Estudante exemplar, José Luiz Camboim Moni tem o
sonho de estudar medicina
José se diverte com os irmãos jogando no Playstation 2 que ganharamFoto: Tadeu Vilani / Agencia RBS
O menino José, que coleciona notas 10 e sonha em ser médico
apesar das condições paupérrimas de vida, já tem roupa suficiente para abrir um
brechó, material escolar de sobra para ele e os irmãos, pelo menos três caixas
lotadas de livros, conta com reforço pedagógico particular garantido e acaba de
se matricular em um curso de inglês. O que falta para o guri de 15 anos é o
fundamental para que consiga aproveitar todos os donativos: uma casa.
Passados quase 30 dias da publicação da reportagem de Zero Hora
que mostrava a realidade de José Luiz Camboim Moni, que se dedica aos estudos
para conseguir cursar Medicina, a família continua morando debaixo de uma ponte
da BR-116, em Esteio. O drama está cada vez mais próximo de uma solução.
>>> Debaixo da ponte, um aluno nota 10 que sonha ser médico
>>> Rede de solidariedade se forma para ajudar estudante que mora embaixo de ponte na BR-116
Um computador para os estudos
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Um computador para os estudos
Sensibilizado com a história, um cirurgião de Porto Alegre, que
pediu para ter o nome preservado, publicou nas redes sociais um apelo a um
grupo de médicos gaúchos e colorados do qual participa, movimentando
interessados em auxiliar a família. Imediatamente, mais de 80 dos cerca de mil
membros se disponibilizaram em ajudar. Muitos foram até a ponte conhecer o
menino.
— Se ele for o guri raçudo que eu acho que ele é, vai
conseguir ser médico. Nossa missão é ajudá-lo até que consiga realizar este
sonho — disse o mentor da rede de solidariedade.
E continuou:
— Chegamos ali e pensamos: "como fazer com que ele se
forme médico?" A primeira coisa é resolver a questão da casa para ele e os
irmãos. O menino precisa ter um quarto para poder estudar, se concentrar.
José ganhou computador e notebook. Eles seguem encaixotados,
pois não há onde ligar. Os livros que arrecadou estão atirados, sem ter um
armário para guardar. As comidas, expostas aos ratos.
Padrinho lembra passado ao ajudar José
Um agravante tornou ainda mais urgente a mudança para um lugar
seguro: na última sexta-feira, toda a família viajou ao Rio de Janeiro para
participar de um programa de auditório. Na ausência, tiveram parte da comida
furtada.
A intenção dos médicos é devolver à família o terreno onde
moravam há nove meses, antes de se mudarem para o pontilhão. O espaço é grande
o suficiente para construir uma casa para a mãe Tatiana, 35 anos, morar com os
filhos mais novos, e outra para a filha mais velha, que é casada, tem filho e é
vizinha dela na ponte. Eles teriam saído do terreno na Travessa Viamão, em
Esteio, depois de receberem uma notificação de débito, dizendo que o imóvel
estaria sujeito a leilão.
— Tive medo de perder tudo. Fiquei sabendo que tinha uma vaga na
ponte e fui pra lá —disse Tatiana.
Na prefeitura ainda consta uma dívida de IPTU de R$ 2,6 mil.
Quitá-la não basta. O terreno está no nome do avô paterno de José. Só que o avô
e o pai do menino já morreram e ninguém sabe da certidão de óbito do dono do
imóvel. Só depois de encontrar o documento é que será possível saber quem são
os herdeiros de fato, fazer o inventário e legalizar a questão.
A prefeitura informou que busca uma casa para que possam
subsidiar o aluguel solidário até que os entraves da moradia se resolvam. Caso
a burocracia emperre o inventário, os médicos não pretendem perder tempo.
Estudam a compra de um novo terreno. Uma conta no nome de uma instituição sem
fins lucrativos foi aberta. O número ainda não foi divulgado porque falta a
confecção de um documento que dará transparência ao processo e garantias de que
o dinheiro terá como fim específico a compra da casa e um suporte permanente
para custear as necessidades de José.
O cirurgião tomou para si a causa. Ao ouvir os relatos do
adolescente, lembra de seu passado de dificuldades. Chegou a dirigir ambulância
no segundo semestre da faculdade. Sabe que, além de determinação, é necessário
um padrinho que mostre os caminhos a seguir para chegar lá. Está disposto a
acompanhar a evolução de José:
— Ficaremos atento às dificuldades dele, ajudaremos no que for
necessário, mas vamos cobrar os resultados o tempo todo. Precisamos garantir
que ele não precise pegar qualquer trabalho até ingressar no curso. Depois, não
há mal nenhum em começar a trabalhar para ajudar nos estudos. Me emociona em
pensar no dia em que veremos o José se tornar médico.
O sonho de aprender a falar inglês
Cedinho, ontem, José estava pronto para concretizar o primeiro
de seus sonhos grandiosos: matricular-se em um curso de inglês. Acompanhado da
mãe, era só sorrisos na assinatura do contrato de bolsa integral que recebeu da
proprietária de uma escola no centro do município.
—Nós ficamos tocados com a luta do José, com a vontade dele de
estudar. Vamos garantir os estudos dele aqui até que complete o curso, o que deve
levar uns seis anos—disse a dona da escola, Marisa Elizabete Pereira.
A primeira aula já está marcada para segunda-feira. Para
turbinar a boa base escolar que recebeu na Escola Estadual de Ensino
Fundamental Ezequiel Nunes Filho, onde estuda, um senhor que também prefere
ficar anônimo custeou o reforço escolar, que terá no turno inverso.
Presentes que alegram a casa
Presentes também estão sendo distribuídos para os irmãos.
Matheus, 13 anos, recebe aulas particulares de desenho. A mãe guarda os
traçados umedecidos pela exposição ao tempo e mostra com orgulho.
— Olha, o Matheus está se saindo um ótimo desenhista.
De presente também ganharam um Playstation 2 e uma televisão de
30 polegadas, que têm feito a alegria das crianças.
Dentre as doações, uma carroça. Aquela que Tatiana usava para
trabalhar havia sido demolida em um acidente de trânsito. Agora, a mulher
voltou a trabalhar na capina, na poda e na limpeza das ruas. Fora isso, as
tantas ofertas de emprego que foram oferecidas para os meninos.
— Eles são muito novos. O José mesmo tem só 15 anos. É muita
coisa para a mente dele — disse a mãe, Tatiana.
Gremista fanático, nem o fato de torcer para o time oposto
impediu que a rede de solidariedade se formasse para ajudar.
— Somos médicos colorados, mas nessas horas esta coisa de time é
bobagem — diz um dos membros do grupo de profissionais.
Fonte: Kamila Almeida |
ZERO HORA
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