climáticas
Na área ambiental, as intervenções contra o aquecimento
global estão entre as mais afetadas pelo bloqueio de recursos feito na semana
passada pelo governo federal - que também atingiu outras áreas, como a Educação. Dos R$ 11,8 milhões que seriam usados neste ano na Política
Nacional sobre Mudança do Clima, para atender a compromissos assumidos pelo
Ministério do Meio Ambiente, R$ 11,3 milhões foram contingenciados (96%),
sobrando apenas R$ 500 mil.
Como o jornal O
Estado de S. Paulo adiantou na semana passada, os repasses ao Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama),
inicialmente previstos em R$ 368,3 milhões, foram reduzidos para R$ 279,4
milhões - um corte de 24%, que não havia sido detalhado. Só que a faca também
atingiu as operações do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), além
de programas do próprio MMA.
Os efeitos dos cortes já são sentidos pela agenda
de projetos ligados à área do clima. Um exemplo é o programa ProAdapta, um
acordo de cooperação firmado entre o Ministério do Meio Ambiente e o governo da
Alemanha. Pelo compromisso, o governo alemão injetou 5 milhões de euros na
iniciativa. O Brasil entraria com a contrapartida de 2 milhões de euros. Umas das
ações desse projeto, realizada em Salvador, prevê a recuperação de áreas de
encostas afetadas por chuvas ou aumento do nível do mar. "As ações tiveram
início do lado alemão, mas do lado brasileiro pararam", afirmou ao jornal
uma fonte que lida diretamente com o programa.
Outro projeto que ficou "no limbo" diz
respeito a uma parceria firmada com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A ideia
era fazer um diagnóstico em todos os estados do País, a partir de situação
socioeconômica e de estrutura para enfrentamento de desastres associados a
mudanças climáticas, com o propósito de estabelecer prioridades de ações. A
Fiocruz chegou a fazer esse trabalho em seis estados, mas agora será
paralisado. Segundo a mesma fonte, o contrato estava pronto e só precisava ser assinado.
Resíduos sólidos
Outra área muito afetada foi a Política Nacional
de Resíduos Sólidos, que trata de reciclagem de lixo, por exemplo. Dos R$ 7,7
milhões previstos no orçamento original, restou R$ 1,3 milhão, uma redução de
83%. No Ibama, a área de licenciamento ambiental, um dos setores mais
demandados dentro do órgão, por causa dos empreendimentos de infraestrutura,
sofreu uma queda de 43% em seus recursos.
Nem as ações de combate a incêndios florestais,
que nos últimos anos têm afetado diversas regiões, foram poupadas. No ICMBio,
20% dos recursos voltados para prevenção e combate a incêndios acabaram
cortados. Os órgãos, sob o comando do ministro Ricardo Salles, ainda não sabem
como farão para se resolver sem os recursos.
A Política Nacional sobre Mudança do Clima
(PNMC), por exemplo, foi instituída em 2009 por meio de uma lei (12.187), com o
objetivo de garantir que o desenvolvimento econômico e social do País
contribua, paralelamente, com a proteção climática. Trata-se de um compromisso
assumido pelo Brasil com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima. Esse acordo prevê, por exemplo, a redução de emissões de gases de efeito
estufa entre 36% e 39% até 2020.
O tema do aquecimento global, no entanto, tem
sido encarado como uma discussão política pelo governo Bolsonaro. Em janeiro, o
ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que as mudanças
climáticas são uma "trama marxista". O próprio ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles, chegou a classificar a discussão sobre aquecimento global
como algo "secundário".
Repercussão
O professor Carlos Nobre, pesquisador do
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), criticou o
corte na área, que chama de "enorme retrocesso". "A pauta não é
mais de interesse, como era desde 1992, com todos os governos que tivemos, com
vários partidos políticos. Havia uma continuidade cada vez maior da
participação do Brasil em discussões de políticas globais", diz ele.
Segundo o professor, o Ministério da Ciência e
Tecnologia continua com ações envolvendo o tema, assim como o da Agricultura.
"Mas o Ministério do Meio Ambiente é o que pode ter um olhar para todos os
setores, de forma transversal."
A reportagem tentou repercutir o assunto com o
ministério, com o Ibama, com o ICMBio e com o próprio ministro Ricardo Salles
desde a última quinta-feira. Não houve nenhuma resposta. Ibama e ICMBio só têm
se manifestado após o aval do ministério.
Por AE
Correio do Povo
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