Em entrevista ao Diário, Glicéria da Silva Ritter
contou como foram as 18 horas de agonia que passou ao telefone enquanto dois
homens diziam ter sequestrado sua filha
Foto: Jean Pimentel / Agencia
RBS
O telefone celular da professora do 4º ano da Escola Rômulo Zanchi
tocou, por volta das 15h30min da última quarta-feira. Do outro lado da linha um
homem disse para ela que estava com sua filha. Por cerca de 18 horas, Glicéria
da Silva Ritter acreditou que sua filha _ ela nunca teve certeza qual das duas
_ estava sob o poder daqueles sequestradores, mas não mediu esforços para
salvá-la.
Seu pesadelo só terminou quando o delegado Sandro Meinerz sentou ao lado
dela, no quarto de um hotel no bairro Dores, e desligou o celular. Foi quando
ela percebeu que tudo não passou de um golpe. Uma sensação de alívio e vergonha tomou conta de
Glicéria.
Diário de Santa Maria _ Como está a sua vida desde então?
Glicéria da Silva Ritter _
Agora eu estou mais calma. Depois de tudo que aconteceu, comecei a pensar
melhor e dá uma certa sensação de vergonha de ter me deixado dominar por aquela
situação. Mas tudo foi tão real, que não teria como eu agir diferente. Eu tenho
uma filha que estuda fora e estou sempre com o pensamento nela. Não costumo
atender o telefone durante a aula, mas aquele dia tive a infelicidade de
atender e, desde o primeiro momento, comecei a acreditar em tudo que eles
estavam me dizendo.
Diário _ A senhora nunca tinha ouvido falar neste tipo de golpe?
Glicéria _ Ouvir eu já ouvi falar, mas
nunca levei muito a sério. Volta e meia a gente vê uma matéria sobre este tipo
de coisa e até fica sensibilizado, mas nunca imaginei que isto poderia
acontecer comigo.
Diário _ Como a senhora se deixou convencer pelos falsos sequestradores?
Glicéria _ Eu sou mãe. E estou sempre
preocupada com minhas filhas...o modo como eles falavam, eles colocaram uma moça
chorando para falar comigo...eu acreditei naquilo tudo. Ele dizia que era
matador de aluguel, e no fundo eu ouvia vozes de homens dizendo "tira a
roupa, tira a roupa", daí eu me apavorei.
Eu não queria desligar o celular, porque aquele era o único contato que eu tinha. Eu achava que se eu desligasse eu nunca mais veria minha filha. A partir dai eu passei a fazer tudo que eles me mandaram.
Eu não queria desligar o celular, porque aquele era o único contato que eu tinha. Eu achava que se eu desligasse eu nunca mais veria minha filha. A partir dai eu passei a fazer tudo que eles me mandaram.
Diário _ E como tudo aconteceu?
Glicéria _ O celular tocou por volta das
15h20min da quarta-feira. Eu atendi no corredor e, quando voltei para a sala _
eu não conseguia desligar; os sequestradores disseram que eu estava envolvendo
mais pessoas, foi quando eu disse que eram meus alunos. Neste momento eles
souberam que eu era professora. Eu peguei minha bolsa, pedi silêncio para meus
alunos e sai. Eu tinha que sair dali, fazer tudo que eles estavam mandando.
Eles diziam que se eu não obedecesse, não veria minha filha nunca mais.
Diário _ No banco, a senhora foi atendida muito rapidamente, não?
Glicéria _ Eu não podia desligar o
celular, em momento algum. Da escola, eu fui para agência bancária _ na Avenida
Dores _ sacar o dinheiro. Graças a Deus eu fui atendida muito rápido, porque eu
tinha muita pressa em fazer isso (Glicéria sacou R$ 5 mil). Eu achava que
depois disso eles entregariam minha filha. Do banco, eu fui para a agência
lotérica mais próxima, me disseram que tinha uma no shopping e eu fui. Os
bandidos me davam o número da conta e me informavam um nome só, para confirmar
o depósito eu tinha que dizer o nome completo do titular da conta. Fiz isto
umas cinco vezes, sempre com o celular ligado. Eles deixavam, no máximo, que eu
abaixasse o aparelho mas nunca desligasse a ligação _ eles queriam ouvir tudo
que eu falava.
Diário _ E depois?
Glicéria _ Depois de distribuir o dinheiro,
eles me mandaram comprar um celular e um chip novo e ir para um hotel mais
próximo da minha agência bancária. Eles me mandaram entrar e fingir que eu
estava falando com meu marido no telefone. Quando eu entrei no quarto,
eles mandaram que eu tirasse o chip do meu celular e desse descarga nele _
nessa hora eu poderia ter tentado ligar para alguém, mas eles disseram que
desde o momento em que saí da escola eu estava sendo observada. Depois de pôr
fora o chip, eles mandaram eu deixar o celular carregando e passamos a manter
contato com o novo número. A noite toda, foi uma tortura. Com o celular sempre
ligado, qualquer barulho que eles escutassem já perguntavam o que era. Se eu
precisasse ir ao banheiro, eu tinha que avisar. Eu não conseguia dormir, só
beber água...durante a noite, eles disseram que eu poderia falar com minha
filha. A moça que conversou comigo tinha a voz igualzinha a da minha filha
(mais nova). Ela dizia que não era para eu ficar nervosa.
Diário _ Como era a conversa com os bandidos?
Glicéria _ Durante todo o tempo, eu
conversei com dois homens. O Marcos tinha um comportamento muito agressivo, ele
dizia que eu não poderia passar mal, que isto seria o fim. Me dizia que eu
tinha que ficar com uma aparência boa, para fazer as coisas que eles me mandavam.
Já o Ismael era mais conciliador, eu conseguia perceber bem a diferença quando
eles trocavam. Nós ficamos a noite toda conversando. Eu me ofereci para trocar
de lugar com ela, perguntava do meu marido...eles diziam "com a sua
família é outra estratégia". Na minha cabeça eu imaginava que era eu e
minha filha fora de casa, nunca imaginei que era somente eu.
Diário _ A senhora já tinha ouvido falar em casos de sequestro em Santa
Maria?
Glicéria _ Não...
Diário _ Então, o que fez a senhora acreditar que a sua filha tinha sido
vítima de um?
Glicéria _ Não teria nenhum motivo para
que alguém da minha família fosse sequestrada, mas se matam por um par de
tênis, por um boné...
Diário _ E o dinheiro? E se a senhora não tivesse toda aquela quantia
para entregar?
Glicéria _ Um professor não teria aquela
quantia a disposição, assim. Eu achava que meu marido tinha depositado aquele
valor na minha conta, porque quando tô precisando de dinheiro ele faz isso.
Quando vi meu extrato, com aquele valor, perguntei se tinha sido ele, mas ele
disse que não. Depois que fomos descobrir que aquele dinheiro era de uns
precatórios que eu tinha para receber...
Diário _ É muita coincidência! Foram eles que pediram exatamente aquele
valor?
Glicéria _ Não, eles me pediram para
arranjar algum dinheiro. Como eu sabia que tinha aquela quantia na conta,
pensei que não deveria dar pouco, afinal era a vida da minha filha. Eu
entreguei o que eu sabia que tinha. Mais tarde, já no quarto do hotel, eles
disseram que eu estava mentindo...que eu tinha mais. De fato, eu tinha mais um
pouco, foi o que reforçou a ideia de que eles sabiam tudo da minha vida.
Como eles me disseram que iriam me entregar minha filha ainda naquela noite, eu disse que eles me explicassem como eu poderia sacar este dinheiro ainda de noite. Fui no banco, mas não consegui tirar muito. Então, eles me mandaram ir na rodoviária...dai eu pensei que, por mais que eles tivessem um sotaque de gente de fora, eles conheciam a cidade.
Como eles me disseram que iriam me entregar minha filha ainda naquela noite, eu disse que eles me explicassem como eu poderia sacar este dinheiro ainda de noite. Fui no banco, mas não consegui tirar muito. Então, eles me mandaram ir na rodoviária...dai eu pensei que, por mais que eles tivessem um sotaque de gente de fora, eles conheciam a cidade.
Diário _ E quando a senhora teve coragem de escrever aquele bilhete
(pedindo ajuda para a camareira)?
Glicéria _ Já por volta das 6h da manhã,
eu sai para sacar mais dinheiro e depositar para eles. Fui novamente no
shopping, mas ainda não estava aberto. Eu estava agitada e eles me mandaram
ficar calma e ir tomar café, até então eu não tinha comido nada. Depois de
tomar duas xícaras de café preto, voltei para o quarto. Depois, já por volta
das 10h, eles me mandaram tentar fazer o depósito. Eu ia pegar meu carro, mas
quando cheguei na rua vi um monte de policiais e lembrei que eles tinham dito
para não envolver a polícia, eles falavam que "a polícia não tem comando
nenhum, quem manda somos nós". Então, fui de táxi. O shopping ainda
não estava aberto, então o taxista me levou para outra lotérica e depois voltei
para o hotel. Depois de fazer tudo que eles disseram, me mandaram comprar um
novo chip. Ao retornar para o hotel, me instruíram a colocar o chip no meu
celular, que estava carregando, e ligar para o meu marido e dizer que estava
sequestrada. Meu marido dizia que estavam todos em casa, mas só fui entender
que não havia ninguém sequestrado lá pela terceira ligação. Foi quando eu tomei
coragem de pedir socorro, escrevendo em um papel e entregando para a camareira.
Pouco tempo depois, chegou todo mundo. O delegado sentou no meu lado e disse
para eu pedir aos bandidos para ir ao banheiro e dizer que deixaria o celular
no chão. Quando eu larguei o aparelho, ele desligou a ligação. Nessa hora eu
chorei tudo que eu não pude durante todas aquelas horas
Diário _ Qual é a lição que a senhora tira disso tudo?
Glicéria _ Depois de tudo que passei, a
gente fica pensando "que mundo é esse?". Acho que é meu papel, como
educadora, formar pessoas mais humanas. Durante toda noite, os bandidos falavam
coisas que me fizeram acreditar que eles têm histórias de vida sofridas...o ser
humano não nasce ruim, eu não acredito nisso. Acho que temos que nos esforçar
para que as pessoas tenham valores mais humanos, que não se deixem levar pela
ganância ou pela maldade.
Fonte: Igor Müller | DIÁRIO DE SANTA MARIA
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