Um dos maiores acidentes de trânsito da história de
Porto Alegre ainda intriga, passados 10 dias
Acidente aconteceu na esquina das ruas Mostardeiro e Coronel Bordini, durante fuga da políciaFoto: Dani Barcellos / Especial
Passados 10 dias do choque de um Audi com seis ocupantes contra um muro, em um dos endereços mais nobres da Capital, uma
das maiores tragédias da história do trânsito de Porto Alegre ainda intriga. Em
32 anos trabalhando com transportes, o diretor da Empresa Pública de Transporte
e Circulação (EPTC), Vanderlei Cappellari, não lembra de outro acidente com
tantas vítimas na área urbana como esse, que matou cinco pessoas e deixou uma
ferida, na esquina das ruas Mostardeiro e Coronel Bordini, durante fuga da
polícia. Tudo indica que os estragos tenham sido potencializados por alta
velocidade, imprudência e álcool. O delegado de Homicídios de Trânsito
Cristiano de Castro Reschke aguarda o resultado da perícia para saber a que
velocidade o Audi era conduzido. A seguir, ZH mostra como os destinos dos
jovens se cruzaram até o choque fatal.
A frase foi dita em tom de brincadeira, mas seria lembrada como
profecia.
— Só vai dar nós hoje no centrinho — anunciava a auxiliar de
limpeza Simone Silveira Carvalho, 26 anos, enquanto se arrumava na casa da
amiga Dione Fernanda Santos da Fonseca, 24 anos, ao som das batidas de funk que
adoravam escutar.
Era para ser mais uma noite divertida da turma apelidada por
elas de Bonde do Perigo, que reunia vizinhas inseparáveis do bairro Santa
Tereza, da qual também faziam parte a auxiliar de limpeza Carine Ribeiro Dias
Pinto, 27 anos, e a desempregada Jéssica Paz Rodrigues, 22 anos. Simone
apareceu na casa de Dione quando a telefonista desempregada tinha acabado de
jantar naquela quarta-feira, 10 de julho, convidando-a para sair. O filho de
Dione, Rian, seis anos, ainda tentou impedir.
— Minha mãe vai sair, minha mãe vai sair! Não deixa ela sair,
senão vou ficar sozinho — berrava para o avô, o azulejista Edi Xavier da
Fonseca, 58 anos, que mora no andar de baixo da mesma casa.
Com a saúde debilitada por um tratamento contra câncer de
pulmão, Edi se resignou. Há tempo abandonara a pretensão de segurar a filha, já
adulta, criada por ele sem a presença da mãe. Ficou só ouvindo os passos das
meninas se arrumando, os ecos das risadas das gurias no andar de cima.
Nesse meio tempo, Simone foi convidar as outras amigas para
acompanhá-las na noite. Conseguiu convencer Carine, que deixou os dois filhos,
de três e 12 anos, sozinhos em casa, e Jéssica, grávida de três meses e mãe de
uma menina de cinco anos. Do andar de baixo, a família de Dione ouviu os passos
das gurias descendo a escada, por volta das 23h, rumo ao Centro.
Segundo relatos de amigos e vizinhos, o destino era o Adega da
Beira Bar e Restaurante, na Rua Marechal Floriano. Tocando hits de pagode, funk
e música sertaneja, a casa estava mais cheia do que o costume naquela noite,
por causa da paralisação geral anunciada para o dia seguinte pelas centrais
sindicais.
— Não costumavam sair durante a semana, acho que só saíram
porque no dia seguinte não ia ter ônibus para trabalhar — imagina a vendedora
de roupas Vera Regina Braga Ribeiro, 43 anos, mãe de Carine.
Policiais não conseguiram acompanhar o carro 1.8
Foi no Adega que teriam se encontrado com dois jovens, Roger
Bruno Ciuro, 23 anos — proprietário de um Audi A3 2001 e de um histórico de
ocorrências que incluem roubo, sequestro e cárcere privado —, e Alexandre
Pinheiro Corrêa de Mello, 29 anos, residente no bairro São José — que tinha
antecedentes por posse de entorpecentes, furto e lesão corporal. Como nunca
ouviram falar dos rapazes, os pais imaginam que as filhas tenham conhecido a dupla
naquele dia. Das quatro amigas, apenas Jéssica não tinha antecedentes policias.
A lembrança que os vizinhos têm de Roger tampouco combina com sua ficha.
Morador de uma casa de classe média de dois pisos no bairro Floresta, com
fachada revestida de pedras de decoração, costumava andar sempre bem vestido.
Tinha uma filha pequena, era casado e morava com a avó — que desde o dia do
acidente não foi mais vista pelos moradores.
Seja como for, o contato entre o grupo que se encontrou na noite
se estreitou rápido. Naquela mesma madrugada, vizinhos viram o Audi de Roger
circular pelo morro Santa Tereza, estacionando diante da casa de Carine por
volta das 3h.
— Acho que a Jéssica foi trocar a blusa, porque achamos a blusa
na casa da Carine. Vizinhos disseram que ficaram pouco tempo — especula a mãe
de Carine.
Depois da passada pelo morro, seguiram para a Stuttgart
Cervejaria e Music Hall, outro ponto frequentado pelas meninas. De lá, por
volta das 5h, Jéssica teria telefonado para um taxista.
— Ele disse que estava em uma corrida e já voltava para
buscá-la, mas depois ela não atendeu mais o telefone — contou a mãe de Jéssica,
Albina Paz, que mais tarde atenderia a ligação no celular da filha.
A noite acabaria minutos depois, quando o Audi conduzido por
Roger, com lotação acima da capacidade, se espatifou contra um muro. De acordo
com o major André Luiz Córdova, taxistas contaram à Brigada Militar ter visto o
veículo sair da Stuttgart dando cavalinho de pau. A alta velocidade chamou
atenção de uma viatura. Em um Palio, policiais tentaram persegui-lo, mas
acabaram ficando para trás pela potência do Audi 1.8.
Só conseguiram se aproximar quando a tragédia já havia se
consumado. Por não haver marcas de freada na lomba da Mostardeiro que leva ao
local do acidente, a suspeita é de que o Audi tenha "voado" em
direção ao muro de um imóvel na Bordini. No interior do carro, foram
encontradas uma garrafa de vodca, outra de energético e duas facas.
Quatro morreram no local. Dione resistiu por mais três dias no
hospital. Apenas Jéssica sobreviveu. Até sexta-feira, continuava internada na
UTI do HPS. O filho que Jéssica esperava se tornou vítima da tragédia ainda
insepulta.
AS VÍTIMAS
ROGER BRUNO CIURO
Aos 23 anos, era o motorista do Audi. Morava no bairro Floresta, na Capital.
Aos 23 anos, era o motorista do Audi. Morava no bairro Floresta, na Capital.
ALEXANDRE CORRÊA
Com 29 anos, era morador do bairro São José, em Porto Alegre.
Com 29 anos, era morador do bairro São José, em Porto Alegre.
SIMONE SILVEIRA CARVALHO
Aos 26 anos, era auxiliar de limpeza e morava no bairro Santa Tereza. Deixou um filho.
Aos 26 anos, era auxiliar de limpeza e morava no bairro Santa Tereza. Deixou um filho.
JESSICA PAZ RODRIGUES
Com 22 anos, é a única sobrevivente — permanecia até sexta em estado grave. Estava grávida.
Com 22 anos, é a única sobrevivente — permanecia até sexta em estado grave. Estava grávida.
DIONE FERNANDA DA FONSECA
Aos 24 anos, morava no bairro Santa Tereza e deixou um filho de seis anos.
Aos 24 anos, morava no bairro Santa Tereza e deixou um filho de seis anos.
CARINE RIBEIRO DIAS PINTO
Com 27 anos, auxiliar de limpeza, tinha dois filhos e também morava no bairro Santa Tereza.
Com 27 anos, auxiliar de limpeza, tinha dois filhos e também morava no bairro Santa Tereza.
Fonte: Letícia Duarte |
ZERO HORA
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