sábado, 20 de julho de 2013

Como os destinos dos jovens se cruzaram até carro bater contra muro na Capital

Um dos maiores acidentes de trânsito da história de Porto Alegre ainda intriga, passados 10 dias

Como os destinos dos jovens se cruzaram até carro bater contra muro na Capital Dani Barcellos/Especial
Acidente aconteceu na esquina das ruas Mostardeiro e Coronel Bordini, durante fuga da políciaFoto: Dani Barcellos / Especial

Passados 10 dias do choque de um Audi com seis ocupantes contra um muro, em um dos endereços mais nobres da Capital, uma das maiores tragédias da história do trânsito de Porto Alegre ainda intriga. Em 32 anos trabalhando com transportes, o diretor da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Cappellari, não lembra de outro acidente com tantas vítimas na área urbana como esse, que matou cinco pessoas e deixou uma ferida, na esquina das ruas Mostardeiro e Coronel Bordini, durante fuga da polícia. Tudo indica que os estragos tenham sido potencializados por alta velocidade, imprudência e álcool. O delegado de Homicídios de Trânsito Cristiano de Castro Reschke aguarda o resultado da perícia para saber a que velocidade o Audi era conduzido. A seguir, ZH mostra como os destinos dos jovens se cruzaram até o choque fatal.

A frase foi dita em tom de brincadeira, mas seria lembrada como profecia.

— Só vai dar nós hoje no centrinho — anunciava a auxiliar de limpeza Simone Silveira Carvalho, 26 anos, enquanto se arrumava na casa da amiga Dione Fernanda Santos da Fonseca, 24 anos, ao som das batidas de funk que adoravam escutar.

Era para ser mais uma noite divertida da turma apelidada por elas de Bonde do Perigo, que reunia vizinhas inseparáveis do bairro Santa Tereza, da qual também faziam parte a auxiliar de limpeza Carine Ribeiro Dias Pinto, 27 anos, e a desempregada Jéssica Paz Rodrigues, 22 anos. Simone apareceu na casa de Dione quando a telefonista desempregada tinha acabado de jantar naquela quarta-feira, 10 de julho, convidando-a para sair. O filho de Dione, Rian, seis anos, ainda tentou impedir.

— Minha mãe vai sair, minha mãe vai sair! Não deixa ela sair, senão vou ficar sozinho — berrava para o avô, o azulejista Edi Xavier da Fonseca, 58 anos, que mora no andar de baixo da mesma casa.

Com a saúde debilitada por um tratamento contra câncer de pulmão, Edi se resignou. Há tempo abandonara a pretensão de segurar a filha, já adulta, criada por ele sem a presença da mãe. Ficou só ouvindo os passos das meninas se arrumando, os ecos das risadas das gurias no andar de cima.

Nesse meio tempo, Simone foi convidar as outras amigas para acompanhá-las na noite. Conseguiu convencer Carine, que deixou os dois filhos, de três e 12 anos, sozinhos em casa, e Jéssica, grávida de três meses e mãe de uma menina de cinco anos. Do andar de baixo, a família de Dione ouviu os passos das gurias descendo a escada, por volta das 23h, rumo ao Centro.

Segundo relatos de amigos e vizinhos, o destino era o Adega da Beira Bar e Restaurante, na Rua Marechal Floriano. Tocando hits de pagode, funk e música sertaneja, a casa estava mais cheia do que o costume naquela noite, por causa da paralisação geral anunciada para o dia seguinte pelas centrais sindicais.

— Não costumavam sair durante a semana, acho que só saíram porque no dia seguinte não ia ter ônibus para trabalhar — imagina a vendedora de roupas Vera Regina Braga Ribeiro, 43 anos, mãe de Carine.

Policiais não conseguiram acompanhar o carro 1.8

Foi no Adega que teriam se encontrado com dois jovens, Roger Bruno Ciuro, 23 anos — proprietário de um Audi A3 2001 e de um histórico de ocorrências que incluem roubo, sequestro e cárcere privado —, e Alexandre Pinheiro Corrêa de Mello, 29 anos, residente no bairro São José — que tinha antecedentes por posse de entorpecentes, furto e lesão corporal. Como nunca ouviram falar dos rapazes, os pais imaginam que as filhas tenham conhecido a dupla naquele dia. Das quatro amigas, apenas Jéssica não tinha antecedentes policias. A lembrança que os vizinhos têm de Roger tampouco combina com sua ficha. Morador de uma casa de classe média de dois pisos no bairro Floresta, com fachada revestida de pedras de decoração, costumava andar sempre bem vestido. Tinha uma filha pequena, era casado e morava com a avó — que desde o dia do acidente não foi mais vista pelos moradores.

Seja como for, o contato entre o grupo que se encontrou na noite se estreitou rápido. Naquela mesma madrugada, vizinhos viram o Audi de Roger circular pelo morro Santa Tereza, estacionando diante da casa de Carine por volta das 3h.

— Acho que a Jéssica foi trocar a blusa, porque achamos a blusa na casa da Carine. Vizinhos disseram que ficaram pouco tempo — especula a mãe de Carine.

Depois da passada pelo morro, seguiram para a Stuttgart Cervejaria e Music Hall, outro ponto frequentado pelas meninas. De lá, por volta das 5h, Jéssica teria telefonado para um taxista.

— Ele disse que estava em uma corrida e já voltava para buscá-la, mas depois ela não atendeu mais o telefone — contou a mãe de Jéssica, Albina Paz, que mais tarde atenderia a ligação no celular da filha.

A noite acabaria minutos depois, quando o Audi conduzido por Roger, com lotação acima da capacidade, se espatifou contra um muro. De acordo com o major André Luiz Córdova, taxistas contaram à Brigada Militar ter visto o veículo sair da Stuttgart dando cavalinho de pau. A alta velocidade chamou atenção de uma viatura. Em um Palio, policiais tentaram persegui-lo, mas acabaram ficando para trás pela potência do Audi 1.8.

Só conseguiram se aproximar quando a tragédia já havia se consumado. Por não haver marcas de freada na lomba da Mostardeiro que leva ao local do acidente, a suspeita é de que o Audi tenha "voado" em direção ao muro de um imóvel na Bordini. No interior do carro, foram encontradas uma garrafa de vodca, outra de energético e duas facas.

Quatro morreram no local. Dione resistiu por mais três dias no hospital. Apenas Jéssica sobreviveu. Até sexta-feira, continuava internada na UTI do HPS. O filho que Jéssica esperava se tornou vítima da tragédia ainda insepulta.

AS VÍTIMAS

ROGER BRUNO CIURO
Aos 23 anos, era o motorista do Audi. Morava no bairro Floresta, na Capital.

ALEXANDRE CORRÊA
Com 29 anos, era morador do bairro São José, em Porto Alegre.

SIMONE SILVEIRA CARVALHO
Aos 26 anos, era auxiliar de limpeza e morava no bairro Santa Tereza. Deixou um filho.

JESSICA PAZ RODRIGUES
Com 22 anos, é a única sobrevivente — permanecia até sexta em estado grave. Estava grávida.

DIONE FERNANDA DA FONSECA
Aos 24 anos, morava no bairro Santa Tereza e deixou um filho de seis anos.

CARINE RIBEIRO DIAS PINTO
Com 27 anos, auxiliar de limpeza, tinha dois filhos e também morava no bairro Santa Tereza.

Fonte: Letícia Duarte | ZERO HORA

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