Sem médico em 25% das Unidades de Saúde da
Família, população recorre a UBS ou emergências, multiplicando o caos em busca
de socorro
João de Quadros precisa de um exame, mas, sem atendimento, vai acabar lotando as emergências da CapitalFoto: Marcelo Oliveira / Agencia RBS
A porta de
entrada para o atendimento em saúde da Capital está capenga. Das 182 equipes de
Estratégia de Saúde da Família (ESF) existentes, pelo menos 46 estão sem
médicos. Ou seja: a cada quatro unidades, uma não oferece consultas. Há
comunidades sem atendimento desde janeiro. Este caos se reflete nas longas
filas em postos e emergências.
Essa
realidade coloca o município em conflito com a legislação, ao descumprir a Lei
11.062, de 6 de abril de 2011, que cria o Instituto Municipal de Saúde da
Família (Imesf) e atribui funções e condições de trabalho aos seus membros,
inclusive médicos.
Fernanda:
asma, diabetes...
Onde estão
aqueles que deveriam, conforme o estatuto do Imesf, "realizar consultas
clínicas e procedimentos nas Unidades de Saúde da Família (USF)" com carga
semanal de 40 horas?
Essa é uma
pergunta que pacientes como a diarista Fernanda Balz Batista, 25 anos, não sabe
responder. O que ela sabe, sim, é que a USF Safira, no Bairro Mario Quintana,
onde ela e a família deveriam consultar, é uma das que está sem médico desde
janeiro:
- A minha
mãe tem diabetes, tenho duas filhas com asma e não temos como acompanhar.
Preciso correr para a emergência e esperar horas por uma consulta.
Sem o
filtro da USF, as emergências transbordam. E mais: sem encaminhamento do posto,
ela não consegue, por exemplo, atendimento com especialistas, como
pneumologista, para tratar das filhas.
Maria:
"Isso é muito ruim..."
Outra
moradora da região que sofre com a falta de médicos é Maria Jocelaine Cassimiro
Paz, 30 anos. Desempregada, a mãe de Yasmin, um ano e três meses, e de outros
três filhos passa por percalços:
- Se dá
uma febre, uma diarreia, tem que ir no Postão da Bom Jesus ou no Conceição. Se
tivesse médico aqui... Isso é muito ruim, tem muita gente que precisa.
Aposta no
concurso, com forte reajuste
Pelo menos
15 médicos do concurso anterior do Imesf estão em processo de admissão na
Secretaria Municipal da Saúde.
E um novo
concurso, com oferta de outras 60 vagas, está previsto para ser lançado neste
mês, trazendo alguns atrativos para os candidatos.
-
Apresentamos um projeto para o prefeito, para incluir alguns itens no próximo
concurso - explica o secretário municipal da Saúde, Carlos Henrique Casartelli.
Essas
modificações devem permitir que a remuneração chegue a até R$ 16 mil. Contudo,
o secretário defende que o problema vai além: segundo ele, hoje são poucos os
profissionais da saúde que têm interesse em se tornar médicos de família.
- Preciso
de um (médico) que veja o paciente como um todo, não só como um coração ou um
pulmão. O nosso problema se resolve quando o Ministério da Educação tomar para
si a necessidade de formação de médicos que o Brasil precisa - acredita.
A situação
da ESF em Porto Alegre
Porto
Alegre conta com 88 Unidades de Saúde da Família (USF), que representam a
Estratégia de Saúde da Família (ESF).
Cada USF
pode ter de uma a quatro equipes médicas.
No total,
são 182 equipes de USF em atividade.
Destas
equipes, 46 estão sem médico. Ou seja: 25%.
Cada
equipe tem, no mínimo, um médico, um enfermeiro, um técnico de Enfermagem e
quatro agentes comunitários.
Informações:
Carlos Henrique Casartelli
De norte a
sul da cidade
O tormento
para conseguir uma consulta não é exclusividade de uma região da cidade. É um
problema que se espalha de norte a sul da Capital. Na USF Quinta Unidade, na
Restinga, a cadeira de médico está vazia em 2013.
- Sofri um
acidente de trabalho e preciso de um encaminhamento para fazer um exame na
perna e levar na perícia. Desse jeito, acho que vou ter de pagar particular -
resigna-se o pedreiro João Jesus de Quadros, 64 anos.
E não
adianta tentar atendimento em outro posto, já que ele está cadastrado ali,
assim como a doméstica Jussara de Oliveira, 55 anos. Ela busca encaminhamento
para oftalmologista, para fazer óculos novos, e não consegue.
- A
população precisa de médico aqui. Se não, tem de ir para um hospital por coisas
simples, como febre, gripe, e esperar na emergência - lamenta.
A solução
será importar?
O
Ministério da Saúde está detalhando um projeto polêmico: trazer profissionais
de países como Cuba, Portugal e Espanha, por exemplo, para atuar no Brasil. A
permissão de trabalho temporária, com regras específicas, deverá ser criada por
meio de uma medida provisória.
O registro
habilitará o profissional a atuar nas periferias das cidades ou em locais
afastados, durante um período determinado. O prazo proposto é de três anos.
Contudo,
as entidades médicas são contra a proposta, pois afirmam que não há falta de
profissionais no Brasil, apenas uma distribuição inadequada. Também argumentam
que o recrutamento de médicos dispensados de fazer a prova de revalidação (um
teste de conhecimentos profissionais) traria uma medicina de qualidade
questionável às classes mais pobres da população.
Fonte: Denise Waskow | DIÁRIO GAÚCHO
Nenhum comentário:
Postar um comentário