O caso da menina de nove anos de idade que matou seu
instrutor de tiros com um disparo acidental de submetralhadora Uzi, no Arizona,
levantou o debate sobre o uso de armas de fogo por americanos desde a mais
tenra idade.
Nos EUA, 31% das residências têm ao menos uma
criança e uma arma, segundo dados de 2012
Em um país onde as opiniões sobre a posse e o
porte de armas variam tanto quanto a sua geografia e demografia - como
comparar, por exemplo, a realidade de um fazendeiro em Montana com a de um
morador de arranha-céu em Nova York? - nem todos os americanos crescem
atirando. Mas aqueles que o fazem começam desde cedo.
Dan Baum começou a
atirar quando tinha cinco anos de idade. Ele cruzou o país para aprender sobre
a cultura das armas nos Estados Unidos. A experiência virou o livro Gun
Guys: a Road Trip (algo
como "Caras Armados: Uma Viagem pelos Estados Unidos", em uma
tradução bastante livre e imprecisa para o português).
O autor acredita que
atirar ensina às crianças lições importantes sobre respeito e disciplina.
"Pode ser algo ótimo para as crianças", ele diz.
"O que você está
dizendo a uma criança é: 'Estou colocando algo extremamente perigoso em suas
mãos e confiando que você o usará apropriadamente'."
Baum ensinou sua filha a
atirar quando ela tinha 10 anos de idade.
"Crianças são
espertas", diz. "Antes de mais nada, elas vão achar qualquer coisa
que você tente esconder. E elas podem aprender ao receber instruções. Podem
aprender sobre segurança."
Pais 'responsáveis'
Nos Estados Unidos, 31%
das residências têm ao menos uma criança e uma arma, segundo dados de 2012 do
Centro Law para Prevenção de Violência Armada.
Para muitos pais, a
posse responsável de armamentos passa por ensinar crianças a atirar - e a
respeitar as armas - desde cedo.
O envolvimento infantil
na cultura de armas americana é tão comum que, em algumas regiões, as escolas
liberam os alunos no primeiro dia da temporada de caça de veados.
A empresa Crickett
Firearm é uma das companhias de armas voltadas especificamente para o mercado
infantil. O produto batizado de "meu primeiro rifle" tem menos poder
de fogo que a versão adulta e é redimensionado para caber em mãos pequenas.
David Prince e sua
mulher abriram o estande de tiro Eagle Gun, em Lewisville, no Texas, há dois
anos. Eles aceitam crianças a partir de oito anos de idade e já realizaram
festas de aniversário infantis no local.
"Queriamos oferecer
um lugar seguro, voltado para a família, em que seja possível aprender sobre
segurança e armas e onde as crianças possam entrar em contato com as
armas", diz Prince.
"Elas vêem armas o
tempo todo nos video-games. Precisam saber que as que estão por aí são
perigosas."
Tragédia reacendeu debate sobre crianças e armas
Sem restrições
Prince ensinou filhos a
manusear armas "para desmistificar o assunto" quando eles tinham
cinco e seis anos de idade.
Legalmente, ele conta,
não há restrições sobre a idade em que uma criança pode aprender a atirar. Isso
fica a cargo dos pais.
Ele opina que as
crianças são capazes de manusear armas semiautomáticas - como a que foi usada
no acidente fatal no Arizona -, desde que tomadas as devidas precauções. Por
exemplo, se forem feitas adaptações para minimizar o coice gerado pelo disparo.
Já Dan Baum discorda que
as crianças tenham acesso a armamentos como a submetralhadora Uzi. Ele espera
que a tragédia gere uma discussão mais ampla sobre armas nos EUA, mas se
preocupa com a possibilidade de que o tema seja usado politicamente pelas
organizações pró-desarmamento.
"É uma pena que as
pessoas assistam a esse vídeo e, com base no que esse instrutor fez, tirem
conclusões sobre crianças e armas que sejam aplicadas em uma agenda política
pré-concebida", se queixa.
Polarização
Silvio Calabi, autor de The
Gun Book for Boys ("O
Livro das Armas para Garotos", em tradução livre), acredita que o debate
sobre armas nos EUA chegou a um impasse: ficou tão polarizado que os dois lados
assumiram posições extremas.
"Algumas pessoas
tentam a todo custo negar que haja um problema (com a questão das armas) e daí
forçam a barra", opina.
"Se você vai na
internet, acha fotos de crianças de cinco anos atirando com metralhadoras.
Prefiro acreditar que, em uma situação normal, ninguém, não importa o quão
experiente ou entusiasta de armas seja, dê uma arma dessas para uma criança de
cinco anos."
Por outro lado, ele acha
que quem fica chocado com a ideia de uma criança atirando possivelmente não
entende a realidade.
"Essas pessoas
imaginam casas onde armas de fogo carregadas ficam jogadas na mesa da sala, e
que é só uma questão de tempo antes que algum acidente terrível ocorra e um
membro da família seja morto", Calabi afirma.
"A grande maioria
das pessoas que atira tem um grande respeito pelas armas, e as guarda em locais
trancados", reforça. "Elas consideram as armas equipamentos para
diversão, mas entendem o que elas podem causar."
Os filhos de Calabi, que
aprenderam a atirar aos 12 anos de idade, não usam mais armas agora que já
estão crescidos.
Mas ele acredita que
esta decisão só pôde ser tomada depois que eles entenderam o significado de
atirar - e de abraçar ou não uma tradição americana.
Debbie Siegelbaum
Da BBC News em Washington
Atualizado em 29 de
agosto, 2014 - 07:24 (Brasília) 10:24 GMT
BBC BRASIL
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