terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Água, ar e leite materno contaminado: pesquisa no MT expõe impacto dos agrotóxicos


Os pesquisadores registraram pulverizações de agrotóxicos por avião e trator realizadas a menos de 10 metros de fontes de água potável, córregos, de criação de animais e de residências. (Foto: Brasileducom)
Os pesquisadores registraram pulverizações de agrotóxicos por avião e trator realizadas a menos de 10 metros de fontes de água potável, córregos, de criação de animais e de residências. (Foto: Brasileducom)


Marco Weissheimer

As pesquisas sobre o impacto do uso dos agrotóxicos no Brasil ainda são insuficientes para retratar a dimensão de problemas de saúde e ambientais que já são graves e podem piorar ainda mais nos próximos anos. Em março de 2015, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), publicou um artigo que sistematizou pesquisas sobre o potencial cancerígeno de cinco ingredientes ativos de agrotóxicos realizadas por uma equipe de pesquisadores de 11 países, incluindo o Brasil. Baseada nestas pesquisas, a agência classificou o herbicida glifosato e os inseticidas malationa e diazinona como prováveis agentes carcinogênicos para humanos e os inseticidas tetraclorvinfos e parationa como possíveis agentes carcinogênicos para humanos. Destes, a malationa, a diazinona e o glifosato são amplamente usados no Brasil. Herbicida de amplo espectro, o glifosato é o produto mais usado nas lavouras do Brasil, especialmente em áreas plantadas com soja transgênica.

A partir do levantamento publicado pela Iarc, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) divulgou uma nota oficial este ano chamando a atenção para os riscos que a exposição ao glifosato e a outras substâncias representam para a saúde dos brasileiros. Dentre os efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos, o Inca cita, além do câncer, infertilidade, impotência, abortos, malformações fetais, neurotoxicidade, desregulação hormonal e efeitos sobre o sistema imunológico. O Inca e a Organização Mundial da Saúde estimam que, nos próximos cinco anos, o câncer deve ser a principal causa de mortes no Brasil.

Segundo Wanderley Pignati, pesquisador da UFMT, estudo deixou claro que a população do interior de Mato Grosso convive com a poluição por agrotóxicos que provoca doenças e danos ambientais. (Foto: Divulgação) 
Segundo Wanderley Pignati, pesquisador da UFMT, estudo deixou claro que a população do interior de Mato Grosso convive com a poluição por agrotóxicos que provoca doenças e danos ambientais. (Foto: Divulgação)

Um monitoramento durante 7 anos em Lucas do Rio Verde

Defensores do uso dos agrotóxicos costumam citar a falta de comprovação científica desses danos. Se é verdade que as pesquisas no Brasil sobre esse tema ainda estão engatinhando, também é verdade que já há estudos localizados que fornecem fortes indícios sobre os riscos e doenças causadas pela contaminação com esses produtos. Uma das mais importantes e rica em dados foi realizada por pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que, entre 2007 a 2014, fizeram um trabalho de monitoramento no município de Lucas do Rio Verde (MT) para avaliar o impacto dos agrotóxicos sobre a saúde humana e o meio ambiente.

Em conjunto com professores e alunos de quatro escolas, localizadas nas áreas urbana e rural, eles avaliaram componentes ambientais, humanos, animais e epidemiológicos relacionados aos riscos dos agrotóxicos. Município com mais de 37 mil habitantes, Lucas do Rio Verde produziu, em 2012, cerca de 420 mil hectares entre soja, milho e algodão e consumiu 5,1 milhões de litros de agrotóxicos, entre herbicidas, inseticidas e fungicidas, nessas lavouras.

Os dados coletados e analisados pelos pesquisadores apontaram uma série de irregularidades e fortes indícios de contaminação humana e ambiental causada pelo uso desenfreado de agrotóxicos. Somente durante o ano de 2010, foi constatada a exposição ambiental/ocupacional/alimentar de 136 litros de agrotóxicos por habitante. Os pesquisadores também registraram pulverizações de agrotóxicos por avião e trator realizadas a menos de 10 metros de fontes de água potável, córregos, de criação de animais e de residências, desrespeitando legislação estadual sobre pulverização aérea e terrestre. Foi verificada ainda a contaminação de resíduos de vários tipos de agrotóxicos em 83% dos 12 poços de água potável (nas escolas e na cidade), contaminação de 56% das amostras de chuva recolhidas no pátio das escolas e de 25% das amostras de ar, também nos pátios das escolas. Essas amostras foram monitoradas durante dois anos.

Contaminação de 100% das amostras de leite materno

O monitoramento realizado pelos pesquisadores da UFMT e da Fiocruz também apontou a presença de resíduos de vários tipos de agrotóxicos em 88% das amostras de sangue e urina dos professores daquelas escolas. Os níveis de resíduos nos professores que moravam e atuavam na zona rural foi o dobro do verificado nos professores que moravam e atuavam na zona urbana de Lucas do Rio Verde. Além disso, foi constatada a contaminação com resíduos de agrotóxicos (DDE, Endosulfan, Deltametrina e DDT) de 100% das amostras de leite materno de 62 mães que pariram e amamentaram em Lucas do Rio Verde no ano de 2010. Os pesquisadores também encontraram resíduos de vários tipos de agrotóxicos em sedimentos de duas lagoas examinadas.

Segundo o médico Wanderley Pignati, um dos pesquisadores que coordenou o estudo, a realidade que se vê em praticamente todos os 131 municípios de Mato Grosso é a mesma: uma grande infraestrutura logística para garantir a “saúde do agronegócio” e uma estrutura absolutamente deficitária, quando não simplesmente ausente, para monitorar o impacto do uso intensivo de agroquímicos sobre a saúde da população e o meio ambiente. A pesquisa realizada em Lucas do Rio Verde constatou que não estava implantada nos serviços de saúde do município a vigilância em saúde dos trabalhadores e nem a das populações expostas aos agrotóxicos. “Na agricultura, a vigilância se resumia ao uso ‘correto’ de agrotóxicos e ao recolhimento de embalagens vazias sem questionar onde foram parar seus conteúdos”, afirma o resumo executivo do grupo que realizou o monitoramento.

As recomendações dos pesquisadores

Na avaliação de Pignati, o estudo deixou claro que a população do interior de Mato Grosso convive com a poluição por agrotóxicos que provoca doenças e danos ambientais como ocorre na poluição da bacia do Amazonas e do Araguaia, semelhante àquela constatada no Pantanal. Os pesquisadores denunciaram ainda que lideranças sociais, sindicalistas e pesquisadores foram e são “pressionados” por gestores públicos e pelo agronegócio para recuarem com as denúncias e ações no Ministério Público. Além disso, sugeriram um conjunto de medidas urgentes em defesa da saúde da população e do meio ambiente: proibição das pulverizações por avião; proibição do uso no Brasil dos agrotóxicos proibidos na União Europeia; fim dos subsídios a esses venenos; implantação nos municípios dos serviços de vigilância à saúde dos trabalhadores, do ambiente, dos alimentos e dos expostos aos agrotóxicos; implementar a transição para o modelo Agroecológico de agricultura e do Desenvolvimento Sustentável de Vida.

As pesquisas desenvolvidas na UFMT serviram de base também para o movimento popular que denunciou a “chuva” de agrotóxicos que ocorreu sobre a zona urbana de Lucas do Rio Verde. Em 2006 quando os fazendeiros dessecavam soja transgênica para a colheita, utilizando paraquat em pulverizações aéreas, uma nuvem tóxica foi levada pelo vento para a cidade e acabou dessecando milhares de plantas ornamentais, canteiros de plantas medicinais e de hortaliças. Além disso, essa nuvem de veneno provocou um surto de intoxicações agudas em crianças e idosos.

  
As pesquisas de Wanderley Pignati, em parceria com a Fiocruz, serviram como base do documentário “Nuvens de Veneno” (na íntegra, acima), que retrata a realidade vivida pela população que vive no interior do Mato Grosso. O documentário exige algumas das conclusões desse estudo e mostra como a aplicação de agrotóxicos por via aérea ou terrestre atinge, não só as lavouras, mas também casas, escolas e fontes de água que são utilizadas depois para abastecer a população. Para Pignati, os números obtidos neste estudo mostram que o uso dos agrotóxicos na cadeia produtiva do agronegócio contamina a lavoura, o produto, o ambiente, os trabalhadores rurais e a população do entorno. O professor da UFMT segue pesquisando esse tema e está envolvido agora em dois grandes projetos: um que está analisando a presença de resíduos de agrotóxicos nas nascentes do rio Xingú, e outro que investiga a contaminação por agrotóxicos na Chapada de Parecis. A partir destas pesquisas, ficará mais difícil decisões judiciais alegarem ausência de pesquisas e de comprovação científica para embasar posições liberando o uso de agrotóxicos.


Sul21

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