Cidade convive com penitenciária e com a insegurança
Foto: Daniel Conzi / Agencia RBS
Não é exagero dizer que há duas São Pedro
de Alcântara: a do encanto de seus moradores nativos, de paz, na pacata
cidadezinha de colonização alemã, dominó, flores, fé, trabalho e amizade, e a
das manchetes policiais, tensão, crimes, denúncias e agonia de familiares em
torno da penitenciária.
O carro de som passa na frente da casa de
Guido Stahelin, 76 anos, e, pelo alto-falante, o locutor anuncia lojas locais,
avisos e, ao final, deseja feliz Natal. As faixas na região convidam para
bailões e jantares dançantes aos fins de semana.
No meio da tarde, Guido está sentado num
banco de madeira com um pincel na mão. Ao lado, uma lata de tinta branca. A
cada retoque na grade, um aceno para quem passa.
— Aqui, se for cumprimentar todo mundo que
a gente conhece, fica o dia inteiro de mão para cima — brinca o aposentado em
frente de casa.
Motorista aposentado com 55 anos de
experiência na estrada pelo Estado e Brasil afora, Guido faz parte de família
tradicional de São Pedro de Alcântara. Hoje, aproveita na cidade o tempo que
ficou fora trabalhando.
Por ele, ainda dormiria de janela aberta,
na tranquilidade que o município esbanja, mas tem a atenção chamada pela
mulher. Diariamente, vai de bicicleta ou a pé ao Centro, a dois quilômetros.
Sem filas nem
engarrafamentos
O caminho é praticamente um passeio. Não
há filas nem engarrafamentos. Som de buzina só se ouve quando passa um
conhecido.
Ao redor da Praça Leopoldo Francisco
Kretzer fica o comércio. Numa das esquinas, dentro do tradicional Bar do Zezo,
amigos jogam dominó e sinuca, tomam cerveja e dão risada. Ali, podem se
deliciar com pastel, almôndega e galinha frita.
— Estou no balcão desde sete anos, quando
ajudava meu pai. Trabalhei muito, deu para viver bem — diz o dono, Rogério
Deschamps, 57 anos.
Na rua ao lado, duas senhoras esperam o
ônibus que leva aos distritos de Santa Filomena e Rio Forquilha. Levam sacolas
com mantimentos e remédios. São agricultoras que, uma vez por semana, vão ao
Centro fazer as compras básicas. Alegres, contam que passam horas conversando à
espera do transporte.
— Aqui é assim mesmo, tem só dois ônibus
por dia. O jeito é esperar — afirma uma delas, desconfiada com a presença da
reportagem na cidade.
Nas ruas de paralelepípedos do Centro, o
silêncio é tanto que é possível ouvir os pássaros. Vez ou outra, passa algum
ônibus. Um espírito de sossego e liberdade. Como disse o Zé Virgilio, lendário
morador da cidade cujo testemunho foi emoldurado para sempre em uma placa na
praça:
"Quando morrer, quero ser sepultado
no primeiro terreno no canto direito do cemitério. Dali posso ver as figueiras
e os amigos do bar tomando uma cachacinha."
Num curto passeio, a natureza chama a
atenção. Até o Centro, é possível avistar riachos, relevos com Mata Atlântica,
casas com placas das famílias, flores, comércio de pães caseiros e a
conservação da tradição alemã.
Os postes têm as cores da Alemanha. No
Centro, um pub alemão vende cervejas típicas. Nas comunidades rurais, há
alambique, cascatas, igrejas, produtos coloniais, casarões antigos, trilha dos
tropeiros. Na São Pedro de sempre, o interior que todos desejam conhecer e
visitar está acima de ameaças ou maldades humanas.
Aqui a paz acabou
As viaturas passam frequentemente. Na
estrada de terra, há pouquíssimas casas. O caminho leva à maior prisão do
Estado, a Penitenciária de São Pedro de Alcântara, onde há cerca de 1,3 mil
homens trancafiados entre as muralhas. São assassinos, estupradores,
assaltantes e sequestradores.
Nas últimas semanas, a prisão foi o
epicentro de uma violência nunca vista antes em Santa Catarina: a onda de
atentados a ônibus, unidades policiais e agentes de segurança.
Detentos estariam por trás das ações nas
ruas. Bandidos da facção criminosa Primeiro Grupo Catarinense (PGC) teriam
ordenado os ataques em vingança a suposta tortura que teriam sofrido na cadeia
por agentes penitenciários.
Aflitos por notícias, familiares fizeram
vigília na cidade. No auge da mobilização, terça-feira, mais de 30 mulheres
reuniram-se num quiosque com o ouvidor nacional de Direitos Humanos, Bruno
Renato Teixeira, que vistoriou a cadeia.
A vinculação dos crimes registrados com os
presos em São Pedro, admitida por autoridades policiais, inquietou os
moradores. Principalmente os do Distrito de Santa Tereza, na região que leva ao
complexo.
O clima de apreensão era visto em bares,
mercearias e restaurantes. Todos queriam notícias sobre os presos e os
atentados, mostrando outra São Pedro: a que nunca quis a instalação da
penitenciária na cidade, que sofre com o estigma da cadeia e teme o pior da
barbárie humana tão perto.
A preocupação faz sentido. Nos últimos
anos, as autoridades não conseguiram explicar as circunstâncias de pelo menos
11 assassinatos de presos dentro da cadeia. A suspeita é de que foram cometidos
a mando da facção PGC, por vingança, desentendimentos ou mesmo recados à
administração da unidade.
Para agravar a situação, há falta de
efetivo para a segurança do cárcere. Na semana passada, os presos eram vigiados
por apenas oito agentes. Alguns estão ameaçados de morte.
— Se eles se rebelassem e rendessem um
agente, seria uma tragédia. É uma panela de pressão trabalhar lá, só tem
bandido sem piedade — desabafa um servidor.
Contraste no índice de
criminalidade
Na cidade, ao contrário, os dados da
criminalidade são tão baixos que nem aparecem nas estatísticas diárias da
Secretaria de Segurança Pública. Se não há crime, não há números. Nem delegado
de polícia há. O efetivo é de quatro policiais civis e 10 militares.
Os boletins de ocorrência mais comuns
envolvem desentendimentos entre vizinhos. Um dos mais frequentes é quando
animais, principalmente vacas, invadem terrenos vizinhos e danificam a
plantação.
Entrevista — Jucelio
Kremer — Prefeito eleito de São Pedro de Alcântara
"O pior é a insegurança que ela gera"
"O pior é a insegurança que ela gera"
Eleito com 1.889 votos,
o empresário Jucelio Kremer, o Palica, 45 anos, diz que os moradores estão
apreensivos e reclama da falta de investimentos prometidos antes da construção.
Por telefone, ele conversou com o Diário Catarinense na tarde de sexta-feira.
Diário Catarinense — Há
duas São Pedro: a da prisão e a pacata. O que isso significa para o município?
Palica — O que está acontecendo agora a gente já falava desde a
implantação, que já era a nossa preocupação. O problema é o entorno da
penitenciária. Agora se viu muita manifestação e movimentação de pessoas
estranhas na cidade e deixa a população apreensiva.
DC — Desde a
implantação, há 10 anos, o que a prisão trouxe à cidade?
Palica — Em termos de investimentos, muito pouco. Deram alguns cargos na
penitenciária, mas são terceirizados. O pior é a insegurança que ela gera.
Temos problema em relação a futuros investidores. Na saúde também nos deixa
numa situação ruim, por causa dos índices de Aids e tuberculose (os dados da
prisão são computados como sendo do município). Então arcamos com esse ônus.
DC — O que o senhor
diria aos moradores de Imaruí, onde o governo de SC quer construir uma
penitenciária?
Palica — Que pensem muito bem, consultem a população. Os moradores devem
ser ouvidos. Agora, também é preciso entender que o governo está com um
problema bem sério (falta de vagas).
DC — É seguro morar em
municípios onde há penitenciária?
Palica — Agora se provou que não. Em Santa Tereza, os moradores ficaram
apreensivos.
Fonte:
Diogo Vargas / DIÁRIO CATARINENSE
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