Idosa vive em condições desumanas no que restou do lar. Sobraram só o piso e as paredes quebradas. Tudo foi entregue pelo neto a traficantes
Idosa mora sozinha no que restou de sua casa, em AlvoradaFoto: Lívia Stumpf / Especial
Em um cantinho escuro, dentro de um saco plástico, estão as lembranças boas que ainda sobraram à aposentada Eva Marisa da Silva, 63 anos. No centro das atenções de cada uma das fotos está, invariavelmente, o neto que ela criou. São todas antigas, com o menino sorridente e cheio de objetivos ambiciosos. Seguisse o curso que sonhava, hoje, aos 22 anos, Jefferson Trocatio Soares poderia ser uma das estrelas do meio-campo do Grêmio.
Mas não foi o que aconteceu. Desde abril, Jefferson está no Presídio Central. Parou na cadeia ao ser flagrado furtando eletrodomésticos de uma casa vizinha. Antes, havia deixado para trás, no Bairro Jardim Porto Alegre, em Alvorada, o rastro destruidor do crack.
Defendeu-se atirando café
Do lar da avó, de alvenaria, com três quartos, ficaram só as paredes quebradas e o piso. Em duas semanas, antes de ser preso, ele entregou eletrodomésticos, móveis, portas, janelas, forros, telhas e fios a traficantes. Segurando uma vassoura no pátio, ela lembrou seu último ato de resistência:
- Um desses (traficantes) chegou a me ameaçar, apontou uma arma. Joguei café nele e mandei atirar.
Ela não falou com mais ninguém nos últimos três meses. Magra e fraca, ela lamenta:
- Não sei o que eu fiz para merecer isso. Mas tá bom assim.
A avó vive sem luz, já não tem dinheiro para comprar gás e, para ter água, precisa encher os baldes na torneira da frente. Como não há telhas, restou refugiar-se na garagem.
Eva dorme em um pedaço de espuma, que um dia foi um colchão, com umas poucas cobertas. Um pano improvisado é o travesseiro. Nos últimos dias do neto em casa, ele dormia no colchão. Ela, em um tapete.
Precisa escapar das goteiras
Eva deita em um canto, que é um dos únicos espaços não atingidos pelas goteiras. Mas, quando chove para valer, a água entra por baixo da porta. Para se defender das noites frias, ela improvisou chapas de compensado nos buracos deixados pelo neto nas janelas da garagem.
Eva: "Não sou muito de comer"
Eva não sabe o que vai comer amanhã. O que ela chama de cozinha é um compensado sustentado por tijolos na garagem. Ali estão sacos com arroz, sal e café.
- Nunca fui muito de comer. Pego arroz, batata e compro um osso ou consigo com alguém - justifica.
Ela cozinha uma vez por semana com fogo feito no chão do pátio. Nos outros dias da semana, diz que come frio. Não tem dinheiro para o gás e, se tivesse, não compraria:
- Para que? Para me levarem o botijão de novo?
A tristeza é inegável quando ela caminha pelo "esqueleto" da casa e vê o espaço onde ficava a cozinha.
Reforma engoliu salário
Foi a segunda vez, em apenas dois anos, que Jefferson destruiu a residência. Depois da primeira, ainda trabalhando como cozinheira e vivendo com o marido, Eva se reergueu. Reformou e mobiliou tudo.
Endividou-se com empréstimos e, em março, desabou. O marido desistiu de brigar com Jefferson e foi embora. Então, a casa foi depenada novamente. Afastada do trabalho por artrose, vive com R$ 100 por mês. É a sobra da aposentadoria. O resto serve para pagar dívidas. E não tem a quem apelar. A mãe de Jefferson, sua filha, sumiu quando ele era pequeno. Seu outro filho, ela ouviu dizer que morreu.
Aos 15 anos, trocou a bola pelo crack
Desde que Jefferson era criança, sempre foi o xodó da avó. Eva ficou com a guarda e, com a ajuda do marido, encaminhou o menino.
- Estudou em colégio particular e começou a jogar no Grêmio. Às vezes, fico pensando o que aconteceu para o meu Jeffi cair assim.
O piá parou no segundo ano do Ensino Médio. Aos 14 anos, uma lesão séria num braço o tirou do Grêmio. Ainda tentou a sorte em outros times, mas, aos 15 anos, desistiu.
- Ele enchia a mochila de roupas e sumia - lembra a avó.
Eva só notou que a situação era crítica há dois anos, quando ele fez a primeira limpa na casa. Quando o marido desistiu, passou de avó à refém. Viu, impotente, seu quarto "sumir", trocado por crack.
A última esperança
Eva chora ao lembrar que o neto passou o aniversário na cadeia:
- Aquilo é um campo de guerra. Só espero que ele aprenda...
Na semana passada, conseguiu visitá-lo no Central. Foi quando arrumou dinheiro para o ônibus:
- Ainda confio que vamos reerguer nossas vidas.
Fonte: Eduardo Torres / DIÁRIO GAÚCHO
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