Confira a entrevista do presidente da OAB/RS, Claudio Lamachia, para o Grupo de Diários composto pelos jornais: Diário de Viamão; Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul; Diário Popular, de Pelotas; Jornal Ibiá, de Montenegro; Jornal Agora, de Rio Grande; A Razão, de Santa Maria; Diário Popular, de Rio Grande; O Diário, de Ivoti; e Jornal Minuano, de Bagé.
Grupo de Diários - "O Judiciário gaúcho está à beira de um colapso"
O presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil tem posicionamento claro sobre o papel da entidade diante da sociedade. Sem meias palavras, Claudio Lamachia defende uma atuação conjunta ao Poder Judiciário para combater a corrupção, reforçar a ética profissional e zelar pela transparência em governos e entidades políticas. Com postura firme, o mandatário da OAB/RS alerta para a falência do sistema prisional e reafirma: "O Judiciário gaúcho está à beira de um colapso".
Confira a entrevista na íntegra:
A OAB e o interior do Estado
Grupo de Diários - Por que a OAB/RS tem afirmado, em praticamente todas as cidades, que o Judiciário possui déficit de pessoal, o que, por sua vez, torna a Justiça lenta e compromete sua eficácia. De que forma a entidade está contribuindo para minimizar este problema?
Claudio Lamachia - O Judiciário gaúcho está à beira de um colapso. Nossa contribuição está na atuação conjunta ao Judiciário, em especial nas chamadas Comissões Mistas, para buscar soluções de problemas pontuais. No entanto, por mais esforço que se faça e por maior que seja a boa vontade das partes, há barreiras que parecem intransponíveis apenas pelo nosso trabalho. O Judiciário é um órgão eminentemente prestador de serviços, mas fica com sua capacidade de custeio limitada à Lei de Responsabilidade Fiscal. A lei é ótima - moralizadora - mas merece ser debatida mais a fundo quando o assunto é a Justiça. No Rio Grande do Sul existe um volume gigantesco de ações frente à capacidade instalada. E não me refiro às demandas em grau de recurso, mas de ações de 1º Grau. Em Porto Alegre, por exemplo, existem Varas da Fazenda Pública com mais de 70 mil processos. A maior parte das ações é alimentar, de pessoas idosas que dependem dessas verbas com urgência. Também buscamos de todas as formas uma solução para as filas intermináveis dos precatórios. O RS deve mais de R$ 8,5 bilhões, sendo o quarto maior devedor entre os estados brasileiros. No entanto, existe um saldo de aproximadamente R$ 350 milhões em conta para ser pago, porém, por falta de estrutura da Central de Precatórios, o Judiciário não consegue entregá-lo aos credores. Essa situação está prestes a ficar ainda pior. Desde o final de 2011, uma determinação do CNJ obriga o TJRS a reestatizar cartórios que atualmente são privados. Imagine o impacto que isso irá causar em todos os cartórios do Estado. A defasagem de servidores no RS atualmente é de aproximadamente 1,6 mil. Com a estatização, esse quadro será ampliado drasticamente. Quem atenderá a demanda, se não há possibilidade financeira de repor estes cargos? Há também outros debates importantes a serem realizados pela sociedade, que é o de um novo Pacto Federativo e o da reforma tributária. Atualmente, os estados e, principalmente os municípios, ficam muito enfraquecidos diante da disparidade da divisão dos recursos nacionais. A União fica com aproximadamente 60% de tudo o que é arrecadado, deixando Estados e Municípios, onde as riquezas são geradas, com fatias muito pequenas do bolo e com grandes responsabilidades de investimentos.
Lei da Ficha Limpa
GD - A Lei da Ficha Limpa diz que "são inelegíveis os que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado". Mas o artigo 1º diz que a condenação deve se dar por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio publico e enriquecimento ilícito. A interpretação geral da mídia não está equivocada quando ressalta apenas a condenação em órgão colegiado que resulte em suspensão de direitos políticos?
Lamachia - A interpretação, efetivamente, não pode ser genérica, mas sim nos casos elencados na Lei Complementar 135/2012. A lei da Ficha Limpa é um belo exemplo de como a força conjunta da sociedade e da opinião pública pode ajudar na depuração de um sistema político que vem sendo corroído pela corrupção e pela impunidade, no entanto, a lei é apenas um atestado de antecedentes, não de honestidade, comprometimento com a ética ou mesmo com o bem comum. A OAB, seja no Rio Grande do Sul ou em nível federal, sempre apoiou a causa. É preciso que fique claro que nenhuma inelegibilidade se baseia na ideia de culpa, mas na de proteção, segundo o declara a própria Constituição Federal. Não estamos diante de medidas de caráter punitivo, mas de regras de proteção às nossas instituições políticas. O princípio do estado de inocência não se aplica às inelegibilidades. Aqui, vigora outro princípio constitucional: o da proteção.
Eleições municipais
GD – Estamos diante de mais uma eleição e, nunca antes, a sociedade teve tanto acesso à informação como agora, em que a internet está cada vez mais presente na vida das pessoas. O senhor acha que isso torna o eleitor mais consciente?
Lamachia – Acredito que a sociedade já esteja se conscientizando do seu papel para as mudanças junto aos gestores públicos. Segundo a Constituição Federal o poder emana do povo e em nome dele deve ser exercido. A mobilização pela aprovação da Lei da Ficha Limpa, por exemplo, serve de modelo para outras ações. A sociedade está tomando consciência de que voto não tem preço, tem consequência, que é justamente esta crise ética sem precedentes como vemos no País. Ele é um direito conquistado, mas dá automaticamente o dever de fiscalizar os homens públicos em sua atuação frente ao cargo. Não podemos fugir do nosso dever em buscar melhorias. A Ordem lançou em 2007 um movimento chamado "Agora Chega!", integrado por dezenas de entidades da sociedade civil organizada, no qual defende uma série de bandeiras como o fim do voto secreto no Congresso Nacional, por exemplo. Esse é um tema que depois de anos esquecido no Senado federal entrou em pauta justamente pela mobilização da sociedade, especialmente pelas redes sociais, como Twitter e Facebook. O mundo mudou. Os movimentos atuais são diferentes daqueles que vivemos há 20 ou 30 anos. A mobilização mudou. O inimigo não é mais o totalitarismo de outrora, mas a corrupção pode corroer a nossa jovem democracia. Acredito sim, que estamos vivendo um momento de efervescência de uma geração cansada do quadro de impunidade que há no Brasil, e isso é muito salutar.
Sistema prisional gaúcho
GD - Como a OAB pode colaborar na solução para a crise no sistema prisional enfrentada pelo Estado?
Lamachia – A OAB/RS, juntamente com o Crea/RS e o Cremers tem feito tudo o que está ao seu alcance. Elaboramos laudos técnicos que demonstram a falência do sistema. As casas prisionais que visitamos, mais especificamente o Presídio Central e a Penitenciária Estadual do Jacuí, tornam impossível a ressocialização dos apenados. Isso é um desrespeito com toda a sociedade, pois o preso de menor potencial ofensivo sairá da prisão pós-graduado na escola do crime, com sede de vingança da sociedade e muito mais violento do que entrou. O caos está instituído e precisamos olhar para o problema de forma objetiva e séria. É fundamental que investimentos sejam feitos na ampliação do número de casas prisionais no Estado. O índice de reincidência entre os ex-presidiários é muito alto, o que comprova a tese de que o sistema, como temos hoje, está falido. Quem paga o preço por isso somos todos nós, cidadãos de bem, que vivemos gradeados em nossas casas e andamos na rua, com medo.
Grupo de Diários - "O Judiciário gaúcho está à beira de um colapso"
O presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil tem posicionamento claro sobre o papel da entidade diante da sociedade. Sem meias palavras, Claudio Lamachia defende uma atuação conjunta ao Poder Judiciário para combater a corrupção, reforçar a ética profissional e zelar pela transparência em governos e entidades políticas. Com postura firme, o mandatário da OAB/RS alerta para a falência do sistema prisional e reafirma: "O Judiciário gaúcho está à beira de um colapso".
Confira a entrevista na íntegra:
A OAB e o interior do Estado
Grupo de Diários - Por que a OAB/RS tem afirmado, em praticamente todas as cidades, que o Judiciário possui déficit de pessoal, o que, por sua vez, torna a Justiça lenta e compromete sua eficácia. De que forma a entidade está contribuindo para minimizar este problema?
Claudio Lamachia - O Judiciário gaúcho está à beira de um colapso. Nossa contribuição está na atuação conjunta ao Judiciário, em especial nas chamadas Comissões Mistas, para buscar soluções de problemas pontuais. No entanto, por mais esforço que se faça e por maior que seja a boa vontade das partes, há barreiras que parecem intransponíveis apenas pelo nosso trabalho. O Judiciário é um órgão eminentemente prestador de serviços, mas fica com sua capacidade de custeio limitada à Lei de Responsabilidade Fiscal. A lei é ótima - moralizadora - mas merece ser debatida mais a fundo quando o assunto é a Justiça. No Rio Grande do Sul existe um volume gigantesco de ações frente à capacidade instalada. E não me refiro às demandas em grau de recurso, mas de ações de 1º Grau. Em Porto Alegre, por exemplo, existem Varas da Fazenda Pública com mais de 70 mil processos. A maior parte das ações é alimentar, de pessoas idosas que dependem dessas verbas com urgência. Também buscamos de todas as formas uma solução para as filas intermináveis dos precatórios. O RS deve mais de R$ 8,5 bilhões, sendo o quarto maior devedor entre os estados brasileiros. No entanto, existe um saldo de aproximadamente R$ 350 milhões em conta para ser pago, porém, por falta de estrutura da Central de Precatórios, o Judiciário não consegue entregá-lo aos credores. Essa situação está prestes a ficar ainda pior. Desde o final de 2011, uma determinação do CNJ obriga o TJRS a reestatizar cartórios que atualmente são privados. Imagine o impacto que isso irá causar em todos os cartórios do Estado. A defasagem de servidores no RS atualmente é de aproximadamente 1,6 mil. Com a estatização, esse quadro será ampliado drasticamente. Quem atenderá a demanda, se não há possibilidade financeira de repor estes cargos? Há também outros debates importantes a serem realizados pela sociedade, que é o de um novo Pacto Federativo e o da reforma tributária. Atualmente, os estados e, principalmente os municípios, ficam muito enfraquecidos diante da disparidade da divisão dos recursos nacionais. A União fica com aproximadamente 60% de tudo o que é arrecadado, deixando Estados e Municípios, onde as riquezas são geradas, com fatias muito pequenas do bolo e com grandes responsabilidades de investimentos.
Lei da Ficha Limpa
GD - A Lei da Ficha Limpa diz que "são inelegíveis os que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado". Mas o artigo 1º diz que a condenação deve se dar por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio publico e enriquecimento ilícito. A interpretação geral da mídia não está equivocada quando ressalta apenas a condenação em órgão colegiado que resulte em suspensão de direitos políticos?
Lamachia - A interpretação, efetivamente, não pode ser genérica, mas sim nos casos elencados na Lei Complementar 135/2012. A lei da Ficha Limpa é um belo exemplo de como a força conjunta da sociedade e da opinião pública pode ajudar na depuração de um sistema político que vem sendo corroído pela corrupção e pela impunidade, no entanto, a lei é apenas um atestado de antecedentes, não de honestidade, comprometimento com a ética ou mesmo com o bem comum. A OAB, seja no Rio Grande do Sul ou em nível federal, sempre apoiou a causa. É preciso que fique claro que nenhuma inelegibilidade se baseia na ideia de culpa, mas na de proteção, segundo o declara a própria Constituição Federal. Não estamos diante de medidas de caráter punitivo, mas de regras de proteção às nossas instituições políticas. O princípio do estado de inocência não se aplica às inelegibilidades. Aqui, vigora outro princípio constitucional: o da proteção.
Eleições municipais
GD – Estamos diante de mais uma eleição e, nunca antes, a sociedade teve tanto acesso à informação como agora, em que a internet está cada vez mais presente na vida das pessoas. O senhor acha que isso torna o eleitor mais consciente?
Lamachia – Acredito que a sociedade já esteja se conscientizando do seu papel para as mudanças junto aos gestores públicos. Segundo a Constituição Federal o poder emana do povo e em nome dele deve ser exercido. A mobilização pela aprovação da Lei da Ficha Limpa, por exemplo, serve de modelo para outras ações. A sociedade está tomando consciência de que voto não tem preço, tem consequência, que é justamente esta crise ética sem precedentes como vemos no País. Ele é um direito conquistado, mas dá automaticamente o dever de fiscalizar os homens públicos em sua atuação frente ao cargo. Não podemos fugir do nosso dever em buscar melhorias. A Ordem lançou em 2007 um movimento chamado "Agora Chega!", integrado por dezenas de entidades da sociedade civil organizada, no qual defende uma série de bandeiras como o fim do voto secreto no Congresso Nacional, por exemplo. Esse é um tema que depois de anos esquecido no Senado federal entrou em pauta justamente pela mobilização da sociedade, especialmente pelas redes sociais, como Twitter e Facebook. O mundo mudou. Os movimentos atuais são diferentes daqueles que vivemos há 20 ou 30 anos. A mobilização mudou. O inimigo não é mais o totalitarismo de outrora, mas a corrupção pode corroer a nossa jovem democracia. Acredito sim, que estamos vivendo um momento de efervescência de uma geração cansada do quadro de impunidade que há no Brasil, e isso é muito salutar.
Sistema prisional gaúcho
GD - Como a OAB pode colaborar na solução para a crise no sistema prisional enfrentada pelo Estado?
Lamachia – A OAB/RS, juntamente com o Crea/RS e o Cremers tem feito tudo o que está ao seu alcance. Elaboramos laudos técnicos que demonstram a falência do sistema. As casas prisionais que visitamos, mais especificamente o Presídio Central e a Penitenciária Estadual do Jacuí, tornam impossível a ressocialização dos apenados. Isso é um desrespeito com toda a sociedade, pois o preso de menor potencial ofensivo sairá da prisão pós-graduado na escola do crime, com sede de vingança da sociedade e muito mais violento do que entrou. O caos está instituído e precisamos olhar para o problema de forma objetiva e séria. É fundamental que investimentos sejam feitos na ampliação do número de casas prisionais no Estado. O índice de reincidência entre os ex-presidiários é muito alto, o que comprova a tese de que o sistema, como temos hoje, está falido. Quem paga o preço por isso somos todos nós, cidadãos de bem, que vivemos gradeados em nossas casas e andamos na rua, com medo.
Fonte: OAB Rio Grande do Sul
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