segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Em Taiwan, Iruan se emociona ao depositar as cinzas do pai em columbário

Dez anos depois de ter sido tirado à força da casa dos parentes taiwaneses, ele voltou à cidade de Kaohsiung

Em Taiwan, Iruan se emociona ao depositar as cinzas do pai em columbário Marcelo Gonzatto/zero Hora
Com o tio Teng Shu Wu, Iruan carregou a urna contendo as cinzas do paiFoto: Marcelo Gonzatto / zero Hora

A viela sossegada de uma zona de pescadores na cidade de Kaohsiung, no sul de Taiwan, encheu-se neste domingo com a balbúrdia de jornalistas, vizinhos, familiares e curiosos para receber o gaúcho Iruan Ergui Wu, 18 anos.

O retorno do jovem à mesma casa de onde foi tirado à força há 10 anos, e sua visita ao columbário em que estão depositadas as cinzas de seu pai, morto em 2001, fizeram do domingo o dia mais emotivo desde o retorno de Iruan ao país – e reforçaram a “Iruanmania” que varre a ilha oriental.

Grandes bandeiras do Brasil e de Taiwan decoravam a fachada do sobrado estreito de três pisos onde o então menino viveu dos cinco aos oito anos, período em que o tio paterno taiwanês Huo Yen Wu e a avó materna brasileira Rosa Leocádia Ergui disputaram sua guarda na Justiça e deram ao caso repercussão internacional. Dentro da residência, fotos e recordações penduradas nas paredes, ao lado de balões coloridos, celebravam a volta do antigo morador.

Estavam lá a camisa da Seleção autografada que Ronaldinho Gaúcho ofereceu ao conterrâneo ainda durante a batalha legal, o uniforme do Grêmio que o menino usava antes de virar colorado, fotos dele na escola e até brincando em uma banheira. Iruan, cercado por centenas de pessoas, sentou-se no mesmo sofá de onde policiais o puxaram em 2004 para começar o caminho de volta ao Brasil. Foi cercado, abraçado e beijado.

– Eu lembrava de bastante coisa daqui, mas voltar me fez recordar ainda mais. Estou muito feliz com a recepção e o carinho – afirmou o jovem.

Ele não foi o único a puxar pela memória. O primo Terry Wu, 32 anos, rememorou as inúmeras vezes em que o menino corria por aquela mesma ruazinha passando de casa em casa de diferentes familiares e, em cada uma, beliscando algo para comer.

– Por isso ele era tão gordinho. Agora está mais magro – brincou o familiar.

Jovem deve viajar pelo país

Em seguida, um almoço em um restaurante das proximidades selou em definitivo a paz entre os ramos familiares. O tio, Huo Yen Wu, agradeceu à mãe adotiva de Iruan, Etna Borkert, o trabalho feito para criá-lo. Emocionado com a presença do sobrinho, Wu ficou ao lado dele todo o tempo. Por vezes, colocava cerejas diretamente em sua boca.

Outros familiares, igualmente comovidos com o retorno, pareciam não se dar conta de que Iruan esqueceu o mandarim após 10 anos de ausência. Falavam com ele, gesticulavam, apontavam uns para os outros e faziam perguntas que, obviamente, só recebiam sorrisos meio sem jeito como resposta. Uma vizinha finalmente entregou um par de cartas que disse ter escrito para ele durante sua ausência mas, por receio de que jamais fossem entregues, preferiu guardá-las consigo. Ontem, chorando, finalmente repassou-as ao destinatário.

Depois da refeição, Iruan se despediu novamente dos tios para continuar a viagem organizada pela Fundação da Missão Católica de Taiwan pelo país. Na sexta-feira, ele deverá retornar à mesma casa para três dias de novas celebrações. Afinal, foram 10 anos de ausência.

Pausa para a despedida

– Pai, é o Iruan.

Com essa frase e abraçado à urna contendo as cinzas paternas, o jovem gaúcho deu início à cerimônia religiosa em homenagem à memória do marinheiro taiwanês Teng Shu Wu. Ele morreu em 2001, justamente quando estava em Taiwan com o filho para visitar parentes. Foi a morte do marinheiro, por ataque cardíaco, que resultou na disputa legal envolvendo familiares do Brasil e de Taiwan.

Seguindo um ritual taoísta, Iruan, ao lado do tio, Huo Yen Wu, e da mãe, Etna Borkert, conduziu a urna de seu antigo local de abrigo para um novo columbário em um cemitério de Kaohsiung.

Acompanhado de perto por dezenas de repórteres, que tiveram autorização da família para registrar a cerimônia, o jovem deixou de lado o ar costumeiro de sobriedade e chorou bastante. Depois de um ritual diante de uma mesa repleta de frutas e peixes, a urna foi depositada em uma nova gaveta sob o som de um sino tocado por um religioso.

Iruan afirmou que aproveitou a oportunidade para conversar com seu pai, sem entrar em detalhes. Em seguida, deixou o local amparado pela mãe e pelo irmão adotivo, Cássio Borkert. Estava partindo rumo a sua antiga casa em Taiwan, onde só a alegria teria vez.

Disputa envolveu dois países

Os detalhes da batalha judicial pelo menino entre familiares brasileiros e taiwaneses:

- Iruan é filho de uma brasileira, Marisa Ergui Tavares, com um marinheiro taiwanês, Teng Shu Wu. Marisa morre quando o filho tem apenas três anos.

- Iruan passa a ser criado em Canoas pela avó materna, Rosa Leocádia Ergui. Em março de 2001, o pai o leva para visitar os parentes taiwaneses, mas morre de causas naturais poucos dias depois, em Taiwan.

- O tio taiwanês, Huo Yen Wu, entende que o menino, então com cinco anos, deveria ficar em Taiwan. Tem início uma dura batalha judicial da família em Taiwan com a brasileira.

- O caso ganha repercussão nacional e, posteriormente, internacional. São realizados mobilizações, protestos e até propostas de boicote a produtos de Taiwan. Os governos de Brasil e Taiwan chegam a se manifestar oficialmente sobre o caso.

- Em 2002, sai uma primeira decisão da Justiça taiwanesa em favor da família brasileira. Porém, recursos retardam o julgamento final até novembro de 2003.

- Em fevereiro de 2004, para cumprir a decisão judicial taiwanesa, a polícia retira Iruan à força da casa dos tios. No dia 12, ele desembarca no Brasil.

- Depois de seu retorno, como a avó enfrentava problemas de saúde, Iruan acaba adotado pela diretora de sua antiga pré-escola, Etna Borkert. A avó materna de Iruan morre no segundo semestre de 2013.

- Na sexta-feira passada, uma década após sua saída traumática de Taiwan, o jovem gaúcho volta para o país oriental e reencontra – sob grande interesse da imprensa local – tios e primos com quem viveu por três anos.

Fonte: Marcelo Gonzatto, enviado especial a Taiwan | ZERO HORA

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