Escritor estava internado no Rio de Janeiro
Morre, aos 86 anos, o poeta Ferreira Gullar |
Foto: ABL / Divulgação / CP
Um dos
mais importantes nomes da literatura brasileira, o poeta Ferreira Gullar morreu
neste domingo, aos 86 anos. Ele estava internado no Hospital Copa D'Or, na zona
Sul do Rio de Janeiro, e estaria com um quadro de insuficiência respiratória e
pneumonia, apontada como causa da morte. Ainda não há informações sobre o
velório.
Além de
poeta, Gullar era ensaísta, crítico de arte, dramaturgo, biógrafo, tradutor e
memorialista. Quarto dos 11 filhos de Newton Ferreira e Alzira Ribeiro
Goulart, ele nasceu José de Ribamar Ferreira no dia 10 de setembro de 1930 em
São Luiz, no Maranhão. Dividiu os anos da infância entre a escola e a vida
de rua, jogando bola e pescando no Rio
Bacanga.
No
começo, acreditava que todos os poetas já haviam morrido e somente depois
descobriu que havia muitos deles em sua própria cidade, a algumas quadras de
sua casa. Com 18 anos, passou a frequentar os bares da Praça João Lisboa e o
Grêmio Lítero-Recreativo, onde, aos domingos, havia leitura de poemas.
Descobriu
a poesia moderna apenas aos 19 anos, ao ler os poemas de Carlos Drummond de
Andrade e Manuel Bandeira. Ficou escandalizado com esse tipo de poesia e tratou
de informar-se, lendo ensaios sobre a nova poesia.
Pouco
depois, aderiu a ela e adotou uma atitude totalmente oposta à que tinha
anteriormente, tornando-se um poeta experimental radical, que tinha como lema
uma frase de Gauguin: "Quando eu aprender a pintar com a mão direita,
passarei a pintar com a esquerda, e quando aprender a pintar com a esquerda,
passarei a pintar com os pés".
Ou seja,
nada de fórmulas: o poema teria que ser inventado a cada momento. "Eu
queria que a própria linguagem fosse inventada a cada poema", diria ele
mais tarde. Assim nasceu o livro que o lançaria no cenário literário do país em
1954: "A Luta Corporal".
Os
últimos poemas deste livro resultam de uma implosão da linguagem poética e
provocariam o surgimento na literatura brasileira da "poesia
concreta", de que Gullar foi um dos participantes e, em seguida
dissidente, passando a integrar um grupo de artistas plásticos e poetas do Rio
de Janeiro: o grupo neoconcreto. O movimento neoconcreto surgiu em 1959, com um
manifesto escrito por Gullar, seguido da teoria do não-objeto. Esses dois
textos fazem hoje parte da história da arte brasileira, pelo que trouxeram de
original e revolucionário. São expressões da arte neoconcreta as obras de Lygia
Clark e Hélio Oiticica, hoje nomes mundialmente conhecidos.
Experiências
Gullar
levou suas experiências poéticas ao limite da expressão, criando o
"Livro-Poema" e, depois, o "Poema Espacial", e, finalmente,
o "Poema Enterrado". Este consiste em uma sala no subsolo a que se
tem acesso por uma escada; após penetrar no poema, deparamo-nos com um cubo
vermelho; ao levantarmos este cubo, encontramos outro, verde, e sob este ainda
outro, branco, que tem escrito numa das faces a palavra
"rejuvenesça".
O poema
enterrado foi a última obra neoconcreta de Gullar, que afastou-se do grupo e
integrou-se na luta política revolucionária. Entrou para o Partido Comunista e
passou a escrever poemas sobre política e participar da luta contra a ditadura
militar que havia se implantado no país, em 1964. Foi processado e preso na
Vila Militar. Mais tarde, teve de abandonar a vida legal, passar à
clandestinidade e, depois, ao exílio. Deixou clandestinamente o país e foi para
Moscou, depois para Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires.
Voltou
para o Brasil em 1977, quando foi preso e torturado. Libertado por pressão
internacional, voltou a trabalhar na imprensa do Rio de Janeiro e, depois, como
roteirista de televisão. Durante o exílio em Buenos Aires, escreveu "Poema
Sujo", um longo poema de quase cem páginas e que é considerado sua
obra-prima. Esse poema causou enorme impacto ao ser editado no Brasil e foi um
dos fatores que determinaram a volta do poeta a seu país.
De volta
ao Brasil, Gullar publicou, em 1980, "Na vertigem do dia" e
"Toda Poesia", livro que reuniu toda sua produção poética até então.
Voltou a escrever sobre arte na imprensa do Rio e São Paulo, publicando, nesse
campo, dois livros "Etapas da arte contemporânea" (1985) e
"Argumentação contra a morte da arte" (1993), onde discute a crise da
arte contemporânea.
Outro
campo de atuação de Ferreira Gullar é o teatro. Após o golpe militar, ele e um
grupo de jovens dramaturgos e atores fundou o Teatro Opinião, que teve importante
papel na resistência democrática ao regime autoritário. Nesse período,
escreveu, com Oduvaldo Vianna Filho, as peças "Se correr o bicho pega, se
ficar o bicho come" e "A saída? Onde fica a saída?".
De volta
do exílio, escreveu a peça "Um rubi no umbigo", montada pelo Teatro
Casa Grande em 1978. Gullar afirmava que a poesia era sua atividade
fundamental. Em 1987, publicou "Barulhos" e, em 1999, "Muitas
Vozes", que recebeu os principais prêmios de literatura daquele ano.
Durante
sua trajetória, obteve diversos prêmios e láureas, incluindo uma indicação ao
Nobel de Literatura em 2002. Em 2010, recebeu o Prêmio Camões, mais
importante premiação literária da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Um
ano depois, também venceu o Prêmio Jabuti com o livro "Em alguma
parte" - ele já havia conquistado a premiação em 2007, pelo livro
"Resmungos", que reúne crônicas publicadas no jornal "Folha de
São Paulo".
Ferreira
Gullar foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2014, ocupando
a cadeira nº 37. Também recebeu o título de Doutor Honoris Causa da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por meio da Faculdade de Letras
da instituição.
Fonte: Correio do Povo e Agência Brasil
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