"Passou tão ligeiro", comentou a
aniversariante sobre os seus 100 anos de vida
Sentada em uma poltrona na sala de estar do
apartamento onde reside há 35 anos, na zona norte de Porto Alegre, Amery Obino
Cunha interrompeu educadamente a falação que tomava conta do recinto. A audição
é um pouco comprometida, mas suficiente para perceber que as quatro filhas
tentavam contar sua história. E, no dia do seu aniversário, quem queria falar
era ela. Havia muito para dizer. Afinal, foram 100 anos completados nesta
terça-feira.
“Passou tão ligeiro”, disse Amery ao ser
questionada como era comemorar um século de vida. O comentário arrancou risadas
da família e dela mesma, que, em seguida, porém, mostrou total lucidez ao
lembrar de cada detalhe da vida. Nascida em Porto Alegre, a aniversariante
contou que perdeu os pais ainda criança. Tinha 7 anos quando o pai morreu e
ficou sem a mãe dois anos depois. Terminou de se criar em um orfanato de
freiras, onde viria a conhecer o marido. Teve seis filhos com ele: Miriam
Beatriz, Paulo Roberto, Marcos Vinícius, Márcia Regina, Martha Helena e Maria
José, que ainda teria uma irmã gêmea que não sobreviveu ao parto.
Cem anos são mais do que o suficiente para passar
por perdas. Durante os seus, Amery teve de sobreviver à morte do marido e dos
dois filhos homens. Mas um século também é suficiente para muitas alegrias. No
seu, ela pôde comemorar a boa criação das filhas e o nascimento de 14 netos e 7
bisnetos, que estarão reunidos em sua homenagem no próximo sábado, quando
acontece a festa de aniversário. Aliás, a celebração ficou marcada para o dia
oficial: apesar de ter nascido no dia 28 de maio, Amery lembrou que seu pai só
a registrou em 1º de junho.
Em qualquer dia, a centenária porto-alegrense
mantém religiosamente uma rotina que se formou ao longo das décadas. Ela acorda
pela manhã, abre o Correio do Povo e lê “do princípio ao fim”. O restante do
tempo dedica ao crochê, que até hoje vira presentes para as filhas, netas e
bisnetas. Na televisão, acompanha o seu Grêmio, mas aceita assistir aos jogos
do Inter com o genro, marido da filha mais nova, com quem ela mora. Em
troca, ele promete: ainda vai levá-la para a uma partida na Arena.
Até bem pouco tempo, no entanto, Amery tinha
rotina mais agitada. Ia às compras sozinha e viajava o Brasil com as amigas.
Quando tinha 93 anos, foi obrigada a diminuir o ritmo por causa de uma fratura
no fêmur. Um dos médicos ouvidos pela família disse que não seria possível
operá-la em função da idade. O outro aconselhou a cirurgia, mas lhe
deu mais dois anos, no máximo. Para piorar, o incidente
coincidiu com a época em que Amery perdeu um dos filhos e, depois de se operar,
ela precisou passar por seis meses de tratamento em função de uma embolia
pulmonar.
A situação foi complicada, mas os dois
anos se passaram. Depois mais dois, outros dois e, agora, mais um. Mais do que
o triplo do tempo de vida dado pelo médico se
foi e Amery está aí, firme, forte, lúcida e centenária. Toma
apenas três remédios por dia, um para pressão e outros dois voltados para
uma doença óssea que tem há anos. “Eu vou até onde Deus quiser.”
A fé, aliás, é um dos motivos que a Maria José,
61 anos, coloca como o sucesso da longevidade da mãe. Vai à missa semanalmente
e abençoa todos que passam por sua casa. A genética boa e o fato de não ter resistência
em aceitar que precisa do cuidado dos outros são outros pontos que a filha mais
nova considera importantes. Miriam Beatriz, 74, completa que a mãe é uma
pessoa que não se queixa e Márcia Regina, 66, aposta na alegria
e na espontaneidade. Mas Martha Helena, 63, chama atenção para outra
característica da aniversariante: a vaidade.
Cremes, batom, brincos e anéis são adereços
indispensáveis de Amery. Já o branco do cabelo ela acabou aceitando,
mas só depois dos 99 anos, devido a uma alergia da tintura. Quando vai
esticar as pernas e passear na rua com uma das filhas, pede para esconder a
bengala. “A gente não pode parar, não é?”, indagou a
aniversariante, sempre sorrindo.
Por Henrique
Massaro
Correio do Povo
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