quarta-feira, 29 de maio de 2019

Um século e muita lucidez: leitora do Correio do Povo completa 100 anos

Amery Obino Cunha comemorou o aniversário nesta terça-feira e lê o jornal todos os dias do início ao fim

   "Passou tão ligeiro", comentou a aniversariante sobre os seus 100 anos de vida 

Sentada em uma poltrona na sala de estar do apartamento onde reside há 35 anos, na zona norte de Porto Alegre, Amery Obino Cunha interrompeu educadamente a falação que tomava conta do recinto. A audição é um pouco comprometida, mas suficiente para perceber que as quatro filhas tentavam contar sua história. E, no dia do seu aniversário, quem queria falar era ela. Havia muito para dizer. Afinal, foram 100 anos completados nesta terça-feira.

“Passou tão ligeiro”, disse Amery ao ser questionada como era comemorar um século de vida. O comentário arrancou risadas da família e dela mesma, que, em seguida, porém, mostrou total lucidez ao lembrar de cada detalhe da vida. Nascida em Porto Alegre, a aniversariante contou que perdeu os pais ainda criança. Tinha 7 anos quando o pai morreu e ficou sem a mãe dois anos depois. Terminou de se criar em um orfanato de freiras, onde viria a conhecer o marido. Teve seis filhos com ele: Miriam Beatriz, Paulo Roberto, Marcos Vinícius, Márcia Regina, Martha Helena e Maria José, que ainda teria uma irmã gêmea que não sobreviveu ao parto.

Cem anos são mais do que o suficiente para passar por perdas. Durante os seus, Amery teve de sobreviver à morte do marido e dos dois filhos homens. Mas um século também é suficiente para muitas alegrias. No seu, ela pôde comemorar a boa criação das filhas e o nascimento de 14 netos e 7 bisnetos, que estarão reunidos em sua homenagem no próximo sábado, quando acontece a festa de aniversário. Aliás, a celebração ficou marcada para o dia oficial: apesar de ter nascido no dia 28 de maio, Amery lembrou que seu pai só a registrou em 1º de junho.

Em qualquer dia, a centenária porto-alegrense mantém religiosamente uma rotina que se formou ao longo das décadas. Ela acorda pela manhã, abre o Correio do Povo e lê “do princípio ao fim”. O restante do tempo dedica ao crochê, que até hoje vira presentes para as filhas, netas e bisnetas. Na televisão, acompanha o seu Grêmio, mas aceita assistir aos jogos do Inter com o genro, marido da filha mais nova, com quem ela mora. Em troca, ele promete: ainda vai levá-la para a uma partida na Arena.

Até bem pouco tempo, no entanto, Amery tinha rotina mais agitada. Ia às compras sozinha e viajava o Brasil com as amigas. Quando tinha 93 anos, foi obrigada a diminuir o ritmo por causa de uma fratura no fêmur. Um dos médicos ouvidos pela família disse que não seria possível operá-la em função da idade. O outro aconselhou a cirurgia, mas lhe deu mais dois anos, no máximo. Para piorar, o incidente coincidiu com a época em que Amery perdeu um dos filhos e, depois de se operar, ela precisou passar por seis meses de tratamento em função de uma embolia pulmonar.

A situação foi complicada, mas os dois anos se passaram. Depois mais dois, outros dois e, agora, mais um. Mais do que o triplo do tempo de vida dado pelo médico se foi e Amery está aí, firme, forte, lúcida e centenária. Toma apenas três remédios por dia, um para pressão e outros dois voltados para uma doença óssea que tem há anos. “Eu vou até onde Deus quiser.”

A fé, aliás, é um dos motivos que a Maria José, 61 anos, coloca como o sucesso da longevidade da mãe. Vai à missa semanalmente e abençoa todos que passam por sua casa. A genética boa e o fato de não ter resistência em aceitar que precisa do cuidado dos outros são outros pontos que a filha mais nova considera importantes. Miriam Beatriz, 74, completa que a mãe é uma pessoa que não se queixa e Márcia Regina, 66, aposta na alegria e na espontaneidade. Mas Martha Helena, 63, chama atenção para outra característica da aniversariante: a vaidade.

Cremes, batom, brincos e anéis são adereços indispensáveis de Amery. Já o branco do cabelo ela acabou aceitando, mas só depois dos 99 anos, devido a uma alergia da tintura. Quando vai esticar as pernas e passear na rua com uma das filhas, pede para esconder a bengala. “A gente não pode parar, não é?”, indagou a aniversariante, sempre sorrindo.


Por Henrique Massaro
Correio do Povo

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