Retirada de trechos de delação de Sérgio Moro
indicaria que juíz não teria competência para julgar este processo | Foto: Ricardo
Stuckert / Instituto Lula / Divulgação CP
A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal (STF), que retirou do juiz federal Sérgio Moro trechos da delação da
Odebrecht, abre uma forte brecha para a defesa do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) anular a condenação no caso do Triplex no Guarujá. A
análise é de especialistas do mundo jurídico.
Por
maioria, os ministros decidiram, na terça-feira, remeter à Justiça de São Paulo
os trechos da delação de ex-executivos que relatam fatos sobre as reformas no
sítio de Atibaia e o terreno onde seria sediado o Instituto Lula. Advogados com
clientes alvos da Lava Jato pretendem esperar a publicação do acórdão do
julgamento da Segunda Turma para avaliar se também entram com pedidos similares
ao da defesa do petista.
Inicialmente,
como o caso do triplex é apontado como uma propina da OAS, a decisão da turma não
teria influência direta na condenação de Lula. No entanto, especialistas
apontam que o entendimento firmado reforça o argumento dos advogados do petista
de que Moro não tinha competência para julgar o processo, por não ter relação
direta com os crimes cometidos no âmbito da Petrobras. Lula está preso desde o
início de abril pela condenação no caso do triplex.
Na resposta aos embargos de declaração contra a
sentença, Moro escreve que a propina para Lula, na forma do apartamento, não
tem ligação explícita com o escândalo de corrupção da estatal. “Este Juízo
jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela
construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento
da vantagem indevida para o ex-presidente”, diz o magistrado na sentença.
O
advogado Adib Abdouni destaca que a resposta de Moro é um ponto central para a
defesa de Lula tentar anular no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sua
condenação, a partir dos fatos novos que surgiram com a decisão do Supremo. Para
Adib, com isso, ganha força a argumentação que a defesa de Lula traz nos
recursos aos tribunais superiores, apresentados nesta segunda-feira, 23. O
advogado avalia que a defesa inclusive tem justificativas para pedir, através
de medida cautelar, o efeito suspensivo da condenação no STJ ou STF. “Como
existem elementos que possam vir a anular todo o processo, eles têm argumentos
para conseguir essa liminar”, entende o advogado.
“Gera no
mínimo dúvida a respeito da competência do juiz de Curitiba, a partir da
decisão de ontem. Se a delação referente a fatos não relacionados com a
Petrobras não deveriam estar em Curitiba, por que outros (sem relação
explícita) deveriam estar lá?”, questiona o professor João Paulo Martinelli, do
Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP).
O
advogado criminalista Fernando Castelo Branco lembra que, nos recursos
apresentados em Cortes Superiores, a defesa não pode apresentar argumentos
inéditos. “A competência de Moro é contestada desde o início do processo. Esse
argumento já foi apresentado”, destaca o especialista. “É uma questão que todos
nós, advogados, mesmo quem não trabalha na Lava Jato, esperava. Esperávamos uma
decisão dessa há muito tempo. Infelizmente, criou-se no Brasil a figura do juiz
nacional, o juiz com jurisdição nacional. Quase um juiz de exceção”, disse o
advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que tem como clientes
investigados pela Lava Jato.
Lula é
réu em duas ações penais que investigam os fatos em torno do Sítio de Atibaia e
do terreno do Instituto Lula, que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba, sob
o comando de Moro. Especialistas entendem que ainda é cedo para concluir que as
investigações devem sair das mãos de Moro e do Ministério Público Federal no
Paraná. Apontam, no entanto, que há grandes chances disso acontecer, a partir
da decisão do Supremo.
“Será um
momento de ajuste, em que Ministério Público de São Paulo deverá avaliar se é
competente para tocar as investigações, em função da decisão do STF”, explica
Castelo Branco, destacando que não podem haver investigações sobre os mesmos
fatos tramitando na Justiça Federal de São Paulo e do Paraná.
Se as
duas jurisdições entenderem que têm competência para tocar as investigações,
provavelmente quem iria decidir sobre o conflito é o Tribunal Regional Federal
da 3° Região, que abrange São Paulo e Mato Grosso do Sul, aponta o advogado. Se
a decisão no tribunal é questionada, quem analisará a competência é o STJ. “Mas
não haveria muito espaço para o juiz Sérgio Moro questionar essa competência”,
diz Castelo Branco, considerando o novo entendimento do STF.
Especialistas e ministros dos tribunais
superiores ouvidos reservadamente pela reportagem, ponderam, no entanto, que é
preciso conferir como a decisão da Segunda Turma sairá do Supremo, se irá
estabelecer limites e parâmetros quanto a atuação de Moro em torno do uso das
provas decorrentes da delação. Se as investigações continuarem com Moro,
Martinelli aponta que as provas usadas na instrução do processo podem ser
questionadas pela defesa. “No processo penal há a chamada teoria dos frutos da
árvore envenenada. Se uma prova não poderia ser usada, e dessa prova outras
foram obtidas, essas novas provas ficam contaminadas, exceto quando elas são
obtidas por outro meio”, explica o professor do IDP, referindo-se as provas que
foram obtidas através do acordo de colaboração fechado com ex-executivos da
Odebrecht no início de 2017.
ESTADÃO conteúdo
Correio do Povo
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