domingo, 29 de junho de 2014

Com obras inacabadas e famílias despejadas, Copa chega ao fim em PE

Moradores perderam casas para obras no TI Camaragibe e Ramal da Copa.
Expansão de terminal nem foi licitada; via não ficou completa para Mundial.

Primeira foto, tirada do Google Maps, mostram como era trecgo do Loteamento São Francisco de Timbi antes das casas serem desapropriadas. As casas do lado esquerdo já foram derrubadas para passagem do Ramal da Copa e expansão do TI Camaragibe (Foto: Luna Markman/G1)
Imagem de cima, reproduzida do Google Maps, mostra como era trecho do Loteamento São Francisco de Timbi antes dos imóveis serem desapropriados. Foto abaixo mostra que casas do lado direito da rua foram derrubadas para passagem do Ramal da Copa e expansão do TI Camaragibe (Foto: Luna Markman/G1)

Não há bandeiras do Brasil nas casas que sobraram no Loteamento São Francisco do Timbi, em Camaragibe, uma das áreas que foi alvo de sucessivos despejos devido a obras da Copa do Mundo no Grande Recife. Só um outdoor e ônibus lotados de torcedores, que passam com destino à Arena Pernambuco em dias de jogos, lembram que o evento ocorre perto dali. Famílias da região perderam seus imóveis para possibilitar a passagem dos ônibus BRTs [Bus Rapid Transit] e acesso ao Terminal Integrado [TI] Camaragibe, que ainda não foi feito. A expansão do TI, que também estava programada, nem sequer foi licitada. O processo, conduzido pelo governo estadual, foi criticado por entidades sociais. No loteamento, 9,17% das famílias não receberam a indenização. Neste domingo (29), o estado recebe o último jogo do Mundial e área, que sofreu desapropriações, está vazia e vira um verdadeiro lamaçal em dias de chuva.

Era nessa região que morava há 35 anos a aposentada Aurenir da Costa, 75 anos. Perto da antiga residência tinha a igreja, o frigorífico, o posto de saúde, a barraca de fruta que frequentava, além de um ponto do ônibus. O filho desempregado usou parte do terreno para montar uma sorveteria, que depois virou uma padaria. Ela conta que chegou a participar de uma reunião onde foi avisada sobre o despejo, mas afirma que a data não ficou acertada.

"No fim de 2013, chegaram dizendo para eu fazer o possível e impossível para sair de casa em três dias. Consegui alugar uma casa e, até agora, recebi 80% da indenização. Com esse dinheiro, só consegui comprar um lugarzinho para o meu filho. Passei a tomar remédios contra depressão por causa disso tudo que estou vivendo, e as obras nem terminaram. Meus netos querem nem saber da Copa", lamenta.

 A primeiro foto, retirada do Google Maps, mostra outro trecho de Camaragibe onde ocorreram desapropriações para passagem do Ramal da Copa (Foto: Luna Markman/G1)
A primeira imagem, do Google Maps, retrata outro trecho do Timbi antes das desapropriações para o Ramal e expansão do TI. Atualmente, quando chove, área vira lamaçal (Foto: Luna Markman/G1)

A Secretaria das Cidades informou que a área passou por uma adequação para possibilitar o tráfego de veículos. "Futuramente, algumas mudanças serão realizadas, como a construção de duas faixas, ligando o acesso do Ramal da Copa ao TI Camaragibe. Até o final do ano, as mudanças acontecerão", explia a Secretaria em nota. O órgão também garantiu que pretende iniciar as obras de expansão do TI Camaragibe ainda este ano.

Próximo ao Loteamento São Francisco do Timbi, outras famílias foram despejadas para obras do Corredor Leste-Oeste e do Ramal da Copa, entregues incompletos dias antes do início da competição. O coordenador de montagem Marcos Santos, 38 anos, perdeu metade do terreno de um hectare (tamanho de um campo de futebol), onde "nasceu e se criou", para abrir caminho ao Ramal da Copa, em Camaragibe, e até a última sexta (27) não tinha recebido nenhuma parcela da indenização.

Marcos e esposa Ana Paula lamentam saída do Timbi sem indenização (Foto: Luna Markman/G1) 
Marcos e esposa Ana Paula lamentam saída do Timbi sem indenização
(Foto: Luna Markman/G1)

"Depois que tiraram a terra de nós, colocaram um valor baixo por ela. O nosso caso está na Justiça e queremos agilidade, porque não recebi nada. Acho que é descaso, porque já apresentei toda a documentação. Preciso do dinheiro para construir uma casa nova. Estou morando de favor na casa da minha sogra e meus pais estão morando de improviso num cômodo com banheiro, sem água, no que restou do terreno. Não tem o que torcer nessa Copa, ela só trouxe desgraça e tristeza para nós", disse.

Expectativa

Em setembro de 2011, faltando mil dias para a Copa do Mundo, a Secretaria Extraordinária da Copa (Secopa-PE) apresentou, em coletiva, o Ramal da Copa. Com 6,3km de extensão, a nova via iria da Avenida Belmino Correia (continuação da Avenida Caxangá, no Recife), próximo ao TI de Camaragibe, até a Cidade da Copa (projetada para 2025) e a BR-408, onde fica a Arena Pernambuco, em São Lourenço da Mata.

O ramal seria composto por uma pista exclusiva para BRT (Bus Rapid Transit) e duas para carros, em cada sentido, passando pelo TI Cosme Damião, incluindo a construção de quatro obras de arte especiais (nome técnico dos túneis e viadutos) e uma estação. Depois, foi incluída uma ciclofaixa. A obra, na ocasião, estava em licitação, orçada em R$ 180 milhões, sendo R$ 81 milhões do governo estadual e R$ 99 milhões do governo federal, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Copa. A data de início do serviço estava prevista para novembro de 2011 e a conclusão, maio de 2013.

Ramal da Copa só com duas faixas, sem acostamento (Foto: Luna Markman/G1)
Ramal da Copa passa por Camaragibe só com duas faixas e não
tem acostamento (Foto: Luna Markman/G1)

Realidade

No primeiro jogo em Pernambuco, em 14 de junho, entre Costa do Marfim e Japão, os torcedores só puderam pegar o novo BRT nas duas únicas estações que ficaram prontas das 21 projetadas para o Corredor Leste-Oeste, que parte do Centro do Recife até a Avenida Belmino Correia. A rapidez e o conforto da viagem foram elogiados. No entanto, o tão famoso legado não será entregue à população 100% pronto, após o fim do Mundial.

A pista possui apenas duas faixas, em sentidos contrários, que servem exclusivamente ao BRT em dias de jogos na Arena. O ônibus, inclusive, não faz todo o percurso pelo Ramal. Atualmente, ainda tem que passar pelo Centro de 
São Lourenço da Mata. Não há acostamento e, segundo Marcos Santos, as luzes dos postes só acendem quando há partidas, gerando um clima de insegurança.

A Secretaria das Cidades informou que as obras terão continuidade após o término da Copa, com previsão de conclusão até o fim deste ano. A pasta não enviou resposta ao G1 sobre o motivo do atraso na obra nem o orçamento final do projeto.

Desapropriação criticada
 
A Secretaria Executiva de Desapropriações (Sedes) contabiliza 459 desapropriações para obras da Copa do Mundo no Recife e Região Metropolitana, totalizando R$ 102.528.738,48 [veja tabela abaixo]. Segundo o órgão, a maior parte dos imóveis residenciais desapropriados estava localizada na área de implantação do Ramal da Copa, especificamente no Loteamento Santos Cosme e Damião (38 imóveis), no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife, e no Loteamento São Francisco do Timbi (55 imóveis), em Camaragibe.
  
A mestranda em antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Alice Bezerra de Mello acompanhou as desapropriações em Camaragibe ainda durante a graduação em Ciências Sociais, por conta do projeto de conclusão do curso, que abordava o assunto. Além disso, ela também participa do Comitê Popular da Copa, grupo que acompanhou o desenrolar das obras e suas consequências junto à população.

Mello conta que quando chegou ao loteamento, ainda em 2012, as casas estavam em pé e ficou impressionada com a forma como os moradores foram comunicados sobre os despejos. "O governo contratou uma empresa terceirizada para fazer o serviço, mas eles só colocaram adesivos nas casas que seriam desapropriadas e não passaram informações precisas, como a data para sair e o valor das indenizações. O que preocupa é que a Copa começou a ser planejada em 2007 e não houve planejamento para essas famílias, como habitacionais ou doação de terreno. O que foi dado foi uma indenização insuficiente para as pessoas comprarem imóveis iguais aos que tinham", disse.

Mello também critica a falta de assistência às famílias e ainda denuncia a morte de sete pessoas em decorrência do processo desgastante das desapropriações. "Hoje, há famílias que não receberam o dinheiro porque a ação ainda está na Justiça. O que eu percebi é que a moradia delas piorou, passando para aluguel, casa de parentes. A indenização não suficiente para eles serem capazes de refazer vida, e não foi só a casa que eles perderam, foi o posto de saúde, a escola das crianças, a convivência com os vizinhos", relata.

Em novembro do ano passado, o G1 acompanhou a 
visita da relatora especial das Nações Unidas para o Direito à Moradia, Raquel Rolnik, ao Loteamento São Francisco de Timbi. A relatora saiu do local com a opinião de que Pernambuco estava "produzindo sem-tetos". Na ocasião, a secretária executiva estadual de Desapropriações, Analúcia Cabral, assegurou que uma série de ações foram realizadas para orientar e esclarecer os afetados sobre as desapropriações, como audiências públicas, com condução de uma equipe multidisciplinar.

Em 2013, durante visita da relatora da ONU a Camaragibe, o G1 entrevistou o mecânico Nelson Gregório, que estava sendo desapropriado e ainda não tinha recebido a indenização (Foto: Luna Markman/G1) 
Em 2013, durante visita da relatora da ONU a Camaragibe, o G1 entrevistou o mecânico Nelson Gregório, que mostrou adesivo colado na porta da casa de onde teria que sair para as obras da Copa (Foto: Luna Markman/G1)

Pagamento das indenizações

A Sedes informou que o valor ofertado a título de indenização pelo Estado já foi depositado integralmente nos processos judiciais, dependendo tão somente da liberação dos valores pela Justiça. Em relação às famílias desapropriadas no Loteamento São Francisco do Timbi, em Camaragibe, o órgão afirma que 44,18% dos expropriados já receberam 100% dos valores devidos; 28,68% receberam 80% dos valores ofertados; 17,95% receberam outros valores; e 9,17% não receberam nenhum valor indenizatório até o momento, o que representa, em números, nove casos.

Sobre esses casos, a Sedes informa que essa impossibilidade de pagamento decorreu da ausência dos requisitos legais exigidos dos expropriados para a quitação desses valores. A liberação desses recursos cabe ao Poder Judiciário, mediante comprovação de propriedade dos imóveis e a regularização fiscal dos tributos incidentes sobre o bem expropriado. O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e a Defensoria Pública do Estado estão em recesso até a próxima segunda-feira (30).

Fonte: Luna Markman | Do G1 PE

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