quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Situação crítica: Argentina volta a barrar sapatos brasileiros

Brasil pode exportar neste ano para a Argentina 15 milhões de pares de calçados
Brasil pode exportar neste ano para a Argentina
 15 milhões de pares de calçados

     Novo Hamburgo - Um caos, uma situação crítica, um desrespeito. O conjunto de palavras é apenas uma síntese da revolta dos empresários diante das travas às exportações de calçados para a Argentina. De fevereiro até o dia 23 deste mês, 3.381.808 pares de sapatos, numa soma de US$ 33,87 milhões, não conseguiram atravessar a fronteira para o país vizinho por falta da liberação das licenças não-automáticas, concedidas pelo governo de Cristina Kirchner. Ou seja, estão há 211 dias parados nas fábricas aguardando a autorização para o embarque, quando as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC) ditam o prazo de 60 dias.
     O número de pares pode ser bem maior, pois este volume refere-se a cerca de 20 empresas associadas que responderam ao levantamento feito pela Associação Brasileira das Indústrias de Calçados. “A situação é insustentável e os prejuízos são sérios à indústria nacional, que, se já não registrou, deve estar na iminência de cancelamentos de pedidos”, lamentou o diretor-executivo da Abicalçados, Heitor Klein. Ainda segundo ele, o volume de exportações brasileiras está aquém do acordado com a Argentina há dois anos, de 15 milhões de pares por ano. “Mal conseguimos chegar a 6 milhões de pares (US$ 122 milhões) de janeiro a agosto.”
Risco de perder Dia das Madres
     O executivo da Abicalçados lembra que a temporada da primavera-verão já chegou e a coleção deveria estar sendo mostrada nas vitrines argentinas. Outro agravante é que em 17 de outubro os hermanos festejam o Dia das Madres (Dia das Mães), que assim como em território brasileiro é considerada uma das datas mais importantes do calendário do comércio. Se os sapatos made in Brazil não chegarem a tempo, adeus vendas, por consequência mais pedidos anulados.

Caos acumulado

     1 As distorções de autorização de embarques, via liberação de licenças não-automáticas pelo governo argentino, tiveram ponto alto em março. Naquele mês, cerca de 500 mil pares de sapatos não conseguiram cruzar a fronteira.
     2 O governo federal decidiu retaliar o país vizinho, exigindo também licenças não-automáticas para a entrada de veículos no Brasil. O impasse chegou a ser aplacado pelos dois governos, que de ambos os lados, passaram a liberar nos meses seguintes as importações.
     3 Seis meses depois que o processo de liberações, mesmo sendo em conta-gotas, parecia ter sido resolvido, os números dos calçadistas provocam novo susto, chegando a 3,38 milhões de pares.
     4 O Brasil pode exportar neste ano para a Argentina 15 milhões de pares de calçados, mas até agosto só conseguiu colocar nas vitrines 6,68 milhões de pares, 5,9% a menos que no mesmo período de 2010.
     5 No global, os calçadistas brasileiros exportaram 74,15 milhões de pares, queda de 25,1% ante janeiro a agosto do ano passado, o que resultou em perda de receita de 14,1%, de US$ 1,02 bilhão para US$ 878,9 milhões.

Inércia do governo duramente criticada

     A inércia do Planalto é duramente criticada pela Abicalçados e por empresários. “Nosso governo não está sendo eficaz aos mandos da Argentina, que cada vez mais protege sua indústria local, ainda mais agora que estão em campanha eleitoral”, disse o executivo da Abicalçados, Heitor Klein. Ele explicou que o governo brasileiro é abastecido duas vezes por semana com informações sobre a posição das licenças pendentes, portanto, não tem como alegar desconhecimento e nem fazer de conta que está tudo bem.
     A postura da tranquilidade também é assumida pelo governo argentino. Segundo Klein, nas últimas três semanas, o presidente da entidade, Milton Cardoso, esteve quatro vezes em Buenos Aires para tratar o assunto. Tanto Guillhermo Moreno (secretário do Comércio), Eduardo Bianchi (secretário da Indústria e Comércio Exterior) e a própria Débora Giorgi (ministra de Indústria) discursam que a situação continua normal. “Nosso governo está a olhar candidamente para tudo isso, como se fôssemos imbecis, enquanto eles (os argentinos) nos chamam de tolos, dizendo que tudo está bem”, esbravejou o representante da Abicalçados.

Jogo

     Além do jogo político, a Argentina criou travas para forçar indústrias brasileiras a produzirem em solo argentino. Uma das exigências foi de que somente empresas que exportam um dólar poderão importar um dólar, o que levou compradores a também produzir para justificarem suas importações. Além disso, isso significa exportação de empregos pelo Brasil.

Vizinhos devem brigar mais

     A briga de vizinhança ainda deve esquentar mais. O motivo é que em dezembro vence o acordo de restrição voluntária das exportações de 15 milhões de pares, feito pelos empresários brasileiros e argentinos, com patrocínio dos governos dos dois países. Aliás, o presidente da Câmara da Indústria de Calçados da Argentina, Alberto Sellaro, já antecipou que a nova proposta será de 12 milhões de pares. Mas os obstáculos hoje impostos pelo país vizinho podem minar um pacto futuro. “Se o governo brasileiro não der garantias de cumprimento de que o acordo terá efeito, não haverá a assinatura da Abicalçados. Não acredito que algum empresário vá respaldar, pois se é para ficar nesta desordem, não precisa acordo.”

Sem abrir mão deste mercado

     Cobrando uma atitude mais enérgica do governo brasileiro em relação ao parceiro comercial, a A. Grings, fabricante da marca Piccadilly, olha para mais de 200 mil caixas depositadas em sua filial de Teutônia (foto) sem saber qual será o futuro dos embarques para a Argentina. A calçadista, com matriz em Igrejinha, aguarda cinco licenças há mais de 105 dias, além de outras cujos prazos já passaram os 60 e 85 dias. “A Argentina é o nosso maior mercado e não podemos abrir mão dele porque isto significaria reduzir a produção, pois não há no mundo ou no Brasil como compensar este volume”, afirmou a diretora de Exportação, Micheline Angelita Grings Twigger.
     Conforme a executiva, o país vizinho representa 10% da produção da empresa, que é cerca de 8 milhões de pares por ano. “É um trabalho de 13 anos, em que introduzimos nossa marca e que agora está sendo simplesmente jogado no lixo”, acrescentou Micheline, em referência ao atraso nas entregas, que pode levar ao cancelamento de pedidos gerando uma série de prejuízos econômicos.

À mercê

     Mais uma vez à mercê das travas do governo argentino está a Calçados Bibi, fabricante de calçados infantis de Parobé. A gerente de exportação Andréa Kohlrausch contou que mais de 30 mil pares aguardam liberação há 90 dias e outros 10 mil devem vencer o prazo de 60 dias no final deste mês. No entanto, houve um fato inusitado: enquanto mercadorias estão paradas, há duas semanas foram liberados 30 mil pares antes mesmo de bater os 60 dias. A Argentina também é o mercado número um da Bibi, representando 25% das suas exportações, que equivalem a 10% da produção de 3,4 milhões de pares por ano.

 Fonte: Márcia Greiner / Jornal NH

Colaborou: Paulo Langaro

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