Um dos últimos românticos no futebol, lateral
ofensivo, com presença marcante na Seleção de 1974, no Botafogo, Flu e São
Paulo perde luta para o álcool
Marinho Chagas, em João Pessoa, na véspera de
passar mal e ser
internado na capital paraibana (Foto: Cadu Vieira/
GloboEsporte.com)
Para quem
acompanhou o futebol ainda romântico e total dos anos 1970 ao vivo, em vídeos
ou até pelo Canal 100, a imagem era clássica. Inesquecível. Bola pelo lado
esquerdo. Seja na seleção brasileira, onde foi o craque da Copa de 1974. Seja
no Botafogo, camisa que mais vestiu e exibiu sua técnica. Seja na terceira
versão da máquina do Fluminense, em 1977. Seja no São Paulo, onde foi campeão
paulista. Seja no americano Cosmos de Pelé, Beckenbauer, Carlos Alberto. Seja
no ABC, onde deu os primeiros passos, era comum ver as arrancadas de Francisco
das Chagas Marinho. O Marinho Chagas. O Marinho Bruxa, como era carinhosamente
chamado. Aquele dos longos cabelos louros que balançavam ao vento à medida que
dava velocidade às jogadas. Pinta de playboy, usava uma pulseirinha preta no
pulso e tinha um canhão, mas um tremendo canhão na perna direita. Era
lateral-esquerdo, mas era destro. E tinha também um furor incansável pelo
ataque. Foi um dos que melhor souberam avançar da defesa. Na Copa de 1974, onde
figurou na seleção dos melhores, não teve medo do carrossel holandês de Cruyff
& Cia. O Brasil foi eliminado, mas o lateral não queria saber de censura.
Partiu em direção ao gol até o fim do jogo, e teve até problemas com o goleiro
Emerson Leão por conta disso. Marinho era tão ousado que, na estreia pelo
Botafogo, jura ter tido personalidade suficiente para dar chapéu em Pelé. Pois
bem. Marinho Chagas, que também teve problemas sérios com o álcool depois que
parou de jogar, está morto, aos 62 anos.
A
informação foi confirmada na manhã deste domingo pela família do jogador. Ele
estava internado desde a tarde de sábado no Hospital de Emergência e Trauma de
João Pessoa, depois de passar mal num encontro que participava com
colecionadores de figurinhas de álbum de Copa do Mundo, na capital paraibana. Ele conversava com uma pequena multidão, quando começou a vomitar sangue
e foi levado para o hospital.
Inicialmente,
o ex-atleta foi levado para a Unidade de Pronto-Atendimento Oceania de João
Pessoa. E no local, foi diagnosticado com "hemorragia digestiva
alta". Como os médicos tiveram dificuldades para estabilizar o quadro
clínico do jogador e para estancar a hemorragia, ele foi transferido para o
Hospital de Emergência e Trauma, mais bem equipado para esse tipo de
procedimento.
No Trauma, os médicos colocaram um balão no estômago de Marinho Chagas, com o
objetivo de estancar a hemorragia, mas ainda assim seu quadro clínico
permaneceu “muito grave”. E por este motivo ele foi mantido
sedado.
Por volta
de 3h, ele não resistiu e morreu. Em conversa com a família, os médicos
disseram que o jogador chegou a tomar mais de 10 bolsas de sangue, para repor a
perda provocada pela hemorragia, mas que nem isto foi suficiente para reverter
o quadro grave que se instalou.
Confirmado
o óbito, a Prefeitura de Natal informou à família que vai providenciar o
traslado e o velório do ex-jogador. A promessa é que ele seja homenageado em
sua terra antes de ser enterrado.
Relembre a
trajetória do jogador
Marinho Chagas, ex-lateral
do Botafogo
Foto: Divulgação/Botafogo
Marinho
Chagas nasceu em Natal, capital do Rio Grande do Norte, em 1952. Começou a
jogar futebol pelo ABC, onde foi campeão potiguar de 1970, e ao longo da
carreira também registrou uma passagem pelo arquirrival América-RN. É
idolatrado em sua terra natal e um mês antes de sua morte foi homenageado com uma estátua de sete metros de altura, feita em sua
homenagem pelo artista plástico Guaraci Gabriel. Antes, em
fevereiro, já tinha sido homenageado com uma marchinha de carnaval, ao ser homenageado pelo bloco Jegue Empacado.
Apesar de
toda a fama que tem em sua terra, Marinho brilhou mesmo foi no Rio de Janeiro,
onde foi ídolo pelo Botafogo. Lateral-esquerdo tal qual Nilton Santos, ele foi
o dono da posição no Glorioso entre 1972 e 1977. E muito por isso considerado o
sucessor da Enciclopédia do Futebol.
Título,
inclusive, que muito honrava Marinho. Quando Nilton Santos morreu em novembro de 2013, o potiguar se disse
"muito abalado" com a perda e resumiu de forma impactante o que
sentia pelo bicampeão mundial:
- Figurar
entre os melhores jogadores da história do Botafogo é uma honra enorme, pois
este foi o único clube em que o meu maior ídolo jogou.
Ele também
se orgulhava de sua estreia pelo Botafogo, justamente contra o Santos de Pelé.
E dizia que logo no primeiro lance roubou a bola do Pelé e deu um lençol nele.
No seguinte, tocou entre as pernas do Rei.
Jogou a
Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, em que o Brasil terminou na quarta
colocação, após perder da Holanda na disputa por uma vaga na final e da Polônia
na decisão de 3º lugar. Mas mesmo com a eliminação, Marinho Chagas acabou sendo
eleito o melhor lateral-esquerdo daquele Mundial.
Quando
deixou o Alvinegro, em 1977, se transferiu para o Fluminense, onde jogou por
uma temporada. Mas, curiosamente, não ganhou nenhum título de destaque por
equipes cariocas.
O potiguar
ainda teve a honra de jogar ao lado de Pelé de Carlos Alberto Torres, quando
ele foi jogar no Cosmos dos Estados Unidos. No país, ainda jogou no Strikers.
Marinho Chagas na Copa do
Mundo de 1974: cabeleiras lhe renderam apelido de Bruxa
Foto: Reprodução / FifaTV
Quando
voltou ao Brasil, foi para vestir a camisa do São Paulo. Brilhou na equipe
paulista e conquistou em 1981 o título estadual pelo Tricolor. Antes de se
aposentar, ainda jogou por Bangu, Fortaleza e Augsburg, da Alemanha.
Mais
recentemente, vinha tendo problemas com o consumo de álcool, o que deixou sua
saúde muito debilitada.
No ano
passado, chegou a passar 10 dias internado na UTI de um hospital de Natal,
entre a vida e a morte, justamente por causa de uma hemorragia digestiva. Na
época, ele prometeu parar de beber para estar vivo na Copa do Mundo do Brasil,
que começa daqui a 11 dias.
Ao longo
desta última semana, contudo, estava bem. Nos dias que antecederam o evento,
deu entrevistas, falou sobre Copa do Mundo e sobre o Botafogo, seu clube do
coração.
Por Phelipe Caldas e Márcio Mará
João Pessoa e Rio de Janeiro
GloboEsporte.com
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