sábado, 17 de março de 2012

Anônimas do cácere

ACRE
Mulheres corajosas e sofredoras, mas que jamais perdem a
esperança de recomeçar fora do presídio

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     Em um ambiente que apesar da era digital, ainda guarda o obscurantismo do tempo das masmorras em sua arquitetura, elas dividem entre si o mesmo sentimento: saudade - muitas vezes provocada pelo longo cárcere que gerou o abandono de quem não quis se comprometer em uma relação vigiada sobre os altos muros de uma penitenciária, que muitas vezes pode durar dias, meses e anos.
     Essa é a vida das mulheres na cadeia. Quase todas “puxam cela”, linguajar utilizado por elas mesmas, por consequência do tráfico de drogas, que na grande maioria foram conduzidas a entrar no mundo do crime pelos próprios companheiros, que as abandonaram em seguida.
     No mês da Mulher, comemorado no dia 8 de março, a reportagem do jornal Página 20 esteve no presídio Francisco de Oliveira Conde, no Pavilhão Feminino, para conhecer um pouco a história dessas mulheres. Quem são? Como vivem dentro de uma prisão? Que tipos de crimes cometeram? Como sobrevivem em um ambiente tão hostil? E por que decidiram cruzar a fronteira do submundo?

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     Os depoimentos são emocionantes. Sem qualquer olhar de julgamento, é possível enxergar personagens reais, mulheres corajosas e sofredoras, mas que jamais perdem a esperança de recomeçar do lado de fora do presídio. Em uma única cela, vinte e seis mulheres dividem o mesmo espaço. Ao todo, são 170 presas em regime fechado e vinte no semiaberto.
     Embora na função de diretora do Pavilhão Feminino, Madalena Ferreira é quase uma mãezona das reeducandas. Ela conhece, sob a ótica de cada uma delas, a história de vida, relatos, desabafos e confidências das presas. Talvez, pelo próprio vínculo de amizade que inevitavelmente ocorre dentro do pavilhão - o que é normal diante de uma convivência diária -, Madalena diz que a relação de harmonia com as presas proporciona menor estresse e uma boa permanência carcerária, inclusive diante do abandono familiar.


A vida das mulheres na condição de pessoa presa


      Disputando um pequeno espaço entra a grade da cela, todas queriam falar com a reportagem. Queriam mandar recados para os seus familiares, dizer que estão bem, que já deveriam ter saído se “aquele advogado” que nem as visita mais, desse um pouquinho mais de assistência, mas que acima de tudo estão com muita saudade. Saudade do companheiro que há meses não aparece nos dias de visita. Da mãe que, apesar de doente, sempre dava um jeitinho de ir aos domingos no presídio, e especialmente dos filhos, que fazem uma falta danada.

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     “Para entrar aqui a porta é larga, mas para sair ela vai ficando cada vez mais estreita com o passar dos anos. A saudade dos filhos é sem dúvida o que mais machuca. Lamento estar aqui. Queria muito que as pessoas que eu amo não me abandonassem nesse momento”, diz a detenta Silvana Rodrigues, que já cumpre pena há três anos em regime fechado por tráfico de entorpecente.
     Conversando com essas mulheres, na condição de presa, pelo menos para as que abriram seus corações, o grande sonho da maioria é encontrar uma forma de se redimir perante a sociedade e aos seus entes. Para elas, a ressocialização é o medo e a reabilitação é a perspectiva e a vontade do recomeço.

 De qualquer forma, e sem rótulos, é mais ou menos assim...


      Há as que encontram na cadeia seu par. E vivem o tempo no cárcere, alimentadas de amor (ou o contrário disso). Valderes de Souza, vulgo Mel, 38 anos, condenada a 38 anos por latrocínio. Casada com outra detenta.
     Há as mães que tiveram nos cárceres seus filhos e por eles sofrem do início ao fim. Eula da Silva Rodrigues, mãe do pequeno David, de apenas dois meses de idade. Letícia de Souza Araújo, mãe do Kaíque de quatro meses, e Karine Duarte, grávida de oito meses.

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     Há as que morrem a cada dia. Não conseguem ou não possuem saúde para conviver com o cotidiano, e passam a suportar em silêncio as medidas disciplinares. Dona Francisca, 49 anos, sofre de graves problemas pulmonares. Condenada a oito anos. Aceitou R$ 500 para fazer a entrega de dois quilos de cocaína.
     Há as que se envergonham de estar ou terem estado nos cárceres. Abriram mão das boas oportunidades na tentativa de ganhar dinheiro fácil (ilícito). Marinete Reatquim. Presa por tráfico de drogas e condenada a quatro anos de reclusão.
     Há as que, ainda de pouco idade, aprendem a amadurecer mais cedo para sobreviver dentro dos presídios. Janaína Marques, 22 anos. Presa por contrabando internacional - condenada a vinte e dois anos em regime fechado.
     Assim, essas mulheres vão seguindo dentro de suas celas, anônimas, enclausuradas, esquecidas e abandonadas buscando uma forma de demonstrar ou ocultar seus sentimentos, pois, para muitas delas, essa é a única opção para driblar e sobreviver dia após dia encarceradas.

Escrito por Lane Valle
Fonte: Página 20 

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