Desempregada, a recém-separada Tamires cria três filhos com a ajuda do Bolsa Família: R$ 2,30 por cabeça, por diaFoto: Mateus Bruxel / Agencia RBS
Na terceira e última
reportagem da série sobre os invisíveis (pessoas que vivem na pobreza em Porto
Alegre), o Diário Gaúcho mostra que o governo considera a falta de renda o
maior inimigo a ser vencido para eliminar a pobreza extrema no Brasil. Para a maior
cidade gaúcha, no ano passado, o Bolsa Família repassou R$ 74.080.772. No país,
em 2012, foram R$ 20 bilhões. Para 2013, serão R$ 24 bilhões.
Em janeiro, 95.301
famílias da Capital estavam no Cadastro Único - 44.642 recebem o Bolsa. E
enquanto a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) comemora a
abrangência de 97,94% entre as famílias extremamente pobres (até R$ 70 mensais
por pessoa) e pobres (de R$ 70 a R$ 140 mensais por pessoa), há quem siga
lutando para deixar de ser invisível. Especialistas criticam os critérios do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
Leia mais:
Nãos
Do dia para a
noite, com o fim do casamento, a renda per capita da família da industriária
desempregada Tamires da Rosa Ferreira, 25 anos, despencou 40%. Até duas semanas
atrás, quando recebeu a visita do Diário, a moradora de uma área invadida
identificada como Vila Montepio, no Bairro Mario Quintana, na Zona Norte da
Capital, tinha renda mensal de R$ 176,40 por pessoa (tem três filhos) - o então
marido ganhava R$ 600 como pedreiro. O restante do dinheiro era pago pelo Bolsa
Família (R$ 282). Segundo o Plano Brasil Sem Miséria, que considera pobres
famílias com renda entre R$ 70 e R$ 140 mensais por pessoa, ela estava fora
desta linha.
Porém, com a mudança
de vida repentina, Tamires viu a família ficar à beira da extrema pobreza. Ao
lado dos filhos Luis Felipe, nove meses, Nicolas, dois anos, e Hilary, sete
anos, passou a viver só com o dinheiro do programa social - equivale a R$ 70,50
mensais por morador (R$ 2,30 diários).
- A vida dá voltas
que não acreditamos. Se eu já tinha problemas mesmo com um bom salário, imagine
como ficarei agora, sozinha - contou Tamires, ao telefonar para o jornal,
revelando a novidade.
Ela ainda não havia
conversado com o ex-marido sobre a possível pensão aos filhos. Com as crianças,
Tamires seguirá morando na casa de madeira de um cômodo, sem banheiro, uma das
190 da invasão que não existe no mapa oficial da Capital.
Por enquanto, ainda
não avisou o Cadastro Único sobre a sua nova condição financeira, pois não sabe
como ficará a situação com o ex-marido.
- Fome não passamos.
Mas falta todo o resto. Por exemplo: não posso trabalhar porque não há creche
para os filhos. Não temos acesso a posto de saúde, pois a vila é irregular e
não tenho endereço. A luz e a água estão ilegais. Nossa vida é um amontoado de
"nãos" - resume Tamires.
Troquinho
Mas o desabafo da
industriária desempregada some entre as cifras destinadas aos extremamente
pobres da Capital. Segundo o MDS, o Bolsa Família repassou, em março, R$
7.675.586 aos beneficiários. Para especialistas, os valores não são
suficientes. O sociólogo Aloisio Ruscheinsky, professor e pesquisador na
Unisinos no projeto que analisa políticas sociais para a superação da pobreza
na América Latina, diz que é necessário avaliar a questão da autoestima - o que
combate o sentimento de vergonha, abordado na reportagem de ontem:
- No Brasil, é
preciso sair da dimensão econômica e distribuir outras dimensões, como
qualificar a mão de obra dos que usam o programa e acompanhar melhorias no
entorno das casas. As famílias não podem ficar apenas se submetendo a "troquinhos".
No Chile, por exemplo, trabalha-se a autoestima.
Já o professor de
Economia da Pobreza na Ufrgs Flávio Comim, que pesquisa a pobreza em Porto
Alegre e no Brasil há mais de uma década, é ainda mais enfático sobre a
questão. E alerta:
- Sabemos que a renda
é importante, mas ela é um indicador imperfeito de bem-estar, porque as pessoas
são diferentes. Então, a maneira pela qual elas convertem estas rendas, nos dá
um indicador que é tão imperfeito, que, oficialmente, as pessoas podem não ser
objeto da política pública. Podem não ser consideradas pobres, mas podem ser
pobres.
O argumento de quem
convive diretamente com a pobreza é de que só o combate à baixa renda não
elimina outros problemas que acompanham famílias nesta situação. Há dez anos
atendendo em postos do Extremo-Sul e das Ilhas, o médico de família Fabiano
Barrionuevo revela:
- Onde tem equipes de
saúde da família, percebe-se a melhora na saúde dos pacientes. Mas não tem como
ter saúde plena sem escola, sem higiene. A gente orienta, mas as condições não
ajudam para atingirem hábitos saudáveis.
Vigilância
O MDS reconhece a
necessidade de se ampliar o serviço. No final de março, durante cerimônia para
anunciar o fim da extrema pobreza entre os beneficiários do Bolsa Família, o
secretário nacional de Renda de Cidadania do ministério, Luís Henrique Paiva,
afirmou que a transferência de renda é apenas o começo:
- A extrema pobreza,
assim como a pobreza, é um fenômeno multidimensional. A extrema pobreza
monetária é uma face desta situação. Por isso, o governo quer alcançar essas
famílias não apenas com a renda e com o cadastramento, mas também com um
conjunto de serviços (de acesso à assistência social, de inclusão na rede de
saúde, entre outros...).
Já o presidente da
Fasc, Kevin Krieger, ressalta a pretensão de chegar a todos os moradores da
Capital:
- Superamos as metas
e somos uma das cidades com o trabalho mais avançado. Para tentar chegar a
todos os moradores de Porto Alegre, criamos um setor chamado Vigilância. Com
ele, começamos a averiguar o território para encontrar pessoas fora dos
programas. Já pensamos, inclusive, num Cras móvel, para ir às regiões mais
distantes.
Se for até a
Restinga, a Vigilância acabará encontrando a família do ex-jóquei amador Adão
Jesus César de César, 58 anos, na Vila Chácara do Banco. Ele, a mulher Maria
Helena, 50 anos, e os quatro filhos, com idades entre dez e 20 anos, tiveram a
história contada no primeiro dia da série Invisíveis. A família mora em um
estábulo e não tem renda fixa. Vive de doações: sobram roupas, mas faltam
alimentos. Catar frutas e verduras num lixão irregular é uma forma que a
família encontrou para driblar as agruras.
Leia a matéria completa no Diário Gaúcho desta sexta-feira, 19
de abril.
Fonte: Aline Custódio (textos) e Mateus Bruxel (fotos) | DIÁRIO GAÚCHO
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