Pedro Lacerda passou mais de 29 anos longe dos parentes
Homem resgatado de trabalho escravo reencontra
família | Foto: André Ávila
Você não lembra como foi? A pergunta é de Pedro
Haas Lacerda, 67 anos, para a irmã Maria, 81. A cabeça da senhora balança em
negativa e ele desata um nó de mais de 70 anos, revelando parte da vida da
idosa, esquecida pelo tempo. Maria foi levada à força quando tinha 8 anos na
localidade de João Rodrigues, interior de Rio Pardo. Após o crime, ela mudou de
nome — passou a ser chamada de Júlia — e foi levada para o interior de São
Sepé, na região Central do Estado. A irmã mais velha da família de sete
filhos só voltou para a cidade após 64 anos do sequestro, em 1997, para
encontrar a certidão de nascimento e trocar de nome. Mas não foi dessa vez que ela
conheceria o irmão. Foi preciso que a história de Pedro ganhasse as páginas do Correio do Povo nas
edições dos dias 14 e 15 de dezembro para que ficassem frente a frente.
Pedro foi encontrado em Rio Pardo em situação análoga ao trabalho escravo, que perdurou por mais de 29 anos. Ele foi o único trabalhador resgatado neste ano no Rio Grande do Sul a partir de uma força-tarefa entre Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Federal. Mas finalmente os irmãos se conheceram, dias após a publicação da reportagem, na fazenda onde ele ainda está, no interior de Rio Pardo. Ao ver Maria, Pedro não se conteve e chorou ao lado dela, que também não segurou as lágrimas. E um silêncio marcou os minutos seguintes. Queriam se ver, entender o que significava aquele momento. “Mas como são parecidos”, disse uma voz ao fundo. Apesar da semelhança, Pedro queria “tirar a história a limpo”.
Desconfiado, perguntou nomes dos pais, irmãos e ainda confirmou a história do rapto. E a cada nó que ia se fechando, o idoso tinha mais certeza que aqueles que estavam à sua frente faziam parte de sua família. Maria não foi sozinha para Rio Pardo. Veio com a filha Eva Lucia Lacerda da Rosa, 64 anos, e com os dois netos João Valdeck Lacerda da Rosa, 46 anos, e Juliano Lacerda da Rosa, 30 anos. O grupo ficou surpreso ao ver as condições degradantes em que Pedro vive. “Nossa, mas como uma pessoa pode morar assim?”, questionou-se a filha de Maria.
No local não há luz, água encanada ou banheiro. E antes de ser descoberto pela assistência social do município, precisava esperar chover para recolher água para beber. Ou, então, optar pela água barrenta de uma lagoa, distante um quilômetro da moradia. No mesmo local, ele tomava banho, independentemente das condições climáticas. Meio sem jeito, Pedro apresentou a moradia — dividida em três casas pequenas — para a família. Mas o olhar de espanto dos quatro parentes se mantinha a cada passo que davam. “Você não tem medo de ficar aqui sozinho?”, questionou Maria acostumada com a família à sua volta. “Não, de jeito algum”, disse Pedro. Por meio da oração, puxada pelo sobrinho-neto de Pedro, que terminou o encontro dos irmãos, de mais de duas horas. “Podemos rezar?”, pergunta Juliano ao tio-avô, erguendo uma Bíblia até a altura do peito. E a cada trecho dito pelo jovem, o idoso repetia na sequência. Por último, uma frase resumiu aquele momento: “Te agradeço pela minha salvação”. Depois da oração, já no caminho para a Frontier dos parentes, Pedro expressou o que significava aquele encontro inesperado, com uma simplicidade incomparável: “Neste domingo, ganhei um ano de vida”.
Sumiço deixou pais transtornados
Pedro contou que o sumiço de Maria marcou a família. “Quando nossa mãe, Ana Haas, escutava seu nome, desmaiava.” O idoso relembrou a história, que era dita inúmeras vezes pelo pai Amadelino Ramão Lacerda Lopes. Maria estava sentada em um burro. Saiu para fazer compras a pedido do homem que a levou. O irmão João, que tinha 5 anos, foi junto. As crianças seguiram com um casal até a beira do rio Jacuí. João ficou, e ela foi levada. Pedro conta que o pai praticamente enlouqueceu. “Enquanto a procurava ele dizia: ‘Maria, onde é que você está? Me dá um grito que eu te busco’.” Chegou a descer o rio acompanhado de um militar, em direção ao Centro do Estado.
Mas os autores do sequestro foram no caminho inverso, para Porto Alegre. Maria revela que chegaram a vesti-la de menino. O dia do aniversário foi trocado. A vida mudou após começar a trabalhar em uma fazenda em São Sepé. O nome Júlia foi usado por ela até os 64 anos, mas, por insistência do ex-marido, foi atrás de sua história.
Parentes darão apoio na Justiça
Os “novos” parentes de Pedro devem ajudar o idoso a reivindicar valores, que giram em torno de R$ 25 mil, relativos a verbas trabalhistas e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O sobrinho-neto João Valdeck explicou que um advogado da família ficará responsável pela abertura do processo e acompanhará o cumprimento do termo de ajustamento de conduta (TAC), assinado entre o empregador de Pedro e o Ministério Público do Trabalho. Pelo documento, ficou acertado que Pedro deve receber ainda R$ 30 mil, pelo dano moral, que foi convertido na compra de imóvel. A aquisição deve ocorrer até 14 de janeiro, 90 dias depois da assinatura do TAC. Caso isso não ocorra, haverá multa de R$ 50 mil.
No encontro, questionaram se ele desejava mudar de cidade e morar com a família em São Sepé. Pedro afirmou que quer ficar na cidade de Rio Pardo, por ser sua terra natal e onde ele se sente mais à vontade. “Adoro esse lugar”, resumiu.
Pedro foi encontrado em Rio Pardo em situação análoga ao trabalho escravo, que perdurou por mais de 29 anos. Ele foi o único trabalhador resgatado neste ano no Rio Grande do Sul a partir de uma força-tarefa entre Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Federal. Mas finalmente os irmãos se conheceram, dias após a publicação da reportagem, na fazenda onde ele ainda está, no interior de Rio Pardo. Ao ver Maria, Pedro não se conteve e chorou ao lado dela, que também não segurou as lágrimas. E um silêncio marcou os minutos seguintes. Queriam se ver, entender o que significava aquele momento. “Mas como são parecidos”, disse uma voz ao fundo. Apesar da semelhança, Pedro queria “tirar a história a limpo”.
Desconfiado, perguntou nomes dos pais, irmãos e ainda confirmou a história do rapto. E a cada nó que ia se fechando, o idoso tinha mais certeza que aqueles que estavam à sua frente faziam parte de sua família. Maria não foi sozinha para Rio Pardo. Veio com a filha Eva Lucia Lacerda da Rosa, 64 anos, e com os dois netos João Valdeck Lacerda da Rosa, 46 anos, e Juliano Lacerda da Rosa, 30 anos. O grupo ficou surpreso ao ver as condições degradantes em que Pedro vive. “Nossa, mas como uma pessoa pode morar assim?”, questionou-se a filha de Maria.
No local não há luz, água encanada ou banheiro. E antes de ser descoberto pela assistência social do município, precisava esperar chover para recolher água para beber. Ou, então, optar pela água barrenta de uma lagoa, distante um quilômetro da moradia. No mesmo local, ele tomava banho, independentemente das condições climáticas. Meio sem jeito, Pedro apresentou a moradia — dividida em três casas pequenas — para a família. Mas o olhar de espanto dos quatro parentes se mantinha a cada passo que davam. “Você não tem medo de ficar aqui sozinho?”, questionou Maria acostumada com a família à sua volta. “Não, de jeito algum”, disse Pedro. Por meio da oração, puxada pelo sobrinho-neto de Pedro, que terminou o encontro dos irmãos, de mais de duas horas. “Podemos rezar?”, pergunta Juliano ao tio-avô, erguendo uma Bíblia até a altura do peito. E a cada trecho dito pelo jovem, o idoso repetia na sequência. Por último, uma frase resumiu aquele momento: “Te agradeço pela minha salvação”. Depois da oração, já no caminho para a Frontier dos parentes, Pedro expressou o que significava aquele encontro inesperado, com uma simplicidade incomparável: “Neste domingo, ganhei um ano de vida”.
Sumiço deixou pais transtornados
Pedro contou que o sumiço de Maria marcou a família. “Quando nossa mãe, Ana Haas, escutava seu nome, desmaiava.” O idoso relembrou a história, que era dita inúmeras vezes pelo pai Amadelino Ramão Lacerda Lopes. Maria estava sentada em um burro. Saiu para fazer compras a pedido do homem que a levou. O irmão João, que tinha 5 anos, foi junto. As crianças seguiram com um casal até a beira do rio Jacuí. João ficou, e ela foi levada. Pedro conta que o pai praticamente enlouqueceu. “Enquanto a procurava ele dizia: ‘Maria, onde é que você está? Me dá um grito que eu te busco’.” Chegou a descer o rio acompanhado de um militar, em direção ao Centro do Estado.
Mas os autores do sequestro foram no caminho inverso, para Porto Alegre. Maria revela que chegaram a vesti-la de menino. O dia do aniversário foi trocado. A vida mudou após começar a trabalhar em uma fazenda em São Sepé. O nome Júlia foi usado por ela até os 64 anos, mas, por insistência do ex-marido, foi atrás de sua história.
Parentes darão apoio na Justiça
Os “novos” parentes de Pedro devem ajudar o idoso a reivindicar valores, que giram em torno de R$ 25 mil, relativos a verbas trabalhistas e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O sobrinho-neto João Valdeck explicou que um advogado da família ficará responsável pela abertura do processo e acompanhará o cumprimento do termo de ajustamento de conduta (TAC), assinado entre o empregador de Pedro e o Ministério Público do Trabalho. Pelo documento, ficou acertado que Pedro deve receber ainda R$ 30 mil, pelo dano moral, que foi convertido na compra de imóvel. A aquisição deve ocorrer até 14 de janeiro, 90 dias depois da assinatura do TAC. Caso isso não ocorra, haverá multa de R$ 50 mil.
No encontro, questionaram se ele desejava mudar de cidade e morar com a família em São Sepé. Pedro afirmou que quer ficar na cidade de Rio Pardo, por ser sua terra natal e onde ele se sente mais à vontade. “Adoro esse lugar”, resumiu.
Hygino Vasconcellos
Correio do Povo
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