terça-feira, 10 de setembro de 2013

"Fiz o que meu coração mandou", conta professora vítima de falso sequestro em Santa Maria

Em entrevista ao Diário, Glicéria da Silva Ritter contou como foram as 18 horas de agonia que passou ao telefone enquanto dois homens diziam ter sequestrado sua filha


   Foto:  Jean Pimentel  /  Agencia RBS

O telefone celular da professora do 4º ano da Escola Rômulo Zanchi tocou, por volta das 15h30min da última quarta-feira. Do outro lado da linha um homem disse para ela que estava com sua filha. Por cerca de 18 horas, Glicéria da Silva Ritter acreditou que sua filha _ ela nunca teve certeza qual das duas _ estava sob o poder daqueles sequestradores, mas não mediu esforços para salvá-la.

Seu pesadelo só terminou quando o delegado Sandro Meinerz sentou ao lado dela, no quarto de um hotel no bairro Dores, e desligou o celular. Foi quando ela percebeu que tudo não passou de um golpe. Uma sensação de alívio e vergonha tomou conta de Glicéria.

Diário de Santa Maria _ Como está a sua vida desde então?

Glicéria da Silva Ritter _ Agora eu estou mais calma. Depois de tudo que aconteceu, comecei a pensar melhor e dá uma certa sensação de vergonha de ter me deixado dominar por aquela situação. Mas tudo foi tão real, que não teria como eu agir diferente. Eu tenho uma filha que estuda fora e estou sempre com o pensamento nela. Não costumo atender o telefone durante a aula, mas aquele dia tive a infelicidade de atender e, desde o primeiro momento, comecei a acreditar em tudo que eles estavam me dizendo.

Diário _ A senhora nunca tinha ouvido falar neste tipo de golpe?

Glicéria _ Ouvir eu já ouvi falar, mas nunca levei muito a sério. Volta e meia a gente vê uma matéria sobre este tipo de coisa e até fica sensibilizado, mas nunca imaginei que isto poderia acontecer comigo.

Diário _ Como a senhora se deixou convencer pelos falsos sequestradores?

Glicéria _ Eu sou mãe. E estou sempre preocupada com minhas filhas...o modo como eles falavam, eles colocaram uma moça chorando para falar comigo...eu acreditei naquilo tudo. Ele dizia que era matador de aluguel, e no fundo eu ouvia vozes de homens dizendo "tira a roupa, tira a roupa", daí eu me apavorei.
Eu não queria desligar o celular, porque aquele era o único contato que eu tinha. Eu achava que se eu desligasse eu nunca mais veria minha filha. A partir dai eu passei a fazer tudo que eles me mandaram.

Diário _ E como tudo aconteceu?

Glicéria _ O celular tocou por volta das 15h20min da quarta-feira. Eu atendi no corredor e, quando voltei para a sala _ eu não conseguia desligar; os sequestradores disseram que eu estava envolvendo mais pessoas, foi quando eu disse que eram meus alunos. Neste momento eles souberam que eu era professora. Eu peguei minha bolsa, pedi silêncio para meus alunos e sai. Eu tinha que sair dali, fazer tudo que eles estavam mandando. Eles diziam que se eu não obedecesse, não veria minha filha nunca mais.

Diário _ No banco, a senhora foi atendida muito rapidamente, não?

Glicéria _ Eu não podia desligar o celular, em momento algum. Da escola, eu fui para agência bancária _ na Avenida Dores _ sacar o dinheiro. Graças a Deus eu fui atendida muito rápido, porque eu tinha muita pressa em fazer isso (Glicéria sacou R$ 5 mil). Eu achava que depois disso eles entregariam minha filha. Do banco, eu fui para a agência lotérica mais próxima, me disseram que tinha uma no shopping e eu fui. Os bandidos me davam o número da conta e me informavam um nome só, para confirmar o depósito eu tinha que dizer o nome completo do titular da conta. Fiz isto umas cinco vezes, sempre com o celular ligado. Eles deixavam, no máximo, que eu abaixasse o aparelho mas nunca desligasse a ligação _ eles queriam ouvir tudo que eu falava.

Diário _ E depois?

Glicéria _ Depois de distribuir o dinheiro, eles me mandaram comprar um celular e um chip novo e ir para um hotel mais próximo da minha agência bancária. Eles me mandaram entrar e fingir que eu estava falando com meu marido no telefone.  Quando eu entrei no quarto, eles mandaram que eu tirasse o chip do meu celular e desse descarga nele _ nessa hora eu poderia ter tentado ligar para alguém, mas eles disseram que desde o momento em que saí da escola eu estava sendo observada. Depois de pôr fora o chip, eles mandaram eu deixar o celular carregando e passamos a manter contato com o novo número. A noite toda, foi uma tortura. Com o celular sempre ligado, qualquer barulho que eles escutassem já perguntavam o que era. Se eu precisasse ir ao banheiro, eu tinha que avisar. Eu não conseguia dormir, só beber água...durante a noite, eles disseram que eu poderia falar com minha filha. A moça que conversou comigo tinha a voz igualzinha a da minha filha (mais nova). Ela dizia que não era para eu ficar nervosa.

Diário _ Como era a conversa com os bandidos?

Glicéria _ Durante todo o tempo, eu conversei com dois homens. O Marcos tinha um comportamento muito agressivo, ele dizia que eu não poderia passar mal, que isto seria o fim. Me dizia que eu tinha que ficar com uma aparência boa, para fazer as coisas que eles me mandavam. Já o Ismael era mais conciliador, eu conseguia perceber bem a diferença quando eles trocavam. Nós ficamos a noite toda conversando. Eu me ofereci para trocar de lugar com ela, perguntava do meu marido...eles diziam "com a sua família é outra estratégia". Na minha cabeça eu imaginava que era eu e minha filha fora de casa, nunca imaginei que era somente eu.

Diário _ A senhora já tinha ouvido falar em casos de sequestro em Santa Maria?

Glicéria _ Não...

Diário _ Então, o que fez a senhora acreditar que a sua filha tinha sido vítima de um?

Glicéria _ Não teria nenhum motivo para que alguém da minha família fosse sequestrada, mas se matam por um par de tênis, por um boné...

Diário _ E o dinheiro? E se a senhora não tivesse toda aquela quantia para entregar?

Glicéria _ Um professor não teria aquela quantia a disposição, assim. Eu achava que meu marido tinha depositado aquele valor na minha conta, porque quando tô precisando de dinheiro ele faz isso. Quando vi meu extrato, com aquele valor, perguntei se tinha sido ele, mas ele disse que não. Depois que fomos descobrir que aquele dinheiro era de uns precatórios que eu tinha para receber...

Diário _ É muita coincidência! Foram eles que pediram exatamente aquele valor?

Glicéria _ Não, eles me pediram para arranjar algum dinheiro. Como eu sabia que tinha aquela quantia na conta, pensei que não deveria dar pouco, afinal era a vida da minha filha. Eu entreguei o que eu sabia que tinha. Mais tarde, já no quarto do hotel, eles disseram que eu estava mentindo...que eu tinha mais. De fato, eu tinha mais um pouco, foi o que reforçou a ideia de que eles sabiam tudo da minha vida.
Como eles me disseram que iriam me entregar minha filha ainda naquela noite, eu disse que eles me explicassem como eu poderia sacar este dinheiro ainda de noite. Fui no banco, mas não consegui tirar muito. Então, eles me mandaram ir na rodoviária...dai eu pensei que, por mais que eles tivessem um sotaque de gente de fora, eles conheciam a cidade.

Diário _ E quando a senhora teve coragem de escrever aquele bilhete (pedindo ajuda para a camareira)?

Glicéria _ Já por volta das 6h da manhã, eu sai para sacar mais dinheiro e depositar para eles. Fui novamente no shopping, mas ainda não estava aberto. Eu estava agitada e eles me mandaram ficar calma e ir tomar café, até então eu não tinha comido nada. Depois de tomar duas xícaras de café preto, voltei para o quarto. Depois, já por volta das 10h, eles me mandaram tentar fazer o depósito. Eu ia pegar meu carro, mas quando cheguei na rua vi um monte de policiais e lembrei que eles tinham dito para não envolver a polícia, eles falavam que "a polícia não tem comando nenhum, quem manda somos nós". Então, fui de táxi.  O shopping ainda não estava aberto, então o taxista me levou para outra lotérica e depois voltei para o hotel. Depois de fazer tudo que eles disseram, me mandaram comprar um novo chip. Ao retornar para o hotel, me instruíram a colocar o chip no meu celular, que estava carregando, e ligar para o meu marido e dizer que estava sequestrada. Meu marido dizia que estavam todos em casa, mas só fui entender que não havia ninguém sequestrado lá pela terceira ligação. Foi quando eu tomei coragem de pedir socorro, escrevendo em um papel e entregando para a camareira. Pouco tempo depois, chegou todo mundo. O delegado sentou no meu lado e disse para eu pedir aos bandidos para ir ao banheiro e dizer que deixaria o celular no chão. Quando eu larguei o aparelho, ele desligou a ligação. Nessa hora eu chorei tudo que eu não pude durante todas aquelas horas

Diário _ Qual é a lição que a senhora tira disso tudo?

Glicéria _ Depois de tudo que passei, a gente fica pensando "que mundo é esse?". Acho que é meu papel, como educadora, formar pessoas mais humanas. Durante toda noite, os bandidos falavam coisas que me fizeram acreditar que eles têm histórias de vida sofridas...o ser humano não nasce ruim, eu não acredito nisso. Acho que temos que nos esforçar para que as pessoas tenham valores mais humanos, que não se deixem levar pela ganância ou pela maldade. 

Fonte: Igor Müller | DIÁRIO DE SANTA MARIA

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