Dados do IBGE mostram que as principais vítimas são do sexo
feminino. No último Censo, em 2010, eram 65.709 garotas “casadas” antes dos 15
anos para 22.849 garotos. ONG alerta que o Brasil precisa começar a discutir o
assunto
Na idade em que deveriam
estar vivendo as novidades e desafios da adolescência, muitas meninas
brasileiras tornam-se precocemente mulheres casadas, com todas as
responsabilidades que esta condição costuma impor, incluindo a possível
maternidade. Elas são vítimas do chamado casamento na infância e adolescência,
conhecido internacionalmente como casamento infantil, que ocorre de modo formal
ou informal e refere-se a uniões entre meninos e meninas com menos de 18 anos
ou parceiros de qualquer idade. O casamento precoce atinge principalmente
adolescentes do sexo feminino que, incentivadas pela família, motivadas por uma
gravidez ou para fugir de violência doméstica, repressão familiar e outros
abusos, acabam se unindo a homens normalmente mais velhos.
Dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o Brasil precisa se
preocupar com o assunto. O censo demográfico de 2000 detectou 75.580 mil
pessoas de 10 a 14 anos casadas ou em união consensual. Dez anos depois, quando
foi realizado novo Censo, o número aumentou para 88.558 uniões formalizadas ou
não. O volume de meninas vivendo com parceiros é muito maior que o de meninos
na mesma situação. Em 2010, eram 65.709 garotas “casadas” antes dos 15 anos,
contra 22.849 adolescentes do sexo masculino.
Diante das evidências
sobre a ocorrência do casamento na infância e adolescência em oposição à falta
de pesquisas sobre o assunto, a ONG Promundo realizou estudo inédito sobre o
tema, que será lançado oficialmente no dia 9 de setembro em Brasília. “A
divulgação busca gerar um diálogo sobre o assunto, que tem sido geralmente
ausente dos discursos. Além disso, a pesquisa oferece dados para desenvolver
programas de intervenção e políticas que abordem o tema de uma forma
significativa”, afirma a pesquisadora da Promundo Alice Taylor, responsável
pelo estudo que explorou a realidade do Pará e do Maranhão.
Ela destaca que o
casamento precoce, em muitos casos, é motivado pela própria família, diante de
uma gravidez indesejada e com objetivo de “proteger” a reputação da menina e
garantir que o homem “assuma” a responsabilidade pelo adolescente e o bebê.
Destaca também o desejo dos pais de controlar a sexualidade das meninas e
limitar comportamentos percebidos como “de risco” associados à vida de
solteira, como relações sexuais sem parceiros fixos e exposição à rua. Outra
motivação é o desejo das meninas e também de membros da família de ter
segurança financeira. A pesquisadora destaca ainda a vontade das adolescentes
de saírem da casa dos pais. “Elas são pautadas por uma expectativa de
liberdade, ainda que dentro de um contexto limitado de oportunidades
educacionais e laborais”, diz. Uma última causa apontada por Alice é o desejo
dos futuros maridos de se casarem com meninas mais jovens, consideradas mais
atraentes e de mais fácil controle do que as mulheres adultas.
Propriedade do homem
A secretária executiva da
Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Produtivos, Clair
Castilhos, destaca que o casamento infantil é generalizado em vários estados do
Brasil e se explica, em partes, por um aspecto histórico ainda forte na nossa
cultura, que considera a mulher propriedade do homem. Segundo a ativista, o
movimento feminista nos anos 1970 e 1980 defendeu fortemente que a mulher não é
propriedade do pai, do marido ou do patrão, justamente porque a hierarquia
sobre ela ia passando de um para outro.
“Isso tira a capacidade de
autonomia e decisão das mulheres com respeito à vida e ao corpo”, avalia.
Apesar dessa cultura ter sido em grande parte superada, ainda persiste em
situações como o casamento de meninas com homens mais velhos.
Pobreza e miséria são
outros fatores que explicam os chamados casamentos infantis no Brasil. Mesmo
conseguindo tirar uma grande parte da população destas condições, Clair lembra
que o País não mudou os costumes.
“Em famílias com muitos
filhos, sempre existe a possibilidade de achar que a menina pode ser
descartada, repassada para outra situação, incluindo o casamento de
adolescentes ainda muito jovens”, observa.
Erotização da sociedade
Clair alerta para a
necessidade de considerar também a erotização da sociedade. “As mulheres
continuam sendo o principal produto de consumo erótico, o que é uma violência
sem tamanho, mesmo havendo uma distorção sobre o que elas mesmas percebem sobre
isso. Atitudes discriminatórias ou violentas são encaradas como normais e
naturais”, avalia. Outros problemas relacionados são violência doméstica,
abusos sexuais e repressão excessiva em casa, que acabam levando adolescentes a
“fugir” para viver com parceiros mais velhos.
A ativista defende que o
Brasil precisa discutir seriamente o problema, visto que é signatário de todas
as plataformas da Organização das Nações Unidas referentes à proteção desta
parcela da população e, nestes documentos, se compromete a dar apoio para que
meninas tenham uma vida livre de violência, de coerção e que sejam protegidas
pela sociedade. “O Brasil tem que começar a cumprir os tratados internacionais
dos quais é signatário. O casamento precoce destrói a vida e o futuro dessas
meninas, que enfrentam gravidezes de risco, interrompem os estudos e a
possibilidade de conseguir avançar no processo de aprendizagem para se preparar
para o mundo do trabalho e para a vida.”
Acesse no site de origem: País “fecha os olhos” para os
casamentos infantis, alerta ONG (Folha Web – 26/07/2015)
Compromisso e Atitude
www.compromissoeatitude.org.br
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