sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Conselho Nacional do MP investigará conduta de promotor que teria humilhado adolescente

Desembargadores também pediram avaliação da atuação de juíza em audiência no RS

Além do Ministério Público (MP) gaúcho, a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) abriu nessa quinta-feira uma reclamação disciplinar para investigar a conduta de um promotor de Justiça que teria humilhado uma adolescente, vítima de abuso sexual, durante uma audiência realizada em Júlio de Castilhos em 2014. 

Conforme a assessoria de imprensa do CNMP, o promotor pode ser chamado a prestar depoimento sobre o caso. A investigação é diversa da instaurada pelo MP gaúcho, e a decisão não deve influir no julgamento do órgão do RS.

A audiência ocorreu durante a instrução do processo que tramitava contra o pai da adolescente. Ele era acusado de abusar e de engravidar a filha de 14 anos. Um exame de DNA comprovou que o bebê era filho do avô e a jovem obteve autorização judicial para realizar um aborto. 

Mudança no depoimento e humilhação 

Durante a fase de inquérito policial, a jovem "apresentou relatos coerentes, sempre apontando o réu (pai) como o autor fato, demonstrando apenas medo em contrariar ou magoar sua genitora", segundo a Justiça. Em juízo, "já decorrido mais de ano e tendo ocorrido o aborto, a vítima alterou a versão dos fatos, afirmando que não queria que seu pai fosse preso".

Segundo o processo, a jovem "afirmou ter engravidado de um namorado de colégio, mas não quis fornecer o nome dele, alegou ter acusado o pai de estupro porque tinha muito medo que ele descobrisse a gravidez e a maltratasse". Em audiência, após a jovem mudar a versão, o promotor afirmou. "Tu tá mentindo agora ou tava mentindo antes." "Mentindo antes, não agora", respondeu a jovem.

A Justiça relatou no processo trechos da audiência. "Tá, assim ó, tu pegou e tu fez, tu já deu um depoimento antes (.), tu fez eu e a juíza autorizar um aborto e agora tu te arrependeu assim? tu pode pra abrir as pernas e dá o rabo pra um cara tu tem maturidade, tu é autossuficiente, e pra assumir uma criança tu não tem? Sabe que tu é uma pessoa de muita sorte A., porque tu é menor de 18, se tu fosse maior de 18 eu ia pedir a tua preventiva agora, pra tu ir lá na Fase, pra te estuprarem lá e fazer tudo o que fazem com um menor de idade lá", disse o promotor.

"Porque tu é criminosa. tu é. (silêncio).. Bah se tu fosse minha filha, não vou nem dizer o que eu faria.. não tem fundamento. Péssima educação teus pais deram pra ti. Péssima educação. Tu não aprendeu nada nessa vida, nada mesmo. Vai ser feito exame de DNA no feto. Não vai dar positivo nesse exame né?... ou vai?. Vamo A. tu teve coragem de fazer o pior, matou uma criança, agora fica com essa carinha de anjo, de ah. não vou falar nada. Não vai dar positivo esse exame de DNA, vai dar negativo né!? Vai dá o quê nesse exame A.?" "Negativo", respondeu a menor.

Caso volta à tona

Os desembargadores da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul ficaram chocados com as falas do promotor após analisarem o processo. Eles destacaram a omissão da juíza que conduzia a audiência por não ter interferido na forma como o promotor tratou a adolescente. 

O julgamento do recurso de defesa do pai da adolescente no TJ ocorreu em 31 de agosto. Ele teve a pena reduzida de 27 para 17 anos e continua preso. 

Desembargadores condenam postura de promotor 

Para a desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, "o promotor de Justiça que atuou na solenidade a tratou como se ela fosse uma criminosa, esquecendo-se que só tinha 14 anos de idade, era vítima de estupro e vivia um drama familiar intenso e estava sozinha em uma audiência" "A menina necessitava de apoio de quem conhece estes tristes fatos da vida e não de um acusador, pois a função do promotor de Justiça é de proteção da vítima e, no caso, ao que tudo indica, ele se sentiu ludibriado pela menina, por ter opinado favoravelmente ao aborto e, posteriormente, ela não confirmar a denúncia. O pior de tudo isso é que contou com a anuência da Magistrada, a qual permitiu que ele fosse arrogante, grosseiro e ofensivo com uma adolescente. Um verdadeiro absurdo que necessita providências", afirmou.

O desembargador José Antônio Daltoé Cezar registrou que o promotor, "além de não ter lido atentamente o processo, embora se disponha a participar de feito em que se investiga a prática de violência sexual contra crianças e adolescentes, não tem conhecimento algum da dinâmica do abuso sexual, bem como confunde os institutos de direito penal, além de desconsiderar toda normativa internacional e nacional, que disciplina a proteção de crianças e adolescentes".

"Quem conhece o mínimo necessário sobre a dinâmica do abuso sexual, sabe que situações como aquelas apresentadas neste processo, quando a vítima, por razões das mais diversas, muda versão para inocentar o abusador, são comuns e até mesmo previsíveis, não tendo nada a ver com seu caráter, coragem ou mesmo sinceridade", argumentou Cezar. 


Fonte: Correio do Povo e AE

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