Na segunda-feira, duas mulheres foram encontradas carbonizadas em GravataíFoto: Bruno Alencastro / Agencia RBS
Mesmo sem alguns requintes dos tribunais
de Rio e São Paulo, a ousadia e a crueldade com que executam suas punições na
Região Metropolitana deixam autoridades em alerta.
- Geralmente são crimes que servem para
mostrar autoridade de uma liderança do tráfico e impor o medo a quem infringe
regras - explica o titular da 2º Delegacia de Homicídios (DHD) da Capital,
delegado Arthur Raldi.
Pelo levantamento do Diário Gaúcho, no mínimo
60% dos 855 homicídios na região em 2012 têm vinculação com o tráfico. O
governo estima em até 70% esta relação. Segundo Raldi, a perversidade dos
tribunais do tráfico gaúcho não se limita às vítimas. Quem mata, abusa da
ousadia e da crueldade. A recompensa vem em forma de status.
A partir da revelação, ontem, de um
julgamento sumário, o Diário Gaúcho elencou relações de crime e castigo do
mundo do tráfico.
Contra devedores:
crueldade para mostrar poder
Foram semanas de incursões com policiais
disfarçados entre as vielas improvisadas no terreno invadido do hospital que
hoje dá lugar à Vila Esqueleto, no Bairro Mario Quintana, à beira da Avenida
Protásio Alves, na Zona Norte da Capital. A meta: comprovar que aquele é um
terreno dominado pelos Bala na Cara. Quem quer morar ali, vira inquilino da
quadrilha.
A cena macabra de duas mulheres mortas,
amarradas a cadeiras, com sinais de facadas, espancamento e esganadura antes de
serem carbonizadas, em maio, revelou à polícia a dominação violenta. E
silenciou a comunidade.
Malandro tentou fugir
pelo telhado
No começo da manhã de ontem, agentes da 2ª
DHD prenderam os dois suspeitos de executarem Thais Pereira dos Santos e
Samantha Rithiely Bernarbe, ambas de 19 anos. Conhecido como Valdo, o homem de
25 anos mora em um sobrado, que chama atenção dentro de um cenário miserável.
Ele seria o "dono" da vila. Conforme os investigadores, receberia
armas e drogas dos Bala na Cara para exercer o comando.
Com a chegada dos agentes, tentou fugir
pelo telhado, mas acabou preso com um revólver calibre 38.
Outro homem pego, conhecido como Guilbert,
21 anos, seria o seu braço direito nas execuções.
Pessoas tremiam, com
medo
- No dia do crime, tivemos informações que
ligavam os dois ao duplo homicídio. Mas era só falar os nomes deles que as
pessoas tremiam, diziam ter medo de morrer e não falavam mais nada. O objetivo
deles era, provavelmente, impor respeito e dar o exemplo para quem não lhes
pagasse - revela o delegado.
Conforme a investigação, as amigas teriam
vivido durante meses em um casebre da Vila Esqueleto, mas não conseguiam pagar
os valores cobrados pela quadrilha, ainda não descobertos pela polícia.
Elas caíram numa tocaia
Ameaçadas, resolveram fugir dali só com a
roupa do corpo e viveram por 15 dias em Gravataí. Até serem atraídas para uma
emboscada.
- Uma mulher ligou dizendo que poderiam
voltar à vila para buscar coisas, que não aconteceria nada a elas - diz Raldi.
Em 22 de maio, quando elas voltaram à
vila, as famílias registraram o desaparecimento. No dia seguinte, os corpos
foram descobertos.
Contra viciados: a
parcela da crueldade
Tiros e os corpos de duas jovens
parcialmente incinerados em um matagal da Rua Paul Zivi, no Distrito Industrial
de Gravataí. A suspeita da polícia é de que o crime descoberto na madrugada de
segunda tenha sido uma pena imposta por traficantes a duas devedoras.
Na tentativa de pagar a dívida do vício no
crack, conforme a polícia, estariam se
prostituindo há menos de um mês nas margens da ERS-118, entre Sapucaia do Sul e
Gravataí.
A partir das digitais, elas foram
identificadas no DML como Tatiani Michele de Azevedo Camargo, 24 anos, e
Saralise Dotta, 25 anos. A mais velha teria dívida havia seis anos.
Saralise era moradora de Sapucaia até seis
anos atrás, quando a família descobriu seu envolvimento com o crack, juntamente
com um namorado. Já era tarde. Ela era procurada pelos patrões da boca para
pagar uma dívida que, a mãe sabia, com o vício só cresceria.
A solução encontrada foi retirá-la daquele
ambiente. Saralise foi viver em Garibaldi, na Serra. Cerca de três anos depois,
quando parecia recuperada, reencontrou o namorado e a dívida que a perseguia. A
recaída se deu com a volta à Região Metropolitana. Mas foi outra vez resgatada
pela família.
Matador conhecia o local
No final de julho, Saralise voltou a
Sapucaia. Dessa vez, para o aniversário de uma sobrinha. E sumiu. A mãe só
voltou a ter notícias dela no DML da Capital.
- Ao que tudo indica, foi um crime do
tráfico. Pelo menos um dos matadores é de Gravataí, porque aquele local é de
difícil acesso. Só quem conhece aquele lugar cometeria o crime ali - comenta o
chefe de investigações da 1ª DP de Gravataí, Jair Gonçalves.
Dois carros teriam chegado ao local no
meio da madrugada. As mulheres foram alvo de pelo menos quatro tiros.
Bolsas foram encontradas
Minutos depois, foi vista fumaça no
matagal. Elas estavam sem documentos. Junto aos corpos, a polícia encontrou
bolsas. A suspeita é de que a pena de morte tenha sido uma forma exemplar dos
criminosos punirem viciados com dívidas. Segundo a polícia, Tatiani tinha
antecedente por tráfico.
Contra vizinhos:
silêncio à bala
A sensação da impunidade pode ter
resultado em mais uma pena de morte a quem tentava ameaçar o poder do crime no
Bairro Santa Teresa, Zona Sul de Porto Alegre. Na noite de 12 de setembro deste
ano, conforme as primeiras suspeitas da polícia, a morte do vigilante Antônio
Luiz Pereira Folha, 31 anos, foi uma execução planejada pelos líderes do
tráfico no campinho da Rua Prisma.
Vigilante virou uma
ameaça
Há suspeitas de que o vigilante,
incomodado com a movimentação na frente de sua casa, ameaçava delatar os
adolescentes. Na noite do assassinato, ele foi atraído para o portão de casa e
morto com diversos disparos.
Para a polícia, este pode ter sido o preço
cobrado pelo tribunal do tráfico pelo silêncio da vizinhança.
Contra sócios: gatilho é
dos mais jovens
As execuções típicas dos tribunais do
tráfico gaúcho fogem das características comuns em mortes ligadas às drogas.
Unem, em geral, ousadia, crueldade e violência.
- É um crime que serve de exemplo. Em
geral, quem executa é alguém jovem, por isso a ousadia e a aparente ausência de
medo. Os mais velhos sabem que um crime desse tipo chama a atenção das
autoridades, por isso evitam se envolver diretamente - explica Raldi.
Adolescente é o
principal suspeito
Exemplo disso aconteceu na manhã de 12 de
setembro, quando dois homens não se importaram com o ônibus lotado na Avenida
Moab Caldas, na Vila Cruzeiro. Executaram André Luís da Rosa Rodrigues, o Dedé,
21 anos, dentro do coletivo. E fugiram sem correr.
Para a polícia, Dedé foi executado porque
devia a uma das quadrilhas atualmente em guerra por pontos de tráfico na região
da Vila Cruzeiro. Ele teria envolvimento com o tráfico e não honrou pagamentos.
Entre os suspeitos considerados pela 2ª DHD estaria um adolescente.
Contra rivais: inimigo
sem cabeça
Se a punição aos usuários em dívida ou a
quem tenta desafiar o poder do tráfico pode ser a morte, contra os inimigos o
tribunal determina finais ainda mais cruéis. Foi assim com Leandro Pinto
Tanhote, o Leandrinho, 27 anos.
Antigo patrão dos Bala na Cara na Vila dos
Sargentos, Bairro Serraria, na Zona Sul da Capital, ele virou jurado de morte
ao acumular uma dívida de R$ 10 mil. O comando para a sua morte, em agosto do
ano passado, teria partido de dentro da cadeia. Seus rivais e novos aliados da
facção aceitaram a missão e o fizeram de forma marcante.
Desfile para inimigos
verem
Leandrinho foi executado e decapitado.
Antes que a cabeça fosse jogada na Avenida Eduardo Prado, os inimigos teriam
desfilado pelas ruas da vila com ela sendo exibida como um troféu. Era o recado
do tribunal do tráfico para quem desafiasse a gangue.
Fonte:
Eduardo Torres / DIÁRIO
GAÚCHO
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