segunda-feira, 3 de junho de 2013

De cada quatro equipes de saúde da família, uma está incompleta em Porto Alegre

Sem médico em 25% das Unidades de Saúde da Família, população recorre a UBS ou emergências, multiplicando o caos em busca de socorro

De cada quatro equipes de saúde da família, uma está incompleta em Porto Alegre Marcelo Oliveira/Agencia RBS
João de Quadros precisa de um exame, mas, sem atendimento, vai acabar lotando as emergências da CapitalFoto: Marcelo Oliveira / Agencia RBS

A porta de entrada para o atendimento em saúde da Capital está capenga. Das 182 equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) existentes, pelo menos 46 estão sem médicos. Ou seja: a cada quatro unidades, uma não oferece consultas. Há comunidades sem atendimento desde janeiro. Este caos se reflete nas longas filas em postos e emergências.

Essa realidade coloca o município em conflito com a legislação, ao descumprir a Lei 11.062, de 6 de abril de 2011, que cria o Instituto Municipal de Saúde da Família (Imesf) e atribui funções e condições de trabalho aos seus membros, inclusive médicos.

Fernanda: asma, diabetes...

Onde estão aqueles que deveriam, conforme o estatuto do Imesf, "realizar consultas clínicas e procedimentos nas Unidades de Saúde da Família (USF)" com carga semanal de 40 horas?

Essa é uma pergunta que pacientes como a diarista Fernanda Balz Batista, 25 anos, não sabe responder. O que ela sabe, sim, é que a USF Safira, no Bairro Mario Quintana, onde ela e a família deveriam consultar, é uma das que está sem médico desde janeiro:

- A minha mãe tem diabetes, tenho duas filhas com asma e não temos como acompanhar. Preciso correr para a emergência e esperar horas por uma consulta.

Sem o filtro da USF, as emergências transbordam. E mais: sem encaminhamento do posto, ela não consegue, por exemplo, atendimento com especialistas, como pneumologista, para tratar das filhas.

Maria: "Isso é muito ruim..."

Outra moradora da região que sofre com a falta de médicos é Maria Jocelaine Cassimiro Paz, 30 anos. Desempregada, a mãe de Yasmin, um ano e três meses, e de outros três filhos passa por percalços:

- Se dá uma febre, uma diarreia, tem que ir no Postão da Bom Jesus ou no Conceição. Se tivesse médico aqui... Isso é muito ruim, tem muita gente que precisa.

Aposta no concurso, com forte reajuste

Pelo menos 15 médicos do concurso anterior do Imesf estão em processo de admissão na Secretaria Municipal da Saúde.

E um novo concurso, com oferta de outras 60 vagas, está previsto para ser lançado neste mês, trazendo alguns atrativos para os candidatos.

- Apresentamos um projeto para o prefeito, para incluir alguns itens no próximo concurso - explica o secretário municipal da Saúde, Carlos Henrique Casartelli.

Essas modificações devem permitir que a remuneração chegue a até R$ 16 mil. Contudo, o secretário defende que o problema vai além: segundo ele, hoje são poucos os profissionais da saúde que têm interesse em se tornar médicos de família.

- Preciso de um (médico) que veja o paciente como um todo, não só como um coração ou um pulmão. O nosso problema se resolve quando o Ministério da Educação tomar para si a necessidade de formação de médicos que o Brasil precisa - acredita.

A situação da ESF em Porto Alegre

Porto Alegre conta com 88 Unidades de Saúde da Família (USF), que representam a Estratégia de Saúde da Família (ESF).

Cada USF pode ter de uma a quatro equipes médicas.

No total, são 182 equipes de USF em atividade.

Destas equipes, 46 estão sem médico. Ou seja: 25%.

Cada equipe tem, no mínimo, um médico, um enfermeiro, um técnico de Enfermagem e quatro agentes comunitários.

Informações: Carlos Henrique Casartelli

De norte a sul da cidade

O tormento para conseguir uma consulta não é exclusividade de uma região da cidade. É um problema que se espalha de norte a sul da Capital. Na USF Quinta Unidade, na Restinga, a cadeira de médico está vazia em 2013.

- Sofri um acidente de trabalho e preciso de um encaminhamento para fazer um exame na perna e levar na perícia. Desse jeito, acho que vou ter de pagar particular - resigna-se o pedreiro João Jesus de Quadros, 64 anos.

E não adianta tentar atendimento em outro posto, já que ele está cadastrado ali, assim como a doméstica Jussara de Oliveira, 55 anos. Ela busca encaminhamento para oftalmologista, para fazer óculos novos, e não consegue.

- A população precisa de médico aqui. Se não, tem de ir para um hospital por coisas simples, como febre, gripe, e esperar na emergência - lamenta.

A solução será importar?

O Ministério da Saúde está detalhando um projeto polêmico: trazer profissionais de países como Cuba, Portugal e Espanha, por exemplo, para atuar no Brasil. A permissão de trabalho temporária, com regras específicas, deverá ser criada por meio de uma medida provisória.

O registro habilitará o profissional a atuar nas periferias das cidades ou em locais afastados, durante um período determinado. O prazo proposto é de três anos.

Contudo, as entidades médicas são contra a proposta, pois afirmam que não há falta de profissionais no Brasil, apenas uma distribuição inadequada. Também argumentam que o recrutamento de médicos dispensados de fazer a prova de revalidação (um teste de conhecimentos profissionais) traria uma medicina de qualidade questionável às classes mais pobres da população.

Fonte: Denise Waskow | DIÁRIO GAÚCHO

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