O procurador que acusava Cristina Kirchner de acobertar
iranianos acusados por atentado contra comunidade judaica é encontrado morto na
capital argentina
Alberto Nisman em evento em 2013: o procurador
temia ser assassinado (Marcelo Capece / AFP)
A
possibilidade de que a população argentina descubra a verdade a respeito do
atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), ocorrido
em 1994 e até hoje o mais grave da história da Argentina, ficou menor nesta
segunda-feira 19. Horas antes de comparecer ao Congresso para detalhar as
acusações de acobertamento dos culpados contra a presidente Cristina Kirchner e
outros políticos importantes, o procurador Alberto Nisman foi encontrado morto
em seu apartamento, no bairro de Puerto Madero, área nobre de Buenos Aires.
Há poucos
detalhes sobre a morte até aqui. A promotora Viviana Fein, responsável pela
investigação da morte de Nisman, confirmou seu falecimento por uma arma de
fogo, calibre 22, encontrada junto ao seu corpo. Nisman tinha uma equipe de
segurança formada por dez policiais, que não estava com ele no momento do
crime. Segundo o jornal Clarín,
Nisman pedira aos guarda-costas que fossem buscá-lo no domingo. Quando chegaram
e não conseguiram entrar em contato com o procurador, os seguranças chamaram
sua mãe, que entrou no apartamento e encontrou o corpo do filho.
Também no Clarín, a jornalista Natasha
Niebieskikwiat, dedicada ao caso investigado por Nisman, escreveu que ele não
respondeu suas mensagens enviadas pelo telefone celular no domingo. Niebieskikwiat afirmou, entretanto,
que as mensagens apareciam como tendo sido recebidas pelo procurador. Por duas
vezes, afirma a jornalista, Nisman manifestou preocupação com sua segurança.
"Eu posso sair morto disto", afirmou o procurador à jornalista em
duas oportunidades.
Fein, a
promotora que investiga o caso, afirmou que não houve participação de terceiros
na morte do promotor público argentino Alberto Nisman. Ela afirmou, entretanto,
que vai considerar a hipótese de que houve algum tipo de indução ou incitação
ao suicídio por meio de ameaças. "Não descarto um suicídio
provocado", disse à rádio Américade
Buenos Aires.
Segundo
ela, a arma encontrada ao lado do corpo não era de Nisman, e o projétil que
provocou a morte corresponde a esse tipo de arma. "Pode ser que ele a
tenha emprestado de um amigo", comentou a promotora. Ela confirmou que
Nisman morreu em consequência de apenas um disparo, ao lado da orelha direita,
e que não foram encontrados sinais de golpes ou lesões no corpo.
Um exame
feito para buscar rastros de pólvora nas mãos do promotor deu resultado
negativo, afirmou Fein nesta terça-feira 20. Segundo a promotora, esse não é um
resultado inesperado porque a arma tem calibre pequeno, o que não permite que o
resultado do exame seja positivo. Assim, afirmou Fein, não é possível descartar
o suicídio diante da ausência de pólvora nas mãos de Nisman, uma vez que a
necrópsia confirmou o suicídio "de maneira categórica".
O caso
investigado por Nisman mexe com as estruturas políticas da Argentina. Na
quarta-feira 14, o procurador denunciou Cristina Kirchner e seu ministro do
Exterior, Héctor Timerman, por
participarem de um suposto plano para acobertar o Irã de suas responsabilidades
no atentado contra a Amia. O governo iraniano e o grupo libanês xiita Hezbollah
foram apontados como responsáveis pelo ataque, que deixou 85 mortos em 18 de
julho de 1994. Cinco
ex-funcionários iranianos, entre eles um ex-presidente, atuais ministros e
lideranças religiosas locais têm uma ordem de captura internacional da Interpol
contra eles, a pedido da Justiça argentina.
Nisman
denunciou a presidente e outros funcionários de alto escalão do governo por
considerar que, em 2011, começou-se a "negociar um plano de impunidade e
para acobertar os foragidos iranianos acusados da explosão da mutual
judaica". De acordo com a denúncia de Nisman enviada à corte federal
do magistrado Ariel Lijo, o governo da presidente Kirchner bolou um
"sofisticado plano criminoso" destinado a favorecer o Irã e a
desvincular definitivamente os suspeitos que são procurados pela Justiça
argentina.
O
procurador classificou de "manobra" a estratégia do governo, que
levou à assinatura de um Memorando de Entendimento com Teerã, em 2013, com a
participação do chanceler Héctor Timerman, do deputado nacional Andrés Larroque
e do líder comunal Luis D'Elía. Nisman
sustenta que há provas de que a posição oficial do governo foi motivada
"pelo petróleo iraniano", porque "se buscava restabelecer
relações comerciais de Estado a Estado, sem prejuízo das trocas que já existiam
em nível privado".
A
assinatura do memorando de entendimento com o Irã, denunciado como
"inconstitucional" pela Amia e por outras organizações judaicas,
tensionou as relações entre o governo kirchnerista e a comunidade de cerca de
300 mil judeus da Argentina, a maior da América Latina. Na semana passada,
integrantes da comunidade judaica argentina receberam a denúncia de Nisman com
cautela, enquanto o governo Kirchner classificou a acusação de
"ridícula". A Delegação
de Associações Israelitas Argentinas (Daia), que reúne 140 instituições
judaicas do país, manifestou sua "comoção e surpresa" com a denúncia. "Recebemos essa notícia com
profunda preocupação. Para a Daia, a causa Amia é uma questão de Estado",
disse seu presidente Julio Schlosser. O
secretário-geral da Presidência, Aníbal Fernández, lembrou que a política
externa da Argentina não é feita apenas pela Casa Rosada. "A presidente tem o poder de
firmar tratados, e o Congresso deve aprová-los. É sem sentido o que está
acontecendo (...) Por que não chamou para indagação todos os senadores e
deputados que votaram?".
Depois da
repercussão da denúncia, o procurador Nisman foi chamado a comparecer nesta
segunda-feira à Comissão de Legislação Penal da Câmara de Deputados para
detalhar sua investigação. Seu depoimento era aguardado como um momento
emblemático em uma investigação que dura 20 anos, é recheada de denúncias de
acobertamentos e incompetência e que jamais levou algum dos culpados à Justiça.
Fonte:
Carta Capital
publicado 19/01/2015 16:20, última modificação 20/01/2015 12:20
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