José e Edit em sua casa em Colombo: Rafael fugiu
de quatro internações
Céu e inferno. Sonho e
pesadelo. Vida e morte. Essas figuras de linguagem tornaram-se recorrentes na
vida da família de Rafael Nunes da Silva, de 31 anos, o ex-modelo e morador de
rua de Curitiba que ganhou fama ao ter sua foto publicada no Facebook. Com essas
palavras os pais retratam o calvário imposto pela dependência química do rapaz
e a esperança diante do internamento em uma clínica para reabilitação. “Se
existir algo pior que as drogas, deve ser o inferno. Rafael estava morto. A
nova data de nascimento dele é o dia em que foi internado”, diz a mãe Edit
Claurele Nunes.
A história talvez se
pareça com a de tantos moradores de rua sem traços europeus e que não tiveram
fotos replicadas na internet. Rafael passou uma infância tranquila ao lado dos
pais e de três irmãos, na cidade gaúcha de Tenente Portela. O menino loiro de olhos
azuis e covinha no queixo já mostrava qualidades que mais tarde seriam
aproveitadas no mundo da moda. Gostava de roupas limpas e cabelo cortado. “Ele
era muito vaidoso”, lembra o pai José Nunes da Silva.
Em 1994, a família se mudou para Farroupilha
(RS). Na adolescência, José nem percebeu que um amigo dos filhos, um guri
boa-praça e conversador, era traficante. “Ele convidava o Fernando [irmão de
Rafael] para jogar futebol, mas na verdade era por causa de droga. Quando
acordei, já era tarde.” Foi o primeiro contato deles com entorpecentes.
A dependência
A família recorreu ao
trabalho para livrá-los das drogas. Em 1999, o pai, mestre de obras, recebeu
proposta para trabalhar em Sinop (MS). Rafael deslanchou na profissão. “Era meu
braço direito. Era o único em quem eu podia confiar para ‘bater um esquadro’
[fazer medições para a construção]”, orgulha-se o pai.
Com o sucesso
profissional, os filhos passaram a ganhar mais: R$ 30 por dia cada um. Com mais
dinheiro, se perderam no vício. Edit buscou ajuda em postos de saúde e tentou
internar Rafael. Apesar dos esforços, a situação fugiu do controle. Os irmãos
chegaram a brigar em casa por causa de drogas. Para acalmar os ânimos, Rafael
foi mandado para Curitiba, onde morava a irmã Fabiana.
Era 2002, e o rapaz
logo foi descoberto por uma agência de modelos em Curitiba. Chegou a fazer
desfiles e campanhas publicitárias, mas quando faria o trabalho de maior
repercussão, um comercial de tevê, levou outra rasteira. “Ele usou drogas no
dia anterior e perdeu o horário da gravação”, diz a mãe. Em 2006, os pais se
mudaram para Colombo atrás de tratamento de visão para José, que é deficiente
visual. Rafael já tinha perdido a profissão de modelo. A fuga para as ruas era
questão de tempo.
Drogas levaram Rafael a bater no pai e na mãe
Nos últimos três anos,
a família viveu o período mais sombrio da dependência química de Rafael. O
rapaz se tornou agressivo. Chegou a bater duas vezes no pai e ameaçou a mãe.
Volta e meia a polícia tinha de ser acionada para conter o ex-modelo, em surtos
provocados pela abstinência.
A família começou a
peregrinar em busca de ajuda. As andanças eram feitas de ônibus e a pé, com
Edit arrastando José pelas ruas – ele já sem visão. Rafael chegou a ser
internado por quatro vezes, mas fugia em dois ou três dias. Também passou a
vender roupas e objetos pessoais para comprar crack. “Nem sei quantas vezes
choramos. Daria um rio de lágrimas”, diz Edit.
Há um ano, veio “o
fundo do poço”. Rafael saiu de casa e passou a morar na rua. Os pais perderam
as contas de quantas vezes perambularam procurando o filho. Em um período mais
crítico, a família ficou dois meses e meio sem notícias. Desesperados, os pais
passaram a zanzar por hospitais e pelo Instituto Médico-Legal. “É dolorido você
ir ao IML procurar seu filho. Naquele instante, você vai à loucura”, traduz
José.
Esperança
Internamento renova esperança
da família; irmão superou o vício
Os olhos claros de Edit
brilham ao falar do futuro. A fama instantânea das mídias sociais fez com que
uma clínica de Araçoiaba da Serra (SP) oferecesse tratamento gratuito a Rafael
por um ano. A família se anima ao receber notícias todos os dias. “A gente
sempre quis isso. A oportunidade de ele se curar”, diz a mãe. Os pais vivem da
aposentadoria de José, sem condições para custear um tratamento particular.
Agora, vislumbram o retorno do filho. José sonha com churrascos sob as árvores
frondosas do quintal e com os netos correndo pelo gramado florido do jardim.
“Quero reunir todos os filhos na mesma mesa”, diz.
O irmão mais velho de
Rafael, Fernando, conseguiu se livrar da dependência química. Casado, leva uma
vida normal em Paranaguá. A postura mais aberta em relação às drogas e a ajuda
da família foram decisivas para a recuperação. “Ele nos ouvia mais”, diz José.
O impulso que faltava veio com a gravidez da irmã Rubiana. Ele foi convidado
para ser padrinho da criança, caso vencesse a dependência química. E assim
aconteceu. “Ele se internou espontaneamente e se curou. O Pedrinho [filho de
Rubiana] foi importantíssimo.”
Fonte:
GAZETA DO POVO
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