terça-feira, 28 de julho de 2020

Três Passos: MP notifica entidades e recomenda pleno respeito às regras do plano de distanciamento do Estado

Ministério Público faz recomendações à prefeitura, Cacis, Sindilojas, CDL, BM e Polícia Civil, após decisão do comércio de descumprir protocolo da bandeira vermelha estabelecido pelo Estado

   Sede do Ministério Público da comarca de Três Passos (Foto: Rádio Alto Uruguai / Arquivo)

O Ministério Público de Três Passos, através de despacho do promotor de justiça, Ricardo Melo de Souza, notificou nesta terça-feira (28), os representantes da prefeitura municipal, Cacis, Sindilojas, CDL, Brigada Militar e Polícia Civil, com uma série de recomendações e alertas a respeito do devido cumprimento às normas estabelecidas por uma série de decretos que organizam e disciplinam o plano de distanciamento controlado no Rio Grande do Sul e, no geral, o enfrentamento à pandemia de Covid-19 no Estado, que devem ser observados e seguidos, sob pena de medidas judiciais punitivas.

A reação do MP se dá, após o comércio três-passense descumprir o protocolo da bandeira vermelha, estipulado pelo plano de distanciamento controlado do RS, na segunda-feira, dia 27, quando os estabelecimentos comerciais trabalharam adotando as regras do protocolo de bandeira laranja, menos restritivos.

Confira as recomendações do MP

À prefeitura municipal, o Ministério Público recomenda que observe e determine a estrita observância das medidas sanitárias segmentadas de que trata o art. 19 do Decreto Estadual nº 55.240/2020, conforme a classificação dada para a região de saúde a qual integra pelo Decreto Estadual nº 55.310, de 14 de junho de 2020, ou seja, a regional de Palmeira das Missões. O MP ressalta que a municipalidade, havendo interesse local, somente poderá ser mais restritiva do que a legislação estadual. Também pede que o Município se abstenha de endossar, incentivar e permitir atos de desobediência civil às normas do Poder Executivo Estadual, sob pena de responsabilidade pessoal do prefeito, vice-prefeito e demais envolvidos, civil, administrativa, penal e toda outra que estiver ao alcance desta Promotoria de Justiça.

Com relação às entidades empresariais, o MP recomenda que Cacis, Sindilojas e CDL, se adequem, cumpram e façam cumprir, aos seus associados, os protocolos da bandeira vermelha, determinados pelo Governo Estadual na 12ª rodada do distanciamento controlado, assim como se abstenham de incitar, incentivar, praticar e permitir atos de desobediência civil às normas do Poder Executivo Estadual, sob pena de responsabilidade pessoal dos dirigentes, demais envolvidos, empresários individuais, civil, administrativa, penal e toda outra que estiver ao alcance da Promotoria de Justiça.

Às polícias civil e militar, o MP recomenda que, em colaboração ao Ministério Público, ao Governo do Estado e ao Governo do Município de Três Passos, realizem fiscalização efetiva quanto ao cumprimento dos protocolos de bandeira vermelha no município de Três Passos, especialmente no comércio e indústria, para que, sob hipótese alguma, se permitam atos de desobediência civil às normas estabelecidas pelo governo estadual.

O promotor ainda solicita que as entidades notificadas divulguem esta recomendação e adotem providências para prevenir eventuais violações da lei, no prazo de 12 horas, com resposta por escrito no prazo de até 24 horas, sobre o acatamento ou não da presente, mediante comprovação documental.

Também solicita que sejam prestados esclarecimentos, no prazo de 48 horas, sobre as notícias, reuniões, deliberações e incitações à desobediência civil praticadas desde o último sábado, assim como esclarecimentos sobre o descumprimento do protocolo da bandeira vermelha, efetivamente ocorrido durante o dia 27 de julho.

De acordo com o promotor, o desatendimento à recomendação poderá implicar na adoção de medidas legais e judiciais, inclusive o pedido de punição dos responsáveis.


ÍNTEGRA DO DESPACHO DO MINISTÉRIO PÚBLICO:

DESPACHO
Procedimento Administrativo de acompanhamento de Políticas Públicas 00917.000.182/2020

Vistos.

Em que pese pendente de análise diversos temas anexados ao presente procedimento, a necessidade e urgência de um deles impõe a deliberação isolada, ante a celeridade. Vige, no Estado do Rio Grande do Sul, o denominado Sistema de distanciamento controlado, instituído pelo Decreto Estadual n° 55.240, de 10 de maio de 2020, por meio do qual o Governo do Estado dividiu o território em regiões e, com base em critérios técnicos objetivos, elegeu diferentes segmentos de protocolos a serem observados conforme a gravidade da situação de cada região, que são ordenados conforme cores de bandeiras, que indicam protocolos mais rígidos ou mais brandos.

Toda semana o Governo do Estado analisa inúmeros indicadores subjetivos específicos de cada município e região, que, lado a lado com os demais critérios abstratos estabelecidos pelo programa, revelam o cenário epidemiológico e de saúde de cada uma das regiões. É com base nessa análise, então, que toda semana o Governo classifica as regiões conforme as cores das bandeiras, impondo critérios mais rígidos ou mais leves a segmentos da sociedade gaúcha.

Hoje, dia 27 de julho, o Governo Gaúcho, após analisar recursos interpostos por municípios e regiões, exarou decisão definitiva sobre quais protocolos cada região deverá seguir. Quanto à Comarca de Três Passos, que está localizada na região de Palmeira das Missões (Macrorregião norte), foi decido que seguirá sob Bandeira Vermelha, com critérios rígidos de distanciamento social, ante o alto risco epidemiológico.

Em análise mais aprofundada, o Governo decidiu que os municípios de Três Passos e Esperança do Sul devem, obrigatoriamente, seguir os protocolos de bandeira vermelha, não sendo deferida qualquer margem para flexibilização. No entanto, foi consignado que, mesmo sob bandeira vermelha, determinados municípios que não apresentassem óbitos e hospitalizações, se enquadrando na chamada regra do 0-0, poderiam adotar critérios da bandeira laranja, mais brandos, desde que atendidos determinados requisitos.

Então, nesta Comarca, temos o seguinte cenário, válido a partir da 00h00 do dia 28/07:
– Três Passos e Esperança do Sul: Bandeira Vermelha, sem margem para flexibilização.
– Bom Progresso e Tiradentes do Sul: Bandeira Vermelha, com margem para flexibilização, atendido requisito.

Ocorre que situação delicada se avizinha no que tange ao município de Três Passos.

Isso porque está sendo levantado um movimento, supostamente endossado pelo Poder Executivo Municipal Local, no sentido de que eventual bandeira vermelha determinada pelo Governo Estadual não seria acatada e cumprida no âmbito do território deste município, especialmente quanto aos integrantes do Comércio e Indústria, à revelia da decisão estadual, pois por própria iniciativa adotariam os critérios da bandeira laranja.

Nesse sentido, pois, cito duas notícias veiculadas em diferentes órgãos da imprensa, nas quais o presidente da CACIS, Sr. Aldir Mauro Huber, afirmou, com veemência, em corajosa e preocupante declaração, que após reunião entre CACIS, SINDILOJAS, CDL e Poder Executivo de Três Passos, ocorrida no sábado, dia 25, restou decidido, em discurso uníssono, que:

a) de pronto seriam abandonados os critérios da bandeira vermelha, vigentes até às 23h59min do dia 27/07;
b) passariam, desde a manhã do dia 27/07, a adotar critérios de bandeira laranja, mesmo que vigente a bandeira vermelha e;
c) que, independentemente da bandeira determina pelo Governo do Estado, após a análise dos recursos, adotariam, por suas próprias vontades, a bandeira laranja, pois não mais aceitariam a bandeira vermelha nesta cidade.

O Ilustre presidente afirma, ainda, que o governo municipal local, presente na reunião, concordou com a deliberação e aderia àquela demanda, o que coloca o município de Três Passos na posição de cúmplice do anúncio de deliberada desobediência civil, o que é ainda mais preocupante, pois lhe cumpre proceder justamente no sentido contrário.

Com efeito, cumpre destacar que, nada obstante se reconheça a delicada situação que vem sendo enfrentada pelo setor produtivo brasileiro, e que são legítimas suas agruras e reclamações, tais não são motivos idôneos para autorizar que entidade segmentada, que representa apenas parcela da população, invoque para si direito absurdo de enfrentar o Governo do Estado, degladear com regras legais a todos impostas, e impor, por sua própria vontade, normas, que melhor ad hoc lhe assistam, à revelia daquelas já positivadas, como se insignificantes fossem perante as razões invocadas pelos revoltados.

Destaco, aliás, que, nada obstante já nos cause extremada preocupação os anúncios afrontosos proferidos pelo Presidente da Entidade Classista, nos levou ao espanto ao verificar que os anúncios não foram apenas promessas, pois na data de hoje, durante o dia, o comércio local funcionou sob critérios de bandeira laranja, conforme anúncio do próprio presidente da Entidade na manhã de hoje, em rádio local, cumprindo a decisão coletiva tomada por alguns e derrotando os Poderes do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

Trata-se, a toda evidência, quanto ao indivíduo e às entidades particulares, de inadmissível postura empregada, a qual, consigno, não será, sob hipótese alguma, tolerada nesta Comarca, enquanto o Ministério Público Brasileiro ainda estiver em pé para cumprir sua missão constitucional.

Com efeito, ressalto que a nenhum particular, ainda que eivado das mais sinceras e altruístas razões, foi autorizado o direito de eleger a sua vontade como absoluta, acima daquelas que sustentam o interesse público, assim como impô-la a uma coletividade, à revelia das instituições, das autoridades, dos Poderes, das normas, como se estivéssemos em terra de ninguém, onde a Carta Política, guia da nação, é figurativa, de cumprimento facultativo, não passando de uma folha de papel desprovida de valor bastante para que se dignem, os nobres empresários renegados, a cumpri-la.

Como sempre sustentado por esta Promotoria de Justiça, o diálogo é a única fonte capaz de, em algum momento, dar amparo às razões dos empresários, que, mais uma vez, admitimos, possuem delicada situação e são dotadas de muita razão, quando desejam a reabertura de suas empresas. Todavia, particulares, empresas e entidades deste setor, em verdadeira elucubração cerebrina, decidiram por bem instalar nesta cidade espécie de legalidade paralela, na qual as regras deles é que valem, sendo derrubada a ordem jurídica legitimamente estabelecida até então.

É, com toda certeza, ilegalidade e arbitrariedade de imensuráveis proporções, que, não assegurada a ninguém, não será tolerada. Imagine-se que, se cada cidadão resolvesse eleger e cumprir apenas suas próprias regras, estabelecendo seu próprio código moral e legal, ignorando aquele que a todos imposto, como anunciaram fazer os dissidentes, a que nível de desordem alcançaria esta comunidade?

É justamente com força no imperativo da ordem, na defesa do ordenamento jurídico, no princípio da igualdade, da ponderação de valores fundamentais, e no inafastável direito à vida e à saúde, que o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul afirma, com absoluta convicção, que não fará permitir qualquer induzimento, instigação, auxílio ou prática de desobediência no território desta Comarca.

Todos estão obrigatoriamente compelidos a cumprir as normas Estaduais determinadas pelo ente federado de maior espectro, pois certo que a nenhum deles foi dado o direito de se sobrepor à força das normas, acima das quais, giza-se, não existe ninguém além da Constituição da República Federativa do Brasil.

Quanto à postura do município de Três Passos, nada obstante seja ausente declaração formal de seu representante nesse sentido, ao que indica o presidente da CACIS, prefeito e vice-prefeito, presentes na reunião em que se decidiu nesse sentido, endossaram a deliberação anacrônica, tomando para si próprios, o ônus de suportar as consequências óbvias que adviriam da sua rebeldia.

Em que pese seja obviedade apontar, parece-nos que, por um lapso inexplicável, o Poder Executivo levou-se pelo encanto do discurso do outro lado e, em curiosa cegueira deliberada, ignorou as normas de regência quanto à repartição de competências e os limites de seus poderes, que, como se sabe, de forma alguma se sobrepõe aos do Governo do Estado e jamais lhe dá aval para contra ele autorizar ou incentivar atos de desobediência.

Nesse sentido, pontuo que o artigo 24 da Constituição Federal estabelece a competência legislativa concorrente dos entes da federação, repartindo verticalmente a competência entre União, Estados e Distrito Federal para editar normas acerca de diversos temas como, no que concerne ao tema em comento, a produção e o consumo (art. 24, V) e a proteção e defesa da saúde (art. 24, XII). Segundo o referido dispositivo, a União deve limitar-se ao estabelecimento de normas gerais sobre as matérias repartidas (art. 24, § 1º), sendo competência dos Estados e do Distrito Federal suplementar tais normas gerais para preencher os vazios da lei federal, a fim de afeiçoála às peculiaridades locais, não sendo possível, evidentemente, contrariar os critérios mínimos estabelecidos, sob pena de inconstitucionalidade.

Os Municípios, a despeito de não serem referidos no art. 24, têm garantida a oportunidade de legislar suplementarmente aos outros entes federais a partir do momento em que o art. 30, I e II, da CF/88, lhes possibilita suplementar as legislações federal e estadual em assuntos de interesse local, no que couber. É indispensável referir que, assim como a legislação suplementar estadual não deve desbordar às regras gerais estabelecidas pelo ente federal, eventual regramento municipal deve ser harmônico com relação à disciplina estabelecida tanto pela União, quanto pelo. Não é possível, portanto, que o Município autorize, incentive Estado ou pratique atos ou emita normas flexibilizando as previsões federais e estaduais, admitindo-se tão somente o aumento da proteção através da publicação de normas de caráter mais restritivo, o que incansavelmente tem sido sustentado por esta Promotoria de Justiça.

Outro, aliás, não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, que em decisão preferida em 08 de abril de 2020 pelo Ministro Alexandre de Moraes, no âmbito da ADPF n.º 672, que discutia, exatamente, a repartição das competências entre os entes da Federação e os atos praticados pela União, Estados e Municípios no contexto do enfrentamento da pandemia do COVID-19.

Nessa toada, ressalto que a competência dos Municípios é exercida, basicamente, no campo da polícia sanitária, o que abrange aquilo que possa interessar à salubridade pública. No exercício desse poder de polícia sanitária, o ente público municipal pode editar atos normativos visando à proteção da saúde da população local.

Além disso, tem o dever de, a toda evidência, fazer cumprir as normas, ainda mais quando se trata do controle da Covid-19, em que há predominância do interesse nacional, seguido do interesse regional.

Irrefutável que em razão do estado pandêmico os interesses nacionais e regionais se sobrepõem aos interesses locais, especialmente quando voltados à proteção de direitos de tamanha importância, como a vida, a saúde e a segurança da população, o que exige pronta atuação do Estado em sentido lato.

Desse modo, a norma estadual restritiva das atividades comerciais e editada com fundamento na Lei Federal nº 13.979/2020 e nas suas exigências epidemiológicas e sanitárias não pode ser contrariada, inclusive mediante a omissão do Poder Público, sob pena de desrespeito à hierarquia normativa e à competência técnica de cada ente
federado.

Não há dúvidas, portanto, da gravidade do atual quadro de saúde pública no Município de Três Passos, de modo que o desrespeito às normas de distanciamento controlado e a eventual inação da Administração Pública Municipal, que acaba por estimular o desenvolvimento das atividades comerciais, acarretará danos irreparáveis à vida e à saúde da população local. Esses danos, por óbvio, são de impossível reparação.

Logo, verifica-se que os indícios de endosso à desobediência, pelo executivo local, não possuem qualquer fonte de respaldo, devendo ser prontamente interrompida, cumprindo que, como sempre têm feito até aqui, se adequem,
imediatamente, aos protocolos mínimos estabelecidos pelo Governo Estadual, e, nesse mesmo andar, fiscalize e faça cumprir aquelas regras, sendo certo que sua omissão proposital também é absolutamente inadmissível e será irremediavelmente fiscalizada e sancionada conforme se fizer necessário.

Diante do exposto, determino a expedição de RECOMENDAÇÃO ao município de Três Passos, para que se adeque, cumpra e faça cumprir em seu território, os protocolos de distanciamento social da Bandeira Vermelha, impostos pelo Governo Estadual no dia de hoje, e, no mesmo norte, abstenha-se de endossar, incentivar e permitir atos de desobediência às normas do Poder Executivo Estadual, sob pena de responsabilidade pessoal do Prefeito, Vice-Prefeito e demais envolvidos, civil, administrativa, penal e toda outra que estiver ao alcance desta Promotoria de Justiça.

No mesmo sentido, determino a expedição de RECOMENDAÇÃO às entidades civis privadas representativas de classe denominadas CACIS, para que se adequem, cumpram e façam SINDILOJAS e CDL cumprir, aos seus associados, os protocolos da bandeira vermelha, determinados pelo Governo Estadual na data de hoje, assim como se abstenham-se de incitar desobediência às normas advindas do Poder Executivo Estadual, sob pena de responsabilidade pessoal dos dirigentes, demais envolvidos e empresários individuais, civil, administrativa, penal e toda outra que estiver ao alcance desta Promotoria de Justiça.

Após cumpridas essas duas recomendações, que são urgentes ante o anúncio de descumprimento deliberado, retorne concluso e expeça-se recomendação aos demais municípios, nos mesmos moldes, observando-se os critérios estaduais.

Nas recomendações, consigne-se o prazo de 12 horas para cumprimento da recomendação, assim como requisite-se resposta dos recomendados, com demonstração material do acatamento da recomendação, no prazo de 24 horas.

Ainda, requisite-se esclarecimentos às entidades e ao Poder Executivo de Três Passos, a fim de avaliar a adoção de providências quanto à desobediência e descumprimentos já praticados no âmbito do protocolo vigente até às 23h59min do dia 27/07.

Remeta-se cópia da presente missiva, assim como das recomendações, ao Poder Judiciário local, Poder Legislativo local, OAB e Defensoria Pública.

Por fim, requisite-se aos Órgãos de Imprensa colaboração na máxima divulgação das recomendações expedidas e dos fundamentos aqui dispensados.

Cumpra-se com máxima urgência, a qualquer hora, tão logo assinada a manifestação.

Três Passos, 27 de julho de 2020.

Ricardo Melo de Souza,
Promotor de Justiça.


Fonte: Rádio Alto Uruguai

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