Urgência
da situação sanitária, com o avanço do número de infectados pelo novo
coronavírus, fez com que o Congresso Nacional aprovasse uma medida provisória
do governo federal que dispensava licitação
Irregularidades são identificadas em diferentes aspectos
A operação da Polícia Federal (PF) deflagrada quarta-feira no Pará, que investiga supostas fraudes na compra de respiradores, essenciais para o tratamento de vítimas em estado grave da Covid-19, dá sequência a uma série de ações similares vistas em vários pontos do País. Quinze Estados e o Distrito Federal apuram irregularidades no uso de verbas que deveriam ser destinadas ao combate à pandemia.
A
urgência da situação sanitária, com o avanço do número de infectados pelo novo
coronavírus, fez com que o Congresso Nacional aprovasse uma medida provisória
do governo federal que dispensava licitação, durante o período de calamidade
pública, na compra de equipamentos necessários. Assim, ficou mais fácil e
rápido a governadores e prefeitos de todo o Brasil adquirir máscaras, luvas,
álcool gel, ventiladores pulmonares (respiradores) e outros itens hospitalares.
Porém, como um ônus à medida, também abriu-se uma brecha para falcatruas.
No Pará, um dos alvos
da Operação "Para Bellum" (prepare-se para a guerra, em
latim) é o governador Helder Barbalho (MDB), que não é o
único chefe de Estado suspeito. No Rio, acontece o mesmo
com Wilson Witzel (PSC), e, em Santa Catarina, Carlos
Moisés (PSL) também faz parte da investigação. Barbalho assinou a compra dos
equipamentos no valor de R$ 50,4 milhões ao Pará. Desse total, metade do
pagamento foi feito de forma antecipada à empresa fornecedora, a SKN do
Brasil.
Os
respiradores, além de demorarem para chegar, mostraram-se inúteis porque eram
de um modelo diferente do contratado e não serviam para o tratamento. Foram devolvidos,
mas o estrago já estava feito. Em nota, o governo disse que os cofres foram
ressarcidos e a empresa, processada.
O relator
do caso no Ministério Público Federal (MPF), ministro Francisco Falcão,
autorizou ainda o bloqueio de R$ 25 milhões do governador e de outros sete
envolvidos.
No Rio,
um alerta ignorado
No Rio de
Janeiro, a Operação Placebo, da PF, chegou no dia 26 de maio ao Palácio
das Laranjeiras, residência oficial do governador Wilson Witzel. As suspeitas e
o desgaste na imagem de Witzel levaram a Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro a abrir ontem o processo de impeachment do governador.
A
suspeita, levantada pela Polícia Civil, com ajuda do Ministério Público
Estadual e o Ministério Público Federal (MPF), era de um esquema montado entre
integrantes do governo, principalmente da área de saúde, e a organização social
Iabas (Instituto de Atenção Básica e Atenção à Saúde) para desviar recursos
públicos destinados à instalação de hospitais de campanha.
Witzel
não pode nem declarar que não sabia que o contrato lhe traria dores de cabeça.
Conforme o R7 revelou, a Procuradoria Geral do Estado o alertou
em abril sobre o risco de problemas. O governo não só ignorou o
parecer como, além de manter o contrato integral com o instituto para construir
e administrar sete hospitais de campanha, pagou antecipadamente oito vezes mais
que o valor previsto.
O Iabas
deveria receber de forma antecipada pouco mais de R$ 8 milhões, ou cerca de 1%
do total das obras. Mas antes do início das obras, o governo já havia dado
quase R$ 70 milhões ao instituto. No início de junho, Witzel rompeu o
contrato com o Iabas e fez uma denúncia contra a empresa, ao afirmar que
ela estava importando carrinhos de anestesia em vez de respiradores.
O Iabas,
por sua vez, alegou que a administração pública tinha conhecimento dos
equipamentos comprados. E que já havia decidido encerrar o contrato porque em
40 dias o governo fez mais de 20 mudanças nos projetos.
CPI aberta em Santa Catarina
A
desconfiança com a utilização de verbas públicas para a contenção da doença
levou à abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) em Santa
Catarina. A CPI investiga a compra emergencial de 200 respiradores, com o
pagamento antecipado de R$ 33 milhões (R$ 165 mil a unidade). Uma força-tarefa
investiga suspeitas de fraude, uso de laranjas e superfaturamento. Dois
secretários estaduais já deixaram os cargos desde que surgiram as denúncias.
O
governador Carlos Moisés passou a ser investigado com a divulgação de que no
final de março fez a compra de respiradores de uma outra empresa por R$ 70 mil
cada, menos da metade do gasto nos contratos alvo da comissão parlamentar.
Região Norte
Além da
operação no Pará, quarta-feira, os agentes da PF foram a mais três Estados do
Norte do país no mesmo dia: Acre, Amazonas e Rondônia. Amapá e Roraima
completam a lista de denúncias da região.
No Acre,
46 agentes da PF dois mandados de prisão temporária e sete de busca e apreensão
em endereços de envolvidos em uma manobra irregular para a compra de máscaras e
álcool em gel pela Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco, capital do
Estado. Seis pessoas foram intimadas para prestar esclarecimentos.
Segundo a
investigação, mais de 70 mil litros de álcool em gel e quase 1 milhão de
máscaras foram comprados pelo preço de R$ 7 milhões com um esquema fraudulento
de superfaturamento que envolvia uma simulação forjada de pesquisa de preços e
falsidade na assinaturas da empresa contratada.
Em Manaus
(AM), na Operação Apneia, os policiais cumpriram 14 mandados de busca e apreensão
atrás de provas de que foi criminosa escolha da empresa responsável pela
entrega de respiradores ao Amazonas.
O
Ministério Público diz ainda que encontrou indícios de que os aparelhos foram
adquiridos por preços superfaturados. O Tribunal de Contas local já apontou
sobrepreço na compra de 28 respiradores que a Secretaria Estadual de Saúde
(Susam) adquiriu da empresa FJAP Cia Ltda.
Em abril,
a Corte determinou que a Susam suspendesse o pagamento, no valor de R$ 2,97
milhões, e buscasse o ressarcimento de quantias pagas a mais. Além disso,
recomendou que a secretária de Saúde, Simone Papaiz, fosse afastada do cargo.
Mas isso não ocorreu. O governo do Amazonas nega irregularidade e diz que os
equipamentos foram adquiridos abaixo do preço de mercado.
Em Rondônia,
foram cumpridos dois mandados de prisão temporária e 15 de busca e apreensão na
Operação Dúctil, que apura a suspeita de fraudes na aquisição emergencial de
materiais e insumos médicos e hospitalares para as unidades de saúde do Estado.
No Amapá,
investigações da PF, ao lado da MPF e CGU (Controladoria Geral da União),
apontaram fortes indícios de superfaturamento na aquisição de equipamentos de
proteção individual, em pelo menos seis dos 15 itens comprados pelo Fundo
Estadual de Saúde do Amapá (FES).
Alguns
valores eram descaradamente mais altos. Algumas máscaras chegaram a custar 814%
a mais do que as fornecidas por outras empresas.
Em
Roraima, 30 respiradores comprados pela Secretaria de Saúde custaram R$ 6
milhões levantaram a suspeita de fraude. O valor foi pago antes mesmo de o
Estado receber a entrega. A Polícia Civil de Roraima vasculhou cinco
departamentos da Secretaria no início de maio em busca de documentos para a
investigação.
Empresa fantasma no Recife
Em
Pernambuco, uma elaborada estratégia foi traçada para fornecer ventiladores
pulmonares à Prefeitura de Recife. Segundo as investigações da PF, empresas com
débitos com a União superiores a R$ 9 milhões e que não poderiam, portanto,
fechar qualquer acordo com a administração municipal, utilizaram uma
microempresa fantasma para firmar contratos de R$ 11 milhões com a Prefeitura
de Recife.
A empresa
chegou a fornecer 35 respiradores, mas o contrato foi desfeito no dia 22 de
maio, um dia após notícias sobre as irregularidades serem divulgadas. A
operação descobriu que apenas 25 respiradores estavam nos depósitos municipais,
sem uso, e há a suspeita de que os outros tenham sido revendidos.
Máscaras de grife, ventiladores e hospital no estádio
No
Maranhão, a suspeita é de superfaturamento de R$ 2,3 milhões na
compra de 320 mil máscaras cirúrgicas pela Secretaria Municipal de Saúde da
capital, São Luís. Segundo a Controladoria Geral da União, o Maranhão contratou
duas empresas sem capacidade técnica necessária e comprovada para fornecer as
máscaras e uma delas ainda estaria em nome de laranjas.
Também
por temor de superfaturamento na compra de máscaras ocorreu em Tocantins uma
operação no dia 3 de junho. Doze mil unidades foram adquiridas por R$ 35 cada,
um valor exorbitante considerando-se que concorrentes da empresa escolhida
ofereciam-nas por cerca de R$ 2.
Em
Fortaleza (CE), o prefeito Roberto Cláudio (PDT) teria pagado até quatro vezes
mais que o preço médio nacional em respiradores. Oito mandados de busca e
apreensão foram cumpridos na Operação Dispneia no fim de maio em empresas
e órgãos públicos da cidade e em São Paulo.
A empresa
contratada para fornecer os ventiladores não teria condições técnicas de
cumprir o contrato. Em Brasília (DF), O Ministério Público e a PF fizeram em 15
de maio a Operação Gabarito para investigar supostas irregularidades na
construção do hospital de campanha do estádio Mané Garrincha.
A obra
foi contratada com dispensa de licitação e teria custado um valor que chamou a
atenção dos órgãos de controle: R$ 79 milhões.
Equipamentos que não chegam
Em São
Paulo, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou a investigação de
irregularidades por por parte do governo do estado de São Paulo na compra sem
licitação de 3 mil respiradores da China ao valor de R$ 550 milhões para o
combate à pandemia do coronavírus.
A
apuração do TCE foi determinada a partir de uma denúncia do senador Major
Olímpio (PSL-SP), que pediu à Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo os
documentos referentes ao contrato emergencial para a compra dos aparelhos.
O
governador João Doria (PSDB) negou qualquer irregularidade e falou que se viu
obrigado a procurar a China porque o governo federal ficou de entregar ao
Estado 14.100 respiradores e só havia entregue 56.
O
Ministério Público da Bahia (MP-BA) instaurou procedimento preparatório de
inquérito civil para apurar a possibilidade de irregularidades na compra de
respiradores pelo governo do Estado e prefeitura de Salvador.
No início
do mês de junho, após denúncias do Consórcio Nordeste, criado com o intuito de
fornecer os ventiladores pulmonares aos nove estados da região, a polícia
baiana deflagrou a Operação Ragnarok, que cumpriu três mandados de prisão
e 15 de busca e apreensão em Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e no Distrito
Federal, contra uma quadrilha que fraudou a venda dos equipamentos
hospitalares.
Os
estados nordestinos pagaram quase R$ 49 milhões por 300 respiradores, que não
foram entregues.
Leilão viciado
No dia 4
de junho, a PF de Mato Grosso do Sul cumpriu cinco mandados de busca e
apreensão para apurar crime contra a economia popular em cotação eletrônica
efetuada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) do Estado.
A PRF-MS
queria garantir a prevenção de seus agentes contra o novo coronavírus, anunciou
a intenção de comprar 100 mil máscaras, mas percebeu que todas as empresas que
ofereceram os itens de higienização e proteção utilizavam preços muito acima do
mercado. A PF foi informada e deu-se início à operação TNT.
Segundo o
órgão, máscaras que eram comercializadas por R$ 0,12 a unidade, foram
oferecidas por até R$ 20.
Por R7
Correio
do Povo
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