Mulher distribui comida a crianças em campo de refugiados em Mogadíscio, capital somali/AP |
MOGADÍSCIO — Milhares de sacos de doações de comida foram roubados na Somália e estão sendo vendidos em mercados locais, próximos ao maior campo de refugiados da capital Mogadíscio, denunciou uma investigação da agência de notícias AP.
Pela primeira vez, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) admitiu que recebeu denúncias de furtos de doações na Somália há cerca de dois meses e está investigando o caso. Segundo a entidade, a "intensidade" da crise alimentar no país não permite que a ajuda humanitária seja suspensa, já que o corte poderia custar "muitas vidas".
Mesmo se distribuídas a famílias, no entanto, não é certo de que as porções de comida vão chegar a ser servidas. Segundo relatos do campo de refugiados da capital, o Badbado, controlado pelo governo somali, muitas famílias são obrigadas a devolver as doações após serem fotografadas com elas por jornalistas estrangeiros. Ali Said Nur, por exemplo, contou que recebeu dois sacos de milho em duas ocasiões diferentes e, em ambas, precisou dar a comida ao líder do acampamento.
— Você não tem escolha. Se você quer ficar aqui, você precisa entregar o que tem sem reclamar — contou Nur.
De acordo com a ONU, mais de 3.2 milhões de somalis, quase metade da população, precisa de ajuda humanitária para se alimentar. Mais de 450 mil pessoas vivem em zonas de fome, controladas pelas milícias islâmicas al-Shabad, ligadas à al-Qaeda. O país ainda sustenta o quinto maior índice de mortalidade infantil do mundo. E a situação de degradação aumentou consideravelmente nos últimos meses, com a chegada da pior seca dos últimos 60 anos ao Chifre da África.
Apesar de já ter conhecimento do roubo de doações, o PMA argumenta que monitorar as atuações no país é altamente perigoso. Desde 2008, 14 funcionários da instituição foram assassinados na Somália.
Em mercados da capital Mogadíscio, é possível encontrar sacos de comida com os símbolos do Programa Mundial de Alimentação da ONU, do Exército de ajuda americana USAID e do governo do Japão. A AP encontrou oito mercados que vendiam as doações roubadas, além de outras dezenas de pequenas lojas que faziam o mesmo.
A denúncia do desvio de doações não chega a ser uma surpresa para autoridades estrangeiras. Mas a escalada de roubou põe em xeque a capacidade de órgãos internacionais de alcançar a população faminta, além de aumentar a preocupação sobre a corrupção entre o governo somali e a suspeita de que a ajuda humanitária possa incitar mais conflitos no país, que vive em guerra civil há mais de 20 anos.
O Conselho de Segurança da ONU pediu nesta segunda-feira por doações de milhões de dólares para enviar alimentos e remédios para as vítimas da fome na Somália. Até agora, apenas metade dos recursos necessários para ajudar o país africano foram coletados, afirmou a entidade.
O documento, expedido no mesmo dia em que o PMA admitiu casos de desvio de doações, elogia o aumento da segurança na capital Mogadíscio, que há cerca de duas semanas se viu livre de insurgentes islâmicos, mas destaca que a instabilidade crônica intensificou práticas de "terrorismo, pirataria, sequestros e uma terrível situação humanitária".
O Conselho ainda pediu que todos os grupos somalis compareçam a uma reuniam nos próximos dias 4, 5 e 6 de setembro para discutir a melhor rota de distribuição de ajuda e a construção de instituições governamentais no ano que vem.
Fonte: EXTRA / O GLOBO
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