Os pesquisadores registraram pulverizações de
agrotóxicos por avião e trator realizadas a menos de 10 metros de fontes de
água potável, córregos, de criação de animais e de residências. (Foto:
Brasileducom)
Marco Weissheimer
As pesquisas sobre o impacto do uso dos agrotóxicos no Brasil
ainda são insuficientes para retratar a dimensão de problemas de saúde e
ambientais que já são graves e podem piorar ainda mais nos próximos anos. Em
março de 2015, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), ligada à
Organização Mundial da Saúde (OMS), publicou um artigo que sistematizou
pesquisas sobre o potencial cancerígeno de cinco ingredientes ativos de
agrotóxicos realizadas por uma equipe de pesquisadores de 11 países, incluindo
o Brasil. Baseada nestas pesquisas, a agência classificou o herbicida glifosato
e os inseticidas malationa e diazinona como prováveis agentes carcinogênicos
para humanos e os inseticidas tetraclorvinfos e parationa como possíveis
agentes carcinogênicos para humanos. Destes, a malationa, a diazinona e o
glifosato são amplamente usados no Brasil. Herbicida de amplo espectro, o
glifosato é o produto mais usado nas lavouras do Brasil, especialmente em áreas
plantadas com soja transgênica.
A
partir do levantamento publicado pela Iarc, o Instituto Nacional do Câncer
(Inca) divulgou uma nota oficial este ano chamando a atenção para os riscos que
a exposição ao glifosato e a outras substâncias representam para a saúde dos
brasileiros. Dentre os efeitos associados à exposição crônica a ingredientes
ativos de agrotóxicos, o Inca cita, além do câncer, infertilidade, impotência,
abortos, malformações fetais, neurotoxicidade, desregulação hormonal e efeitos
sobre o sistema imunológico. O Inca e a Organização Mundial da Saúde estimam
que, nos próximos cinco anos, o câncer deve ser a principal causa de mortes no
Brasil.
Segundo Wanderley Pignati, pesquisador da
UFMT, estudo deixou claro que a população do interior de Mato Grosso convive
com a poluição por agrotóxicos que provoca doenças e danos ambientais. (Foto:
Divulgação)
Um
monitoramento durante 7 anos em Lucas do Rio Verde
Defensores
do uso dos agrotóxicos costumam citar a falta de comprovação científica desses
danos. Se é verdade que as pesquisas no Brasil sobre esse tema ainda estão
engatinhando, também é verdade que já há estudos localizados que fornecem
fortes indícios sobre os riscos e doenças causadas pela contaminação com esses
produtos. Uma das mais importantes e rica em dados foi realizada por
pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) que, entre 2007 a 2014, fizeram um trabalho de
monitoramento no município de Lucas do Rio Verde (MT) para avaliar o impacto
dos agrotóxicos sobre a saúde humana e o meio ambiente.
Em
conjunto com professores e alunos de quatro escolas, localizadas nas áreas
urbana e rural, eles avaliaram componentes ambientais, humanos, animais e
epidemiológicos relacionados aos riscos dos agrotóxicos. Município com mais de
37 mil habitantes, Lucas do Rio Verde produziu, em 2012, cerca de 420 mil
hectares entre soja, milho e algodão e consumiu 5,1 milhões de litros de
agrotóxicos, entre herbicidas, inseticidas e fungicidas, nessas lavouras.
Os
dados coletados e analisados pelos pesquisadores apontaram uma série de
irregularidades e fortes indícios de contaminação humana e ambiental causada
pelo uso desenfreado de agrotóxicos. Somente durante o ano de 2010, foi
constatada a exposição ambiental/ocupacional/alimentar de 136 litros de
agrotóxicos por habitante. Os pesquisadores também registraram pulverizações de
agrotóxicos por avião e trator realizadas a menos de 10 metros de fontes de
água potável, córregos, de criação de animais e de residências, desrespeitando
legislação estadual sobre pulverização aérea e terrestre. Foi verificada ainda
a contaminação de resíduos de vários tipos de agrotóxicos em 83% dos 12 poços
de água potável (nas escolas e na cidade), contaminação de 56% das amostras de
chuva recolhidas no pátio das escolas e de 25% das amostras de ar, também nos
pátios das escolas. Essas amostras foram monitoradas durante dois anos.
Contaminação
de 100% das amostras de leite materno
O
monitoramento realizado pelos pesquisadores da UFMT e da Fiocruz também apontou
a presença de resíduos de vários tipos de agrotóxicos em 88% das amostras de
sangue e urina dos professores daquelas escolas. Os níveis de resíduos nos
professores que moravam e atuavam na zona rural foi o dobro do verificado nos
professores que moravam e atuavam na zona urbana de Lucas do Rio Verde. Além
disso, foi constatada a contaminação com resíduos de agrotóxicos (DDE,
Endosulfan, Deltametrina e DDT) de 100% das amostras de leite materno de 62
mães que pariram e amamentaram em Lucas do Rio Verde no ano de 2010. Os
pesquisadores também encontraram resíduos de vários tipos de agrotóxicos em
sedimentos de duas lagoas examinadas.
Segundo
o médico Wanderley Pignati, um dos pesquisadores que coordenou o estudo, a
realidade que se vê em praticamente todos os 131 municípios de Mato Grosso é a
mesma: uma grande infraestrutura logística para garantir a “saúde do
agronegócio” e uma estrutura absolutamente deficitária, quando não simplesmente
ausente, para monitorar o impacto do uso intensivo de agroquímicos sobre a
saúde da população e o meio ambiente. A pesquisa realizada em Lucas do Rio
Verde constatou que não estava implantada nos serviços de saúde do município a
vigilância em saúde dos trabalhadores e nem a das populações expostas aos
agrotóxicos. “Na agricultura, a vigilância se resumia ao uso ‘correto’ de
agrotóxicos e ao recolhimento de embalagens vazias sem questionar onde foram
parar seus conteúdos”, afirma o resumo executivo do grupo que realizou o
monitoramento.
As
recomendações dos pesquisadores
Na
avaliação de Pignati, o estudo deixou claro que a população do interior de Mato
Grosso convive com a poluição por agrotóxicos que provoca doenças e danos
ambientais como ocorre na poluição da bacia do Amazonas e do Araguaia,
semelhante àquela constatada no Pantanal. Os pesquisadores denunciaram ainda
que lideranças sociais, sindicalistas e pesquisadores foram e são
“pressionados” por gestores públicos e pelo agronegócio para recuarem com as
denúncias e ações no Ministério Público. Além disso, sugeriram um conjunto de
medidas urgentes em defesa da saúde da população e do meio ambiente: proibição
das pulverizações por avião; proibição do uso no Brasil dos agrotóxicos
proibidos na União Europeia; fim dos subsídios a esses venenos; implantação nos
municípios dos serviços de vigilância à saúde dos trabalhadores, do ambiente,
dos alimentos e dos expostos aos agrotóxicos; implementar a transição para o modelo
Agroecológico de agricultura e do Desenvolvimento Sustentável de Vida.
As
pesquisas desenvolvidas na UFMT serviram de base também para o movimento
popular que denunciou a “chuva” de agrotóxicos que ocorreu sobre a zona urbana
de Lucas do Rio Verde. Em 2006 quando os fazendeiros dessecavam soja
transgênica para a colheita, utilizando paraquat em pulverizações aéreas, uma
nuvem tóxica foi levada pelo vento para a cidade e acabou dessecando milhares
de plantas ornamentais, canteiros de plantas medicinais e de hortaliças. Além
disso, essa nuvem de veneno provocou um surto de intoxicações agudas em
crianças e idosos.
As pesquisas de Wanderley Pignati, em parceria
com a Fiocruz, serviram como base do documentário “Nuvens de Veneno” (na íntegra, acima), que retrata a realidade vivida pela população que
vive no interior do Mato Grosso. O documentário exige algumas das conclusões
desse estudo e mostra como a aplicação de agrotóxicos por via aérea ou
terrestre atinge, não só as lavouras, mas também casas, escolas e fontes de
água que são utilizadas depois para abastecer a população. Para Pignati, os
números obtidos neste estudo mostram que o uso dos agrotóxicos na cadeia
produtiva do agronegócio contamina a lavoura, o produto, o ambiente, os
trabalhadores rurais e a população do entorno. O professor da UFMT segue
pesquisando esse tema e está envolvido agora em dois grandes projetos: um que
está analisando a presença de resíduos de agrotóxicos nas nascentes do rio
Xingú, e outro que investiga a contaminação por agrotóxicos na Chapada de
Parecis. A partir destas pesquisas, ficará mais difícil decisões judiciais
alegarem ausência de pesquisas e de comprovação científica para embasar
posições liberando o uso de agrotóxicos.
Sul21
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