domingo, 29 de outubro de 2017

A esperança que vem do lixo



Por Raiana Silva

No final do mês de setembro a Rádio Província realizou uma extraordinária campanha em prol de Luiz Cezar Chigenoski, 32 anos, esposo de Joana Silva dos Santos, 22 anos, e pai de 2 filhos, que acidente doméstico, veio a perder parcialmente o movimento da mão direita. Com atos solidários a comunidade regional apoiou-o com doações em dinheiro e material para a confecção de um carrinho de coleta de materiais recicláveis. Uma brilhante ideia, que com solidariedade, sustenta os quatro integrantes da família a mais de um mês.

Luiz, natural de Nova Petrópolis, desde os 7 anos viveu sozinho pelas cidades gaúchas após ser abandonado pela família. Esteve em diversos municípios da região metropolitana, onde trabalhou como segurança, pedreiro, engraxate, entre outras funções.

- Com 10 anos comecei a engraxar sapato, vender picolé, e desde muito cedo trabalhei em obras da construção civil. - Entre amores e lugares, o jovem encontrou a atual esposa, Joana, com quem vive a 7 anos. Buscando condições melhores de vida, o casal, com a filha, vieram para Tenente Portela. A vida de pedreiro e dona de casa virou do avesso quando com uma brincadeira com Joaquim, de 2 anos, e Maria Helena, de 5 anos, ele acabou caindo contra um vidral e cortou o braço, o quê lhe impossibilitou de exercer a profissão.

- Estava brincando com os meus filhos, quando me desequilibrei e bati no vidro. Arrebentei, neste momento, os cinco tendões da mão direita. Depois do diagnóstico e falta de oportunidade financeira de agora fazer uma cirurgia, resolvi tentar alguma coisa diferente. Tu não consegues trabalho com uma mão. E o que eu faço de melhor é ser pedreiro ou ser metalúrgico. Aí pensei em fazer diferente.

Incapaz de exercer sua profissão, o morador do Bairro Isabel, se inspirou em uma cunhada, que trabalha no ramo da reciclagem em Sapiranga, começou os primeiros passos nas redondezas de casa catando, com bolsas de estopa, alguns materiais recicláveis, mas era necessário para obter mais fundos, um carrinho.

Iniciou na manhã do dia 28 de setembro uma campanha voluntária de casa e casa e no comércio de Tenente Portela, em busca de pequenas montantes financeiros, objetivando conseguir R$ 350,00 para a fabricação de um novo instrumento de trabalho, o carrinho de ferro, alternativa de menos impacto a mão e que traria um retorno financeiro a família.

O ex-pedreiro solicitou um espaço no programa “Estrada da Vida”, na Rádio Província FM para agradecer aos comerciantes, moradores, doadores portelenses que disponibilizaram, notas de 2, 5, 50, 100 e outros valores, angariando assim até aquele o momento, 190 reais. O agradecimento foi a porta de entrada para o futuro sucesso. No mesmo momento do agradecimento, o jornalista Jalmo Fornari, comovido com a situação, iniciou uma campanha à nível regional para a arrecadação semelhante ao feito anterior, e em menos de 30 minutos, o valor adquirido por meio das ligações já ultrapassava 350, sendo este o valor necessário para a confecção do carrinho.

- A Rádio Província não trouxe apenas o carrinho, mas também divulgação junto. Tem gente que acha que a divulgação não ajuda. A divulgação até pro lixo ajuda. O pessoal guarda os materiais, por saber do meu caso graças a rádio Província.

Desde o início de outubro, após duas semanas para a confecção do carrinho, de lixeira em lixeira, Luiz sustenta a família de quatro membros pagando luz, água, aluguel, alimentos através daquilo que muitos repudiam, o lixo. Ajudas da comunidade ainda estão sendo feitas como doação de alimentos, roupas, calçados, brinquedos.

- Ganhamos tantas roupas esses dias, que metade distribuímos na Assistência Social, com os vizinhos. Ganhamos brinquedos para os filhos. Nesse fator não temos do que nos queixar na comunidade.

Trabalhando individualmente, o reciclador levanta pouco antes das 7 horas e inicia a lida diária. A esposa tem a função de separar as quantidades certas para serem entregues aos compradores. Luiz e a esposa relatam que uma quinzena de trabalho, rendeu neste período, o suficiente para pagar aluguel e luz. Semanalmente, em média, a família recebe pelas coletas nas ruas aproximadamente 225,00. Em Tenente Portela, segundo Luiz, há aproximadamente 25 catadores, que comercializam sucata com compradores de toda a região. Por quilo, o alumínio é o material mais cobiçado, porém, o mais em abundância nos bairros e centro é o papelão. Além de serem catados e vendidos produtos como garrafa pet, ferro, entre outros.

- Tenente Portela tem bastante lixo, para o número de habitantes. Eu trabalhei como gari em Bairros de Sapiranga. Sapiranga, enquanto nós moramos lá, havia três catadores, eles tinham que se dividir para não passar fome. E Portela, sustenta mais de 25 catadores, só com o lixo. (...)
Em um dia eu já coletei mais de 300 kg de papelão.

Na concepção do catador, a cidade tem boa trafegabilidade, e parte dos moradores são acolhedores a profissão. Porém, ressalta que a comunidade precisa se inteirar mais sobre a separação correta dos materiais recicláveis.

- Para nós quando começamos foi difícil de entender quais materiais serviam para a venda. Os compradores que explicam, dão dicas, e aos poucos vamos vendo que a reciclagem não se restringe ao papelão, alumínio. vidros de cremes, de vitaminas, shampoo, vinagre, entre outros valem também no comércio, mas muitas pessoas ainda não tem, por falta de conhecimento  as vezes, o hábito de separar o lixo. -Ressalta Luiz, com a concordância da esposa.

Sobre esse assunto da reciclagem em Tenente Portela, fomos conversar com o secretário de serviços urbanos, José Velci Monteiro, onde foi afirmado que estão sendo feitos projetos e levantamentos nas comunidades do município, buscando trabalhar, futuramente, por meio da educação e ações diferenciadas melhorias na conscientização da importância da separação dos resíduos sólidos para o município.

Na primeira semana de novembro, o catador passará por uma reavaliação médica para o estado atual da mão. Quando questionado se irá permanecer nas ruas em buscas de materiais para garantir um amanhã melhor, o ex-pedreiro afirma:

- O que me faz levantar da cama é a família, além da certeza que amanhã vai melhorar. A esperança que amanha eu vou conseguir uma estabilidade dentro disso, porque mesmo depois da cirurgia eu vou insistir neste trabalho, pois, eu acho que isso (a reciclagem) vai crescer no futuro daqui pra frente. Minha família depende de mim.

Entre os sonhos de se formar como enfermeira, e ser um grande empreendedor no mundo da reciclagem, o casal compartilha do mesmo sentimento quando o assunto é o futuro.

- Sonho em lutar todo dia para dar um teto aos meus filhos, para eles poderem dizer que é deles, por mais simples que seja, pode ser de pau a pique, mas que eu possa dizer que esse canto é de vocês, proporcionar um canto pra eles.


Fonte: Sistema Província

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