Vistos. O MUNICÍPIO DE SANTO AUGUSTO ingressou com a presente Ação Declaratória e Cominatória em face do SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE SANTO AUGUSTO. Narrou que: (I) em 03.07.2013, o Poder Executivo municipal editou o Decreto n° 3.371/2013, o qual revogou o Decreto n° 2.805/2009, que havia concedido jornada de 6 (seis) horas ininterruptas aos servidores lotados na Secretaria de Saúde, determinando, com isso, o retorno à carga horária de 8 (oito) horas diárias; (II) em 23.07.2013, em razão do ato referido, cerca de 28 servidores vinculados à Secretaria de Saúde paralisaram suas atividades, dando inicio a uma greve; (III) inicialmente, o Poder Executivo não reconhecera a greve, a qual foi, posteriormente, após apresentadas as reivindicações, reconhecida como lícita, porém abusiva. Sustentou: (IV) a ilegalidade da greve, por ausência de regulamentação do art. 37, VII, da Constituição Federal; por não ter sido notificado o Poder Executivo pelos meios formais; por não ter sido criada comissão própria para o diálogo e conversas entre o Município e os servidores; e pelo fato de que o motivo da greve é o de que os servidores não querem cumprir as atribuições de seu cargo. Pediu: (a) declaração de ilegalidade e abusividade da greve dos servidores da Secretaria Municipal de Saúde; (b) a determinação, ainda em liminar de antecipação dos efeitos da tutela, de retorno imediato dos servidores ao trabalho; (c) a condenação do Sindicato réu ao pagamento dos prejuízos causados aos cofres públicos, incluindo a contratação de temporários. Juntou documentos (fls. ). O Ministério Público manifestou-se pelo deferimento parcial da tutela antecipada, para determinar que o Sindicato réu mantenha em atividade ao menos 30% dos servidores municipais vinculados à Secretaria de Saúde. É o breve relato. Estou em deferir parcialmente a liminar, ao menos por ora. Conforme se observa dos autos, cinco são os argumentos utilizados pelo Município autor para sustentar a ilegalidade da greve dos servidores. O primeiro deles é no sentido de a norma prevista no art. 37 da Constituição Federal, que prevê o direito de greve do servidor público, seria de eficácia limitada, havendo necessidade de lei regulamentadora para seu exercício, a qual não existiria. Sem razão a parte autora, contudo. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do mandado de injunção n° 712, fixou o entendimento de que o direito constitucional de greve dos servidores públicos previsto no art. 37, VII, da CF, enquanto não regulamentado por lei específica, deveria ser exercido com incidência da Lei n° 7.783/1989, com interpretação adequada ao regime estatutário. Esta, a ementa do julgado: EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve --- artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital --- indivíduo ou empresa --- que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] --- é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil. (MI 712, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-03 PP-00384) Portanto, não encontro verossimilhança em tal argumento de ilegalidade. Quanto aos demais fundamentos lançados, no sentido de que o Poder Executivo não teria sido comunicado pelos meios legais, de que não teria sido criada comissão pelos servidores que aderiram à paralisação e de que o motivo da greve seria o objetivo de não cumprirem a totalidade das horas pelas quais foram contratados, o que seria ilícito, tenho que não seria prudente a análise sem que se conferisse ao Sindicato réu o direito de se manifestar. Quanto à não observância das formalidades, em que pese a documentação juntada pelo Município assim aparentemente demonstre, não se sabe se o Sindicato réu não detém outros documentos que comprovem o contrário, ou seja, de que o regramento legal fora cumprido. E, quanto ao motivo ilícito gerador da greve, no mesmo norte, ainda que aparentemente presente, de um todo salutar ouvir a parte contrária, até porque não demonstrado pela parte autora de forma bastante. Sendo assim, tenho que, pela ausência de possibilidade, neste momento processual, de extração de verossimilhança no que toca à ilegalidade da greve, inviável o deferimento da liminar para determinar o imediato retorno de todos os servidores aderentes as suas atividades. De outro lado, no entanto, o estado de greve (ou paralisação) está demonstrado pelo documento assinado por cerca de 28 servidores da área de saúde (fl. ), assim como é fato de conhecimento público neste Município de Santo Augusto, que conta com cerca de 14.000 habitantes. Assim sendo, observo que, embora não se reconheça neste momento processual a ilegalidade reclamada, certo que é que o direito de greve não é absoluto, podendo e devendo ser limitado em determinadas circunstâncias, em respeito aos princípios da supremacia do interesse público e da continuidade dos serviços essenciais. Digo isso porque os servidores aderentes à paralisação são os vinculados à Secretaria de Saúde. E esta, a saúde, é considerada serviço público essencial, cuja prestação se dá, na maioria das vezes, de forma urgente e emergencial. Despiciendo aqui tecer demais comentários sobre os efeitos devastadores à sociedade que a interrupção dos serviços de saúde acarretariam. Nesse norte, a própria Lei disciplinadora do direito de greve limita o seu exercício. O seu art. 10 prevê como essenciais os serviços e atividades de assistência médica e hospitalar e a distribuição e comercialização de medicamentos. E, sendo essenciais, pois, os serviços prestados pelos servidores públicos vinculados à Secretaria de Saúde, tem-se a obrigatoriedade de manutenção daqueles classificados como inadiáveis, leia-se urgentes e emergenciais, por força do disposto no art. 11 da referida Lei, o qual dispõe que ¿...os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade¿. Além disso, por relevante no ponto, cumpre referir que o Supremo Tribunal Federal, ainda no ano de 2009, pelo seu então Ministro Relator Eros Grau, na Reclamação 6558/SP, chegou a proclamar que o direito de greve não seria estendido aos servidores públicos que prestassem serviços relacionados à segurança pública, à administração da justiça e à saúde, pois eventual interrupção de tais atividades afrontaria outros direitos também constitucionalmente reconhecidos. Penso, no entanto, que não se pode impor tal rigidez de raciocínio, sob pena de aniquilar, por completo, o direito de greve de tal categoria. Pois bem. Dito isso, necessário é, portanto, estabelecer a limitação do direito de greve no presente caso. Tenho que a exigência tão-somente da manutenção dos serviços urgentes e emergenciais relativos à saúde, seria insuficiente. É que, dada a contestada qualidade do serviço de saúde prestado pela rede pública, o que, aliás, recentemente foi bandeira de manifestações populares de proporções históricas em nosso país, pode-se considerar que, no mais das vezes, o cidadão que a ele acorre somente assim procede em caso de absoluta necessidade. Assim, tenho como prudente impor a manutenção, além do atendimento emergencial e inadiável, ao menos 30% do restante do serviço a ser prestado. Tal percentual mostra-se adequado, uma vez que, ao mesmo tempo em que permite ao servidor o exercício de direito constitucional de greve como forma de pressão ao atendimento de suas reivindicações, mantém um mínimo necessário de antedimento do serviço de saúde à população, de forma a não aniquilá-lo. Nessa linha, porém em percentual diverso, já decidiu o Tribunal de Justiça: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE GREVE. SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS. MÉDICOS LOTADOS NA SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE. SERVIÇOS PRESTADOS NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. RECONHECIMENTO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS. ARTIGO 37, INCISO VII, DA CF. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NA LEI 7.783/89, POR ANALOGIA, ATÉ O ADVENTO DE LEI ESPECÍFICA. DIREITO, TODAVIA, NÃO ABSOLUTO. IMPOSIÇÃO DA ESTRITA OBSERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E DA CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS ESSENCIAIS. ASSEGURAMENTO DAS NECESSIDADES DA COMUNIDADE. EXIGÊNCIA DE MANUTENÇÃO DA TOTALIDADE DOS ATENDIMENTOS DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA AOS MUNÍCIPES. DETERMINAÇÃO DE QUE SEJA GARANTIDO PERCENTUAL MÍNIMO DE CINQÜENTA POR CENTO (50%) DOS MÉDICOS PARA GARANTIA DA CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE CONCEDE PROVIMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70036230522, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Luiz Reis de Azambuja, Julgado em 04/08/2010) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE GREVE. SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS. MÉDICOS LOTADOS NA SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE. MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL. LIMITES PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE. Agravo de instrumento cujo objeto circunscreve-se à análise da interpretação do acórdão que regulamento o exercício do direito de greve pelo Sindicato Médico do Município de Caxias do Sul. Correta a interpretação conferida pela decisão agravada, no sentido de determinar o atendimento de "100% dos casos de urgência e emergência, para tanto utilizando, se necessário, 100% do seu efetivo". Hipótese em que os serviços de urgência e emergência deverão ser atendidos na sua totalidade, podendo tornar-se imprescindível a presença da totalidade do efetivo médico, haja vista a situação de necessidade imediata presente nesses casos, o que não significa que tal percentual seja sempre necessário, de modo a inviabilizar por completo o exercício do direito de greve. A decisão recorrida impôs a incidência de multa diária para o caso de descumprimento da ordem judicial, de modo que, descabe no presente recurso, analisar questões fáticas relativas ao exercício do direito de greve. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70043130426, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Luiz Reis de Azambuja, Julgado em 20/07/2011) ANTE O EXPOSTO, DEFIRO parcialmente a tutela antecipada, para DETERMINAR a imediata e PARCIAL SUSPENSÃO da greve dos servidores públicos municipais vinculados à Secretaria da Saúde, devendo ser garantida a prestação de todo o atendimento emergencial e inadiável ao cidadão, assim como devendo ser mantida aprestação de ao menos 30% do serviço não emergencial a ser prestado, sob pena do pagamento de multa, pelo Sindicato réu, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia de descumprimento, e de responsabilidade administrativa, civil e criminal pelos servidores. Expeça-se mandado de cumprimento e intimação. Saliento que a intimação deverá se dar na pessoa do representante legal do sindicato, assim como na pessoa de cada um dos servidores aderentes à greve (ou paralisação) constantes do documento de fl. , cuja identificação e localização deverão ser providenciadas pelo Sr. Oficial de Justiça junto à Administração municipal. Cite-se para resposta no prazo legal. Intimem-se autor e o Ministério Público.
Postado
por Cristiano Pereira Rádio Querência
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