Desembargadores também pediram avaliação da
atuação de juíza em audiência no RS
Além do
Ministério Público (MP) gaúcho, a Corregedoria do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP) abriu nessa quinta-feira uma reclamação disciplinar
para investigar a conduta de um promotor de Justiça que teria humilhado uma adolescente,
vítima de abuso sexual, durante uma audiência realizada em Júlio de Castilhos
em 2014.
Conforme
a assessoria de imprensa do CNMP, o promotor pode ser chamado a prestar
depoimento sobre o caso. A investigação é diversa da instaurada pelo MP gaúcho,
e a decisão não deve influir no julgamento do órgão do RS.
A
audiência ocorreu durante a instrução do processo que tramitava contra o pai da
adolescente. Ele era acusado de abusar e de engravidar a filha de 14
anos. Um exame de DNA comprovou que o bebê era filho do avô e a jovem
obteve autorização judicial para realizar um aborto.
Mudança
no depoimento e humilhação
Durante a
fase de inquérito policial, a jovem "apresentou relatos coerentes, sempre
apontando o réu (pai) como o autor fato, demonstrando apenas medo em contrariar
ou magoar sua genitora", segundo a Justiça. Em juízo, "já decorrido
mais de ano e tendo ocorrido o aborto, a vítima alterou a versão dos fatos,
afirmando que não queria que seu pai fosse preso".
Segundo o
processo, a jovem "afirmou ter engravidado de um namorado de colégio, mas
não quis fornecer o nome dele, alegou ter acusado o pai de estupro porque tinha
muito medo que ele descobrisse a gravidez e a maltratasse". Em audiência,
após a jovem mudar a versão, o promotor afirmou. "Tu tá mentindo agora ou
tava mentindo antes." "Mentindo antes, não agora", respondeu a
jovem.
A Justiça
relatou no processo trechos da audiência. "Tá, assim ó, tu pegou e tu fez,
tu já deu um depoimento antes (.), tu fez eu e a juíza autorizar um aborto e
agora tu te arrependeu assim? tu pode pra abrir as pernas e dá o rabo pra um
cara tu tem maturidade, tu é autossuficiente, e pra assumir uma criança tu
não tem? Sabe que tu é uma pessoa de muita sorte A., porque tu é menor de 18,
se tu fosse maior de 18 eu ia pedir a tua preventiva agora, pra tu ir lá na
Fase, pra te estuprarem lá e fazer tudo o que fazem com um menor de idade
lá", disse o promotor.
"Porque
tu é criminosa. tu é. (silêncio).. Bah se tu fosse minha filha, não vou nem
dizer o que eu faria.. não tem fundamento. Péssima educação teus pais deram pra
ti. Péssima educação. Tu não aprendeu nada nessa vida, nada mesmo. Vai ser
feito exame de DNA no feto. Não vai dar positivo nesse exame né?... ou vai?.
Vamo A. tu teve coragem de fazer o pior, matou uma criança, agora fica com essa
carinha de anjo, de ah. não vou falar nada. Não vai dar positivo esse exame de
DNA, vai dar negativo né!? Vai dá o quê nesse exame A.?"
"Negativo", respondeu a menor.
Caso
volta à tona
Os
desembargadores da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande
do Sul ficaram chocados com as falas do promotor após analisarem o
processo. Eles destacaram a omissão da juíza que conduzia a audiência por não
ter interferido na forma como o promotor tratou a adolescente.
O
julgamento do recurso de defesa do pai da adolescente no TJ ocorreu em 31 de
agosto. Ele teve a pena reduzida de 27 para 17 anos e continua preso.
Desembargadores
condenam postura de promotor
Para a
desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, "o promotor de Justiça
que atuou na solenidade a tratou como se ela fosse uma criminosa, esquecendo-se
que só tinha 14 anos de idade, era vítima de estupro e vivia um drama familiar
intenso e estava sozinha em uma audiência" "A menina necessitava de
apoio de quem conhece estes tristes fatos da vida e não de um acusador, pois a
função do promotor de Justiça é de proteção da vítima e, no caso, ao que tudo
indica, ele se sentiu ludibriado pela menina, por ter opinado favoravelmente ao
aborto e, posteriormente, ela não confirmar a denúncia. O pior de tudo isso é
que contou com a anuência da Magistrada, a qual permitiu que ele fosse
arrogante, grosseiro e ofensivo com uma adolescente. Um verdadeiro absurdo que
necessita providências", afirmou.
O
desembargador José Antônio Daltoé Cezar registrou que o promotor, "além de
não ter lido atentamente o processo, embora se disponha a participar de feito
em que se investiga a prática de violência sexual contra crianças e
adolescentes, não tem conhecimento algum da dinâmica do abuso sexual, bem como
confunde os institutos de direito penal, além de desconsiderar toda normativa
internacional e nacional, que disciplina a proteção de crianças e
adolescentes".
"Quem
conhece o mínimo necessário sobre a dinâmica do abuso sexual, sabe que
situações como aquelas apresentadas neste processo, quando a vítima, por razões
das mais diversas, muda versão para inocentar o abusador, são comuns e até
mesmo previsíveis, não tendo nada a ver com seu caráter, coragem ou mesmo
sinceridade", argumentou Cezar.
Fonte:
Correio do Povo e AE
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