sexta-feira, 19 de abril de 2013

Série especial - Invisíveis: A pobreza é a cara

Porto Alegre recebeu R$ 74 milhões em 2012 para 44,6 mil beneficiários. Tanto dinheiro não basta para tirar famílias da linha da extrema pobreza. Enquanto o governo exalta cifras, estudiosos criticam o assistencialismo
Invisíveis: A pobreza é a cara Mateus Bruxel/Agencia RBS
Desempregada, a recém-separada Tamires cria três filhos com a ajuda do Bolsa Família: R$ 2,30 por cabeça, por diaFoto: Mateus Bruxel / Agencia RBS

     Na terceira e última reportagem da série sobre os invisíveis (pessoas que vivem na pobreza em Porto Alegre), o Diário Gaúcho mostra que o governo considera a falta de renda o maior inimigo a ser vencido para eliminar a pobreza extrema no Brasil. Para a maior cidade gaúcha, no ano passado, o Bolsa Família repassou R$ 74.080.772. No país, em 2012, foram R$ 20 bilhões. Para 2013, serão R$ 24 bilhões.

     Em janeiro, 95.301 famílias da Capital estavam no Cadastro Único - 44.642 recebem o Bolsa. E enquanto a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) comemora a abrangência de 97,94% entre as famílias extremamente pobres (até R$ 70 mensais por pessoa) e pobres (de R$ 70 a R$ 140 mensais por pessoa), há quem siga lutando para deixar de ser invisível. Especialistas criticam os critérios do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
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Nãos
     Do dia para a noite, com o fim do casamento, a renda per capita da família da industriária desempregada Tamires da Rosa Ferreira, 25 anos, despencou 40%. Até duas semanas atrás, quando recebeu a visita do Diário, a moradora de uma área invadida identificada como Vila Montepio, no Bairro Mario Quintana, na Zona Norte da Capital, tinha renda mensal de R$ 176,40 por pessoa (tem três filhos) - o então marido ganhava R$ 600 como pedreiro. O restante do dinheiro era pago pelo Bolsa Família (R$ 282). Segundo o Plano Brasil Sem Miséria, que considera pobres famílias com renda entre R$ 70 e R$ 140 mensais por pessoa, ela estava fora desta linha.

     Porém, com a mudança de vida repentina, Tamires viu a família ficar à beira da extrema pobreza. Ao lado dos filhos Luis Felipe, nove meses, Nicolas, dois anos, e Hilary, sete anos, passou a viver só com o dinheiro do programa social - equivale a R$ 70,50 mensais por morador (R$ 2,30 diários).

     - A vida dá voltas que não acreditamos. Se eu já tinha problemas mesmo com um bom salário, imagine como ficarei agora, sozinha - contou Tamires, ao telefonar para o jornal, revelando a novidade.

     Ela ainda não havia conversado com o ex-marido sobre a possível pensão aos filhos. Com as crianças, Tamires seguirá morando na casa de madeira de um cômodo, sem banheiro, uma das 190 da invasão que não existe no mapa oficial da Capital.

     Por enquanto, ainda não avisou o Cadastro Único sobre a sua nova condição financeira, pois não sabe como ficará a situação com o ex-marido.

     - Fome não passamos. Mas falta todo o resto. Por exemplo: não posso trabalhar porque não há creche para os filhos. Não temos acesso a posto de saúde, pois a vila é irregular e não tenho endereço. A luz e a água estão ilegais. Nossa vida é um amontoado de "nãos" - resume Tamires.

Troquinho

     Mas o desabafo da industriária desempregada some entre as cifras destinadas aos extremamente pobres da Capital. Segundo o MDS, o Bolsa Família repassou, em março, R$ 7.675.586 aos beneficiários. Para especialistas, os valores não são suficientes. O sociólogo Aloisio Ruscheinsky, professor e pesquisador na Unisinos no projeto que analisa políticas sociais para a superação da pobreza na América Latina, diz que é necessário avaliar a questão da autoestima - o que combate o sentimento de vergonha, abordado na reportagem de ontem:

     - No Brasil, é preciso sair da dimensão econômica e distribuir outras dimensões, como qualificar a mão de obra dos que usam o programa e acompanhar melhorias no entorno das casas. As famílias não podem ficar apenas se submetendo a "troquinhos". No Chile, por exemplo, trabalha-se a autoestima.

     Já o professor de Economia da Pobreza na Ufrgs Flávio Comim, que pesquisa a pobreza em Porto Alegre e no Brasil há mais de uma década, é ainda mais enfático sobre a questão. E alerta:

     - Sabemos que a renda é importante, mas ela é um indicador imperfeito de bem-estar, porque as pessoas são diferentes. Então, a maneira pela qual elas convertem estas rendas, nos dá um indicador que é tão imperfeito, que, oficialmente, as pessoas podem não ser objeto da política pública. Podem não ser consideradas pobres, mas podem ser pobres.

     O argumento de quem convive diretamente com a pobreza é de que só o combate à baixa renda não elimina outros problemas que acompanham famílias nesta situação. Há dez anos atendendo em postos do Extremo-Sul e das Ilhas, o médico de família Fabiano Barrionuevo revela:

     - Onde tem equipes de saúde da família, percebe-se a melhora na saúde dos pacientes. Mas não tem como ter saúde plena sem escola, sem higiene. A gente orienta, mas as condições não ajudam para atingirem hábitos saudáveis.

Vigilância

     O MDS reconhece a necessidade de se ampliar o serviço. No final de março, durante cerimônia para anunciar o fim da extrema pobreza entre os beneficiários do Bolsa Família, o secretário nacional de Renda de Cidadania do ministério, Luís Henrique Paiva, afirmou que a transferência de renda é apenas o começo:

     - A extrema pobreza, assim como a pobreza, é um fenômeno multidimensional. A extrema pobreza monetária é uma face desta situação. Por isso, o governo quer alcançar essas famílias não apenas com a renda e com o cadastramento, mas também com um conjunto de serviços (de acesso à assistência social, de inclusão na rede de saúde, entre outros...).

     Já o presidente da Fasc, Kevin Krieger, ressalta a pretensão de chegar a todos os moradores da Capital:

     - Superamos as metas e somos uma das cidades com o trabalho mais avançado. Para tentar chegar a todos os moradores de Porto Alegre, criamos um setor chamado Vigilância. Com ele, começamos a averiguar o território para encontrar pessoas fora dos programas. Já pensamos, inclusive, num Cras móvel, para ir às regiões mais distantes.

     Se for até a Restinga, a Vigilância acabará encontrando a família do ex-jóquei amador Adão Jesus César de César, 58 anos, na Vila Chácara do Banco. Ele, a mulher Maria Helena, 50 anos, e os quatro filhos, com idades entre dez e 20 anos, tiveram a história contada no primeiro dia da série Invisíveis. A família mora em um estábulo e não tem renda fixa. Vive de doações: sobram roupas, mas faltam alimentos. Catar frutas e verduras num lixão irregular é uma forma que a família encontrou para driblar as agruras.

Leia a matéria completa no Diário Gaúcho desta sexta-feira, 19 de abril.

Fonte: Aline Custódio (textos) e Mateus Bruxel (fotos) | DIÁRIO GAÚCHO

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